Conversas gravadas e interceptadas por ordem judicial. Trama política para incriminar adversários. Corrupção, inclusive de policias civis e delegado responsáveis pela investigação sobre a morte do prefeito Jones William. Revelações e provável reviravolta no caso.
Os ingredientes são explosivos e a bomba foi detonada por investigação e denúncia à Justiça feita pelo Ministério Público do Pará. Os arraiais em Tucuruí estão em ebulição desde a manhã desta sexta-feira, 29.
O principal atingido pelo terremoto político é o atual prefeito, Alexandre Siqueira (MDB), às voltas, juntamente com aliados, nas acusações contidas em 210 páginas do relatório do Grupo de Atuação Especializada no
Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP do Pará, cuja íntegra o Ver-o-Fato teve acesso.
Narra a denúncia do MP que no dia 25 de julho de 2017, o então prefeito de Tucuruí Jones William da Silva Galvão foi assassinado no município enquanto inspecionava obra pública nas proximidades do Samu. Um boletim de ocorrência sobre o assassinato foi registrado na Seccional da Polícia Civil de Tucuruí. No dia 03 de agosto daquele ano foi instaurado o Inquérito Policial n. 00486/2017.100138-4 pela Divisão de Homicídio da Polícia Civil do Estado do Pará, ficando as investigações sob a responsabilidade do delegado José Eduardo Rollo da Silva.
Durante as investigações a autoridade policial e os policiais civis realizaramm diversas diligências; também houve representação e cumprimento de medidas cautelares para busca e elementos probatórios -interceptações telefônicas, buscas e apreensões domiciliares, conduções coercitivas, prisões temporárias e preventivas.
Já no dia 08, houve a apresentação do relatório final com o indiciamento de 8 pessoas como mandantes e executoras do crime e outras 2 por associação criminosa com uso de arma de fogo.
Entretanto, no curso das investigações pessoas suspeitas de envolvimento no assassinato do prefeito Jones William da Silva Galvão foram vítimas de homicídio, sendo requerido pelo Ministério Público a realização de diligências complementares sobre as mortes de José Davi Lucas, “Zé Davi”, Francisco Walcione de Sousa Soares, o “Chico”, Elden Guimarães Rodrigues, Edivaldo Guimarães, Leivaldo Braga da Silva, o “Miúdo”, e Ruan Rodrigues. A autoridade policial realizou as diligências requeridas informando a não conclusão sobre as investigações das cinco mortes.
Celulares apreendidos: a casa começa a cair
Na peça da denúncia do MP, em 27 de março de 2017, contra os envolvidos no assassinato de Jones William da Silva Galvão, foi requerido em cota a juntada das extrações e análises dos bens apreendidos durante a investigação, bem como do resultado das investigações sobre as mortes dos demais suspeitos no envolvimento do assassinato do prefeito. A denúncia foi recebida pela justiça em 23 de abrir de 2019.
Paralelamente a esta ação penal, diz o MP, tramitou na 2ª Promotoria de Justiça de Tucuruí o Processo de Investigação Criminal (PIC) de número 001078-027/2018. Este procedimento apurou desvios de recursos públicos da ordem de R$ 440.000,00 do Ipaset (Instituto de Previdência dos Servidores de Tucuruí). A investigação apurou que o responsável pelos desvios dos recursos públicos foi o então superintendente do Ipaset, Firmo Leite Giroux, “conduta praticada nos dias subsequentes ao assassinato do prefeito Jones William”
Para tais fatos, continua o MP, houve a condenação de Firmo Leite Giroux em 1ª instância, processo nº 0003772-
88.2018.8.14. “Ocorre que no curso do PIC citado houve deferimento de medida cautelar de busca e apreensão (autos n. 0003772-88.2018.8.14.0061) em desfavor de Firmo Leite Giroux e Moisés Gomes Soares Filho, sendo apreendido àquela oportunidade os seus aparelhos celulares”.
Em análise preliminar da extração de dados dos aparelhos celulares apreendidos foram identificados indícios de delitos praticados por agentes públicos e particulares relacionados à apuração do crime de homicídio que teve como vítima o prefeito Jones William, o qual é objeto do Procedimento Administrativo n. 000066-130/2022 junto ao GAECO nos termos da Portaria n. 3757/2021-MP/PGJ.
Na sequência, foi requerido e deferido pelo juízo de Tucuruí “o compartilhamento das provas obtidas nos autos do processo n. 0003772-88.2018.8.14.0061 para sua utilização nos autos do processo nº 0000223-70.2018.8.14.0061, bem como em outros procedimentos investigatórios a serem eventualmente instaurados para adequada apuração dos fatos”.
