Por trás dos números impressionantes do agronegócio brasileiro, esconde-se uma realidade sombria, de conluio e abusos que destroem vidas e legados. Essa é a história de Benedito Mutran Filho, um dos maiores expoentes da pecuária e da exportação de castanha-do-Pará, que dedicou sua vida ao desenvolvimento do Pará e do país.
Após a morte de Bené, como ele era mais conhecido, sua família trava uma batalha judicial desigual contra a poderosa Agropecuária Santa Bárbara (AgroSB), comandada pelo polêmico banqueiro Daniel Dantas.
O que deveria ser uma transação promissora para a venda de propriedades transformou-se em um pesadelo devastador para Mutran e sua família. A AgroSB, utilizando-se de ardil, reteve valores milionários sob pretextos infundados e, segundo apuração do Ver-o-Fato, inacreditavelmente, passou a cobrar juros sobre os mesmos valores que ela própria havia bloqueado.
Essa manobra cruel e ardilosa não apenas arruinou financeiramente o pecuarista, mas também comprometeu o legado de uma vida inteira de trabalho.
A venda de fazendas, que deveria consolidar a trajetória de sucesso de Mutran, acabou por desmantelar sua estabilidade financeira e destruiu seu empreendimento mais icônico: a indústria de castanha-do-Pará fundada em 1966. Mais de 800 trabalhadores – em sua maioria mulheres que sustentavam suas famílias – perderam seus empregos. Um pilar econômico do estado foi ao chão, deixando um rastro de miséria e desesperança em centenas de lares.
Legado manchado por práticas predatórias
Benedito Mutran Filho não foi apenas um pecuarista; ele foi um visionário. Sua contribuição para o melhoramento genético da raça Nelore transformou o Pará em referência internacional na pecuária. Contudo, sua memória agora se vê ameaçada por práticas predatórias e conluios corporativos que desprezam o impacto social e humano de suas ações.
Enquanto a família Mutran luta por seus direitos nos tribunais, a AgroSB segue acumulando riquezas e expandindo seus negócios. Recentemente, vendeu importantes ativos no sul do Pará – incluindo a Fazenda Espírito Santo, que pertencia a Mutran – em uma negociação milionária com o Grupo Quagliato.
O contraste entre o enriquecimento da AgroSB e a devastadora perda enfrentada pela família Mutran é uma afronta à justiça e à ética.
Silêncio e controvérsias ambientais
A AgroSB, que controla vastas terras no Pará, também é alvo de críticas por práticas ambientais questionáveis, incluindo desmatamento em áreas protegidas. Relatórios apontam irregularidades que violam os princípios ESG (ambientais, sociais e de governança), cada vez mais exigidos pela sociedade e por investidores globais. Mesmo assim, a empresa permanece em silêncio diante das denúncias e dos questionamentos.
Enquanto isso, a família de Bené, através do espólio de Benedito Mutran Filho, segue em sua batalha por justiça, confiando no judiciário paraense na busca por reparação aos danos causados a quem tanto contribuiu para o crescimento do Pará e do Brasil. Mais do que uma questão financeira, esta é uma luta por dignidade, por responsabilidade empresarial e por uma conduta ética no agronegócio brasileiro.
A indignação que essa história desperta não é apenas um clamor por justiça individual, mas por uma transformação estrutural em um setor que não pode continuar a prosperar às custas de vidas destruídas e legados apagados. O desfecho dessa batalha judicial é mais do que uma disputa entre uma família e uma corporação; é um teste para a capacidade do Brasil de equilibrar progresso econômico com justiça social e ambiental.
Procurada pelo Ver-o-Fato, a família de Bené Mutran não quis se manifestar sobre o caso, limitando-se a declarar que o processo segue em andamento no judiciário, em Belém. Já os donos da AgroSB não foram localizados para estabelecer o contraditório e a defesa sobre as informações mencionadas na matéria. O espaço está aberto à manifestação dos pecuaristas.
E agora?
Com o mercado de olho, a justiça em xeque e o legado de uma família em jogo, a pergunta que fica é: até quando gigantes corporativos como a AgroSB continuarão a escapar de prestar contas? A resposta, esperamos, virá dos tribunais – e também da pressão pública, que pode ser o último bastião contra a impunidade no Brasil.