Embora ainda falte fechar o laço do escandaloso desvio de R$ 1,7 bilhão com verbas do SUS no Pará, envolvendo sobretudo a empresa Terraplena – cujos proprietários, Carlos Nascimento e Ewerton Pereira De Carvalho tiveram seus apartamentos revirados durante a operação da Polícia Federal -, é possível afirmar, segundo um agente federal ao Ver-o-Fato, que a corrupção, com a circulação de dinheiro em espécie e depósitos bancários, além da lavagem em paraísos fiscais, correu solta e generosa.
A investigação descobriu que dos R$ 1,7 bilhão movimentados em sete anos – de 2017 a 2023, por meio de licitações e contratos firmados com órgãos públicos estadual e municipais -, cerca de R$ 814,8 milhões foram oriundos “no todo ou em parte de recursos da União Federal”. É praticamente a metade da dinheirama envolvida.
E mais: R$ 733.3 milhões foram oriundos de empenhos do Governo do Estado em sete anos, referentes a contratos na fase de execução; e R$ 1 bilhão foram destinados pelos municípios em processos licitatórios e contratos no período de 2017 a 2022, “dos quais foi possível, preliminarmente, identificar a presença ou não de recursos federais”.
Em vários casos foi descoberto que contratos firmados com verbas do governo estadual e prefeituras, posteriormente, tiveram subsídios, conhecidos por “termo de apostilamento”, do governo federal. “Registra-se, oportunamente, a falta de transparência por parte do Governo do Estado, haja vista que não foram localizados nos portais transparências do Estado e no da Secretaria de Obras Públicas (Sedop), os dados relativos à licitação que resultaram nessas contratações”, afirma a PF na investigação.
Em buscas nos sites de órgãos públicos, feitas pelos técnicos e analistas federais, num primeiro momento, onde aparecem a expressão “não localizado”, “não foram identificadas referências de verbas federais nos respectivos documentos coletados previamente dos portais transparência”.
A documentação apreendida mostrou inicialmente a ponta do iceberg, com peixes pequenos ligados ao tubarão Duciomar Costa recebendo valores ínfimos, perto das centenas de milhões que foram para outros bolsos, seja de Dudu ou de beneficiários aboletados em órgãos públicos, além de empresários favorecidos por licitações suspeitas de direcionamento.
O sinal de desconfiança sobre as maracutaias foi ligado pelo Conselho de Controle de Atividade Financeira (COAF), órgão federal que estranhou movimentações financeiras atípicas entre maio de 2017 e final de abril de 2022, em Belém, abrindo a porteira para crimes como “lavagem” de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores.
Fundamental para o desfecho da operação policial em Belém e outras cidade do interior paraense, além de São Paulo, foi o Relatório de Inteligência Fiscal (RIF) número 73966, do COAF. Ele apontou movimentações no mínimo estranhas envolvendo órgãos públicos, pessoas jurídicas e pessoas físicas, inclusive servidores públicos, com valores referentes a verbas públicas federais proveniente do Sistema Único de Saúde (SUS) e outros recursos públicos.
De acordo com a lei 9.613/98, que rege as normas do COAF, as comunicações reportadas classificam-se em operações em espécie e operações suspeitas. As primeiras são efetuadas uma vez constatada a situação objetiva descrita nas normas emitidas pelos órgãos reguladores, sem abrir margem para análise de mérito por parte do setor responsável por comunicá-la. Por exemplo, saque em espécie de valor acima de R$ 50 mil. .000,00). As segundas operações exigem que os setores obrigados realizem “um filtro mais subjetivo a fim de averiguar a suspeita, de acordo com critérios emanados da lei e de regulamentos aplicáveis”.
Feita a comunicação pelo RIF 73966 e após a realização da análise das informações encaminhadas por meio do Relatório de Análise de Polícia Judiciária “foi identificado o desvio de recursos públicos, dentre eles verbas federais, bem como uma possível organização criminosa, com esquema de lavagem de capitais e eventuais crimes em desfavor da administração pública”, diz o relatório da PF ao qual o Ver-o-Fato teve acesso com suas mais de 500 páginas.
Mais adiante, a PF pediu ao juízo da 4ª Vara Federal de Belém a quebra dos sigilos bancário e fiscal das pessoas físicas e jurídicas envolvidas na trama criminosa. O juiz Carlos Gustavo Chada Chaves acatou o pedido e determinou os bloqueios.
De posse da ordem judicial, a PF se debruçou nas análises bancárias, fiscal e de vínculos, além de diligências de campo e outras medidas complementares para “chegar à verdade dos fatos, perseguindo a justiça e observando suas atribuições constitucionais”.
Para fechar o enredo criminal, entraram em campo a Controladoria Geral da União (CGU) e a Receita Federal, que contribuíram com a investigação confeccionando relatórios de análise sobre os fatos em apuração. utilizados nesta representação. Abriu-se o leque dos crimes licitatórios, desvio de recursos públicos, organização criminosa, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e outros que devem aparecer no curso de novas medidas que estão sendo tomados pelos investigadores.
“Não obstante haver diversos elementos indiciários sobre os delitos citados, faz-se, ainda, necessário a adoção de outras medidas cautelares que visam robustecer alguns pontos, esclarecer outros e angariar novos dados, além de, possivelmente, identificar outros delitos ocorridos (e outros atores envolvidos) ou que estejam em ocorrência no presente momento. É o chamado princípio da contemporaneidade”, diz a PF.
Governo do Estado e TCM: sem transparência
Chama a atenção dos investigadores, nas licitações e contratos públicos entre 2017 e 2023 firmados pelo governo do Estado e municípios, “a ausência de informações no Portal do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM), entretanto foram localizados esses dados diretamente no Portal Transparência da Prefeitura, no caso, exemplificativamente, de Belém”.
“Destaca-se, ainda, que, no caso do relacionamento junto ao Governo do Estado do Pará, constatou-se insuficiência de informações no respectivo Portal da Transparência, inclusive não sendo possível localizar alguns dados acerca de editais e demais documentos das licitações, além de contratos públicos. Entretanto, foram localizados diversos empenhos destinados a Terraplena dentro do período estipulado”, aponta a PF.
Há um tsunami de informações ainda por vir a público.