Quatro particulares e cinco policiais
Os dados dos aparelhos celulares apreendidos, obtidos por extração autorizada judicialmente, comprovam que os denunciados Firmo Leite Giroux, Alexandre França Siqueira – atual prefeito -, Moisés Gomes Soares Filho e Andrey Fernandes Mateus “ofereceram vantagem indevida aos investigadores da polícia civil Donivaldo de Jesus Palha, Amarildo Leite dos Santos, Jonatas Rabelo Galvão, Afonso Alves Rodrigues e ao delegado José Eduardo Rollo da Silva, para determiná-los a praticar e omitir atos de ofício que estavam obrigados na investigação do homicídio do prefeito Jones William da Silva Galvão”, afirma o fiscal da lei na denúncia.
As imputações: corrupção ativa
Sempre contundente em sua investigação, o MP prossegue: “consta das peças anexas que entre julho de 2017 e março de 2019, em Tucuruí, Alexandre França Siqueira, Firmo Leite Giroux, Moisés Gomes Soares Filho e Andrei Fernandes Mateus ofereceram e pagaram, por diversas vezes nas mesmas circunstâncias de tempo e de local, vantagem patrimonial indevida a cinco integrantes da Polícia Civil do Estado do Pará, para que omitissem atos de ofício e praticassem atos infringindo o dever funcional”
Corrupção passiva
Consta também das peças anexadas à denúncia que entre julho de 2017 e março de 2019, em Tucuruí, “José Eduardo Rollo da Silva, Donivaldo de Jesus Palha, Amarildo Leite dos Santos, e Jonatas Rabelo Galvão, com a concorrência de Afonso Alves Rodrigues solicitaram e receberam, diretamente para si, vantagem patrimonial indevida, em razão das funções públicas exercidas em cargos da Polícia Civil do Estado do Pará, deixando de praticar atos de ofício”.
Violação de sigilo funcional
Por fim, consta das peças anexadas que entre julho de 2017 e março de 2019, os cinco policiais “revelaram fatos de que tinham ciência em razão dos cargos de delegado de polícia e policiais civis e que deviam permanecer em segredo, ações que resultaram em dano à Administração Pública”.
Segundo ainda o MP, a prova demonstra que os denunciados Alexandre França Siqueira, Moisés Gomes Soares Filho, Firmo Leite Giroux e Andrey Fernandes Mateus “prometeram e pagaram vantagem financeira indevida e, por meio disso, direcionaram as investigações do inquérito policial, obstaram o cumprimento de cautelares processuais penais e afastaram a possibilidade de investigação de outros agentes que em tese poderiam estar envolvidos no crime -a morte do prefeito Jones Willian “.
Os policiais civis, por sua vez, “aceitaram promessa e receberam pagamento para revelarem fatos sigilosos relativos a investigação do homicídio, deixar de cumprir medidas cautelares e de proceder com investigações sobre possíveis autores e fatos relacionados aos crimes”.
Um dos principais elementos probatórios das condutas criminosas são as conversas do celular de Firmo Leite Giroux. São centenas de diálogos a comprovar atos de corrupção ativa e passiva.
Alguns trechos das escabrosas conversas
Para exposição dos fatos criminosos e descrição das condutas dos agentes envolvidos, o MP dividiu as conversas em subtópicos sobre “como a corrupção embaraçou a investigação e de como foram praticados atos gravíssimos envolvendo a apuração do crime de homicídio de Jones William da Silva Galvão”.
A primeira delas é a promessa de R$ 100 mil aos policiais para direcionamento dos trabalhos de investigação.”A prova indica que além do repasse constante de pequenos valores os denunciados prometerem o pagamento de R$ 100.000,00 para a conclusão das investigações com o indiciamento e prisão de adversários políticos. Assim, desde agosto de 2017, Alexandre França Siqueira e Moisés Gomes Soares Filho, inicialmente por meio de Firmo Giroux e, depois, diretamente, obtinham informações sigilosas das investigações em andamento e repassavam vantagem indevida aos policiais civis que exerciam funções públicas no inquérito policial”, acusam os cinco promotores de justiça que assinam a denúncia.
Em uma das conversas, no dia 28 de agosto de 2017, portanto, pouco mais de um mês após o assassinato de
Jones William, Firmo Giroux pergunta ao policial civil Afonso Alves Rodrigues sua opinião sobre oferecer R$ 50.000,00 ao delegado Rollo para agilizar as investigações pelo interesse do possível envolvimento da família do vice-prefeito Artur no crime e a possibilidade de novas eleições com vitória da viúva Graciele”.
