A dor da família da menina Iralici Palheta da Silva, e não Janilce, como anteriormente divulgado, de apenas 6 anos, que morreu ontem após padecer por quatro meses internada no hospital municipal de Oeiras do Pará com problemas neurológicos, parece não ter fim. Pelo contrário, só aumenta.
Além da demora de seis dias da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sespa) em transferi-la com urgência para melhor tratamento em Belém e apesar de decisão judicial nesse sentido, agora é a Polícia Civil que apareceu em Oeiras e decidiu interromper o velório da criança, removendo o corpo da menina para a capital, a fim de passar por exame de necropsia, sob a suspeita de última hora de que “pode ter havido estupro.”
Estranho que essa reviravolta no caso ocorra depois de quatro meses de sofrimento da criança e da família, que implorou nas redes sociais por atendimento especializado em um hospital de referência em Belém sem que fosse ouvida pelos gestores responsáveis pela saúde pública municipal e estadual.
Quando o atendimento chegou, não por vontade dos gestores, mas para cumprimento tardio de decisão judicial, a criança morreu dentro de uma balsa a caminho de Belém, ontem (8), sem acompanhamento médico adequado, no início de uma longa viagem que duraria mais de 10 horas e no mínimo deveria ter sido feita de aeronave.
De acordo com informações da família, a suspeita de estupro só teria sido comunicada por uma enfermeira do hospital municipal de Oeiras do Pará no dia da morte da criança. A aeronave que o Estado negou para socorrer a menina foi disponibilizada, porém, para a Polícia Civil investigar a denúncia.
Nesta quinta-feira (9), a delegada Renata Gurgel, superintendente da Polícia Civil do Baixo Tocantins, acompanhada de três investigadores, pousou em um helicóptero do Estado em Oeiras do Pará, município localizado no nordeste paraense. Ela deu ordens para interromper o velório, dizendo que o corpo iria para Cametá, também na mesma região e a cerca de 107 km de Oeiras. A viagem seria em uma lancha voadeira, que o Ver-o-Fato apurou ser de propriedade da prefeitura de Oeiras.
Em Cametá, contudo, não existe unidade do Instituto Médico Legal (IML). Depois, a explicação dada ao pai da garota, Jair Lima da Silva, de 54 anos, foi de que o exame seria feito em um hospital local por peritos do IML de Abaetetuba, a 137 km de Cametá. Por fim, surgiu depois a informação de que a necropsia, para identificar possível estupro no corpo da criança seria realizada em Belém.
Um tio de Iralici acompanhou o traslado do corpo a pedido da família, mas ele só iria até a ponte do Anauerá, que fica na BR-422, que liga Tucuruí a Cametá. A presença dele no IML em Belém, segundo lhe foi dito por policiais “não seria necessária”.
O clima está pesado em Oeiras do Pará, com a população revoltada pela negligência com que o caso da pequena Irailce foi tratado pela prefeitura e pelo Estado. Nas redes sociais, ao mesmo tempo em que as pessoas lamentam a morte da garota e tentam confortar a família, também denunciam o descaso dos órgãos públicos, enfatizando que se a menina fosse filha de algum político ou de gente conhecida de poderosos, ela teria sido socorrida a tempo. Mas como é filha de pessoas humildes, o poder público virou as costas para ela e sua família.
O Ver-o-Fato procurou a Delegacia-Geral para obter esclarecimentos sobre por qual motivo surgiu a suspeita de que a criança teria sofrido estupro. O delegado Walter Resende disse que a polícia foi acionada em Oeiras de que a criança teria sido submetida a abuso sexual e que isso precisava ser investigado. Resende informou que a delegada Renata Gurgel é quem vai estar à frente do caso.
Resende foi perguntado porque só agora, meses depois e da morte da criança por doença neurológica, a polícia inicia um trabalho de investigação por outro motivo que não é a causa da morte da menina. Ele respondeu que é preciso esclarecer, durante a autópsia, a existência ou não de vestígios de estupro. Pelo que o Ver-o-Fato apurou não há sequer inquérito aberto para apurar a suposta violência sexual.
A delegada Renata Gurgel terá uma reunião ainda nesta noite de quinta-feira com Resende para informá-lo sobre detalhes do caso, inclusive a origem da denúncia da suposta violência sexual. Essa suspeita, de acordo com informações repassadas ao Ver-o-Fato, teria partido de dentro do próprio hospital de Oeiras. O médico que cuidou da criança será um dos ouvidos pela polícia, além de uma enfermeira e assistentes sociais do Creas, Cras e do Conselho Tutelar do município.
Entenda o caso
No começo da tarde de quarta-feira, 8, o Ver-o-Fato postou matéria sobre a gravidade do estado de saúde da menina Iralici Palheta da Silva, de apenas 6 anos de idade. Ela esperou durante seis dias o cumprimento de uma ordem judicial para ser transferida para um hospital de Belém, mas ninguém tomou qualquer providência para salvar a vida da criança.
A velha alegação de sempre: não havia leito.
Deram as costas para os pedidos de socorro da família e ignoraram até uma decisão do juiz da comarca de Oeiras do Pará. E quando resolveram se mexer, já era tarde. Iralici morreu durante a tarde, dentro de uma balsa, após prolongada demora da Secretaria Estadual de Saúde (Sespa) em autorizar o transporte da criança para tratamento adequado no Hospital da Santa Casa, em Belém.
As informações são de que a garota foi colocada dentro de uma ambulância que não continha Unidade de Tratamento Intensivo, exigido para pessoas em estado grave, como Iralici se encontrava. A morte ocorreu quando a balsa navegava rumo a Belém e em vista disso a embarcação teve de retornar ao porto de Oeiras. A pergunta é: e os helicópteros que o governo mantém para atender a emergências como esta, onde estavam? O que faziam?
Sem saber até então que a criança havia falecido, a prefeita do município, Gilma Ribeiro, fez uma apressada postagem na página Amigos de Oeiras do Pará se regozijando com o governador Helder Barbalho e sua equipe da Sespa pela transferência da paciente para Belém.
Gilma aproveitou para registrar seu repúdio “a todos os atos de pessoas que usaram desta situação e de outras para denegrir a gestão municipal divulgando informações falsas, usando a dor de uma família.” Diversos comentários na mesma página reagiram às declarações da prefeita, confrontando-a com a verdade dos fatos: a tardia transferência e morte de Iralici.