Funcionários do Instituto de Saúde Social e Ambiental da Amazônia (ISSAA), uma organização do chamado terceiro setor que mantém contrato desde o ano passado com o Estado, recebendo mensalmente R$ 4,15 milhões para administrar a Policlínica Metropolitana, denunciam irregularidades e pedem investigação dos fiscais da lei. Essas denúncias englobam assédio moral, infringência às leis trabalhistas e nepotismo.
Sob sigilo da fonte, porque temem retaliações e demissões, os funcionários afirmam que o assédio moral das chefias constrange, deprime e chega a ser velado e quem não se submete é ameaçado de demissão e punido. Um dos denunciantes diz que está a ponto de explodir diante da humilhação que sofre e vê os colegas sofrerem, mas que se controla para evitar isso, porque tem família para sustentar.
Como a Policlínica vive diariamente lotada em razão das pessoas que vão ao local em busca de atendimento médico, queixando-se de sintomas gripais, febre e dor de cabeça, sob o temor de estarem com a Covid-19, a sobrecarga de trabalho, dizem os denunciante, transforma-se em tormento. Eles têm que se desdobrar, mas as condições de trabalho não favorecem, além de não receberem pelo que produzem.
“Aqui se trabalha muito, além da carga horária estipulada pela legislação trabalhista. O pior é que as horas extras não são pagas e muitos ganham salários que são incompatíveis com as funções que desempenham”, desabafa um trabalhador da Policlínica. Outro informa que há os que acumulam funções, mas também não recebem por isso, o que se constitui em infringência à CLT.
As denúncias não param por aí. Além de trabalhar muito e não receber pelas horas extrapoladas, os funcionários se queixam de outros problemas que igualmente apontam para violações das leis trabalhistas. Falta, por exemplo, espaço adequado para alimentação e local de descanso, que sequer existe. Isto se soma à falta de assistência à saúde dos trabalhadores nas próprias dependências da Policlínica.
” Isto é um absurdo, o Ministério Público do Trabalho deveria investigar isso. Já pensou a incoerência, nós tratamos da saúde de centenas de pessoas todos os dias nessa clínica, mas a OS não olha pra nossa saúde. Isso chega a ser desumano”, resumiu outro funcionário.
Nepotismo e o que diz o STF
Nas denúncias encaminhadas ao Ver-o-Fato, surge uma situação grave na Policlínica Metropolitana: o nepotismo em uma entidade que se beneficia de recursos públicos num negócio administrado por uma família que controla os postos chaves da OS.
O diretor-presidente do ISSAA, o português Manuel Fernandes Moreira, não dormiu no ponto quando abraçou na Policlínica o contrato milionário com o governo estadual, tratando de ajeitar a família no comando da entidade. Ele aboletou a mulher, Sueli Moreira, na presidência do Conselho de Administração e deu ao filho, Rodrigo Moreira, a Diretoria Financeira, a chave do cofre da entidade. Tudo registrado em documento, de acordo com a Ata de alteração lavrada em assembleia do ISSAA e a qual o Ver-o-Fato teve acesso (veja o documento no final desta reportagem).
A questão do nepotismo, no que tange ao terceiro setor – caso da OS de Manuel Fernandes Moreira -, quando fomentado com dinheiro originado no erário público, tem entendimento pacificado nas cortes pelo Brasil afora. Configurado o ato, trata-se de atentado aos princípios da moralidade administrativa, basilar no tratamento e gestão da coisa pública.
A Súmula Vinculante 13, do Supremo Tribunal Federal (STF), não deixa dúvidas sobre o tema: ” a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
Resumo da ópera: o ISSAA possui um contrato assinado com a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) e esse contrato para gestão da Policlínica Metropolitana envolve dinheiro público.
“É muito grave”, diz presidente da OS
Procurado e entrevistado pelo Ver-o-Fato, por meio telefônico, o presidente do ISSAA, Manuel Fernandes Moreira, afirmou que a denúncia de assédio moral feita por alguns funcionários era “muito grave” e que iria tomar providências. Ele disse que não sabia de nada e negou qualquer irregularidade trabalhista, enfatizando que os trabalhadores recebem tudo o que têm direito pelo que fazem. “Ninguém deixa de receber por sua produção e não permito que isso aconteça”, acrescentou.
Ele declarou estar “surpreso com essas denúncias” e perguntou quem as faz, insistindo para que o Ver-o-Fato declinasse as fontes das acusações de irregularidades. A pretensão do presidente foi rechaçada pelo Ver-o-Fato, que lembrou a ele a garantia constitucional do sigilo, até para evitar perseguições e retaliações contra as pessoas que exercem seus direitos consagrados pelas leis brasileiras.
De acordo com Moreira, ele reconhece apenas a procedência de uma reclamação dos funcionários: a ausência de local adequado para as refeições. E disse que já havia recebido da Sespa as instalações do jeito em que se encontram, mas que já está tratando dessa “readequação do espaço” com a Secretaria para que os funcionários possam se alimentar sem problemas em um local seguro.
O presidente, que receberia R$ 25 mil mensais – o que ele diz “não ser isso” -, mora em São Paulo e confessou que poucas vezes vem a Belém. Em uma fotografia obtida pelo Ver-o-Fato, ele aparece (abaixo) muito à vontade em uma praia carioca, posando ao lado da famosa estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Sobre nepotismo, Moreira negou o favorecimento aos familiares, argumentando com a estranha tese de que “nepotismo é quando recebe sem trabalhar”. O presidente foi taxativo ao dizer que a mulher dele, Sueli Moreira, e o filho, Rodrigo Moreira, “trabalham muito, são competentes e dedicados”.
Por diversas vezes tentou desqualificar o uso de parentes na administração do ISSAA, afirmando que não são servidores públicos e que não trabalham no governo estadual. Foi lembrado sobre a utilização de recursos públicos na OS dele e chegou a dizer que se o Ver-o-Fato quisesse ele iria demitir a esposa, “que não é remunerada”, mas iria manter o filho, que receberia vencimentos de R$ 18 mil, o que alegou “não ser verdade”.
Também ressaltou que o trabalho de todos os que atuam na Policlínica aumentou muito e que a eficiência no atendimento ao público ajudou a salvar muitas vidas durante a pandemia. “Temos 200 funcionários, mais de 60 médicos e nosso objetivo é servir à população, fazendo a triagem dos casos e encaminhando os suspeitos com a Covid para as unidades de referência e hospitais”, concluiu.
A Sespa não se manifesta sobre as irregularidades denunciadas pelos funcionários do ISSAA, dizendo que o problema deve ser resolvido pela OS.
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