Ainda no dia 28, Afonso Rodrigues envia informações sigilosas a Firmo Giroux sobre pessoas investigadas e diligências em andamento e Firmo pergunta se ele “falou com eles sobre a ajuda”, referindo-se ao repasse de dinheiro aos policiais civis responsáveis pela investigação. Afonso Rodrigues pede a Firmo que não fale sobre a “ajuda” com ninguém.que ele próprio iria conversar com os policiais.
Confirmando a promessa do pagamento de R$ 100.000,00 aos policiais civis, no dia 10/11/2017 Alexandre Siqueira envia mensagem a Firmo perguntando se esses caras :”não querem ganhar esses 100 não”. No dia 16 de novembro de 2017, Graciele pergunta a Firmo se o delegado Carlos o conhece e se sabe que ele tem contato com os “meninos”, referindo-se aos investigadores). Na sequência Firmo afirma que acredita que o delegado Carlos não saiba que eles prometeram “recompensa” aos policiais.
R$ 50 mil em espécie
Diz o MP: “apurou-se que dos R$100.000,00 prometidos por Firmo, Moisés e Alexandre Siqueira aos investigadores e delegado, pelo menos R$50.000,00 foram efetivamente entregues em espécie aos policiais civis. No dia 22/11/2017 Firmo sugere ao policial Amarildo se encontrarem nas Docas em Belém juntamente com Alexandre, mas Amarildo diz que lá é muito aberto e sugere outro local: Posteriormente Firmo e Amarildo desmarcam a reunião pela demora de confirmação se referindo-se ao investigador Donivaldo de Jesus Palha
No dia seguinte, 23/11/2017, Firmo e Amarildo marcam encontro no restaurante Point do Açaí, situado em Belém, com a presença de Donivaldo de Jesus Palha, também conhecido como Doni, e Alexandre Siqueira. Na troca de mensagens, Firmo diz expressamente que Alexandre Siqueira queria se reunir com os policiais para endossar a promessa dos R$100.000,00 pelo decreto de prisão de Artur, então vice-prefeito que assumiu a prefeitura de Tucuruí com a morte de Jones William, e pede autorização a Amarildo para levá-lo na reunião, o qual anui com o encontro.
Após a conversa com Amarildo, Firmo encaminha a Alexandre Siqueira o endereço do encontro no Restaurante Point do Açaí. Após a reunião com os policiais, na noite deste mesmo dia 23/11/2017, Moisés envia mensagens a Firmo informando que Alexandre Siqueira estava articulando uma aproximação com a polícia civil e ambos combinam de encontrarem-se em Belém.
No dia seguinte a reunião, 24/11/2017, Alexandre Siqueira envia mensagens a Firmo confirmando a conversa com Moisés e informando que “falei sério com ele”, “falei p ele se aproximar” e que ele estava ciente da promessa.
Nesta data já era de conhecimento público inúmeras denúncias que circulavam em redes sociais informando que os cofres da prefeitura de Tucuruí foram saqueados no dia da morte do prefeito Jones Willian Galvão , com possível envolvimento de Moisés, então secretário de Administração, Firmo Giroux, então superintendente do Ipaset, e
Alexandre Siqueira, empresário com diversos contratos com a prefeitura de Tucuruí. Quem publicou essa notícia foi o Blog do Zé Dudu.
Na mesma data da ampla divulgação da notícia acima, 23/11/2017, Alexandre Siqueira envia mensagens a Firmo dizendo para ele também se preparar porque os fatos noticiados nas redes sociais haviam sido protocolados no Ministério Público naquele dia “Mas é vvd protocolaram hj”. No decorrer da conversa Alexandre Siqueira indica obter informações privilegiadas dentro do Ministério Público afirmando ter feito essa relação anteriormente mediante o pagamento de R$ 300.000,00.
Quem recebeu esse dinheiro no MP? A investigação é sigilosa, mas isso terá de vir à tona, porque é gravíssimo.
Já no dia 25/11/2017, Firmo envia a Alexandre Siqueira meme de Moisés que circulava em redes sociais sobre os desvios de recursos públicos e faz troça da situação. “Mesmo sendo de conhecimento público o possível envolvimento de Firmo, Alexandre Siqueira e Moisés em possíveis desvios de recursos públicos no dia do homicídio de Jones Willian, os policiais civis permaneceram mantendo constantes contatos com eles, repassando informações sigilosas sobre as investigações em andamento e recebendo valores a cada diligência realizada”, acrescentam os promotores.
No dia 05/12/2017 Firmo e o investigador Doni marcam para se encontrarem e conversarem juntamente com Alexandre Siqueira, que os aguardava no Shopping Boulevard, em Belém. Posteriormente, Firmo informa a Alexandre Siqueira que os policiais civis queriam se encontrar em posto de gasolina de Belém: Já por volta de 22h o investigador Doni confirma com Firmo o encontro no posto de gasolina.
Durante o encontro Firmo posta foto de reunião no grupo de whatsapp “Equipe Raiz” junto com os policiais e Alexandre Siqueira seguida da seguinte mensagem:”resolvendo os detalhes da próxima operação”. No dia 07/12/2017 Firmo pergunta a Doni se não tem novidades sobre a investigação e Doni informa que está trabalhando na análise dos telefones e pergunta se (desenho de uma águia) nada? – em referência a Moisés, conhecido como Moisés Águia.
Dinheiro, dinheiro
Firmo envia mensagens a Amarildo, no dia 11 de dezembro de 2017, perguntando se Jonatas sabia sobre os 50 referindo-se ao repasse de R$ 50.000,00. No dia 16/12/2017 (sábado) Alexandre Siqueira encaminha mensagem a Firmo dizendo que os policiais civis Doni, Jhonata e Amarildo “espera Moisés mandar 50 até segunda à noite”, (que seria dia 18/12/2017, segunda-feira), referindo-se ao repasse de R$ 50.000,00, mas que o valor somente poderia ser entregue por Firmo em espécie e em mãos:
Na data indicada pelos policiais (18/12/2017, segunda-feira) Doni envia mensagens a Firmo cobrando a entrega dos R$ 50.000,00. Comprovando a entrega dos R$ 50.000,00, no dia 26/12/2017 Doni pergunta se “veio a encomenda”, , referindo-se ao dinheiro, e Firmo informa que está indo para Belém e irá levar.
Na avaliação do MP, os atos de corrupção ativa, como dito, “serviram para que os denunciados recebessem informações sigilosas da investigação e determinassem direcionamento dos atos investigatórios dos policiais civis, tendo Firmo Giroux determinado que os policiais civis denunciados excluíssem Alexandre Siqueira e Moisés de quaisquer atos investigativos durante o inquérito policial”.
“Embora, em diversos momentos Firmo Giroux tenha recebido informações de terceiros sobre suspeitas do possível envolvimento de Alexandre Siqueira em homicídios relacionados à morte de Jones William, não há registro de tê-las repassado aos investigadores”, enfatiza o MP.
No dia 07/09/2017 Firmo e Torquato Maia Ferreira conversam sobre o assassinato de Zé Davi , suspeito de ser um dos mandantes do homicídio de Jones Willian. Esse homicídio ocorreu após a prisão de Bruno, indicado pela polícia civil como o executor do crime. Durante a conversa falam sobre o possível envolvimento de Elsk para proteção de Alexandre Siqueira.
No mesmo sentido mensagens trocadas no dia 08/09/2017 entre Firmo e Andrey Fernandes Mateus. Na troca de mensagens também sobre a morte de Zé Davi , Firmo informa a Andrey que o investigador Doni havia perguntado sobre Alexandre Siqueira e depois desconversado e pede que ele verifique discretamente com o policial Mateus. Em resposta Andrey diz que “possibilidade de vingança entao”.
No dia 11/09/2017 o investigador Jonatas Rabelo Galvão pede a Firmo “mande novamente todos os números p ver se não está faltando ninguém” e, embora Firmo tivesse obtidos tais informações sobre Alexandre Siqueira, envia números telefônicos apenas de adversários políticos deste.
Com a palavra, os envolvidos
Das 210 páginas da explosiva denúncia do MP – o fiscal da lei também enviou documento ao juízo de Tucuruí, impronunciando os acusados na aludida denúncia, porque o envolvimento de particulares e agentes públicos tornaram parcial e praticamente descartável o inquérito policial em razão da participação de corruptores e corruptos – há outras centenas de conversas, algumas bem cabeludas.
O Ver-o-Fato destacou o conteúdo de 56 páginas, sem detalhar as conversas em mensagens de Zap, que são algumas vezes longas e comprometedoras. Nas outras 154 páginas, os diálogos são rastilho de pólvora.
O Portal Ver-o-Fato abre espaço à manifestação do contraditório e de defesa de todos os denunciados, agentes públicos e empresários ,arrolados na denúncia do MP.
O atual prefeito de Tucuruí, Alexandre Siqueira (MDB) foi procurado pelo Ver-o-Fato e manifestou-se por meio de um vídeo, no qual tacha de “fake news” a acusação contra ele e outros apresentada à Justiça pelo MP. “Não estou sendo acusado de assassinato”, diz ele.
Veja: