Caso será julgado nesta quarta, 19, no Tribunal Pleno do TJ do Pará: STJ mandou dosar a pena, mas desembargador Centeno quer ressuscitar nulidade processual.
Por mais de 15 anos, a condenação do ex-deputado estadual Luiz Sefer a 21 anos de prisão por abuso sexual contra uma menina de apenas nove anos permaneceu no limbo da Justiça. O caso, que chocou o Pará e ganhou repercussão nacional, agora se aproxima de um desfecho que pode fazer com que ele cumpra a pena na cadeia, ou selar a impunidade de um homem rico e influente, cujos tentáculos alcançam o poder político e econômico do estado.
Condenado em 2010, Sefer nunca cumpriu um único dia de sua pena em regime fechado. A vítima, uma criança vinda do município de Mocajuba, para trabalhar na casa dele como empregada doméstica, foi submetida a abusos constantes enquanto morava na residência do então deputado.
No entanto, ao longo dos anos, o ex-parlamentar e seus advogados conseguiram adiar indefinidamente a efetivação da sentença, explorando brechas processuais e contando, em muitos momentos, com a conivência de setores do próprio Judiciário paraense.
As investidas para anular a condenação já foram inúmeras. Advogados renomados e entre os mais caros do país tentaram, sem sucesso, reverter a sentença tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2023, o STJ foi categórico ao reafirmar a validade da condenação, determinando ao Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) apenas a fixação da dosimetria da pena e do valor da multa. Mas agora, um novo e controverso capítulo ameaça comprometer, ou reforçar, a credibilidade da Justiça estadual.
O desembargador Alex Centeno, recém-chegado à corte, pediu vista, durante sessão do Tribunal Pleno no último dia 22 de janeiro, após o relator apresentar voto pelo desprovimento de um agravo regimental em embargos de declaração de recurso especial extraordinário desse processo que corre em segredo de justiça. Com o pedido de vista, o julgamento foi suspenso.
Tese ressuscitada
Centeno deve apresentar seu voto, acatando novo recurso da defesa de Sefer e resgatando uma tese já rejeitada em instâncias superiores: a suposta nulidade do processo por vício de competência. Segundo a argumentação do advogado Roberto Lauria, Sefer, o à época deputado estadual, deveria ter sido julgado pelo colegiado do Tribunal de Justiça e não por um juiz monocrático.
Ocorre que a própria tramitação do caso demonstrou que o ex-parlamentar renunciou ao mandato quando o escândalo veio à tona, perdendo, assim, o direito ao foro privilegiado. Não caberia mais bater nessa tecla recursal, mas a defesa insiste.
A tentativa de reescrever a história será testada nesta quarta-feira, 19, quando o TJPA, em sessão do Tribunal Pleno, deverá julgar o novo recurso. Se a tese de nulidade prevalecer, toda a condenação poderá ser anulada, permitindo que Sefer escape da prisão e pavimentando sua impunidade com o selo da desmoralização do próprio tribunal.
Dos 30 desembargadores que participarão do julgamento, oito já se declararam suspeitos: Rômulo Nunes, Vânia Bitar Cunha, Vânia Lúcia Silveira, Maria de Nazaré Gouveia dos Santos, José Roberto Maia Bezerra, Rosi Maria Gomes de Farias, Kédima Pacífico Lyra e Sérgio Augusto Lima. A declaração de suspeição de um magistrado é uma possibilidade prevista na legislação, que pode ocorrer por razões pessoais ou de posicionamento na lide processual. Já a declaração de suspeição por razões de foro íntimo dispensa justificativa.
Mais do que um caso isolado, o desfecho deste julgamento será um termômetro da seriedade e da autonomia da Justiça paraense. Caso a decisão beneficie o ex-deputado, a corte estadual poderá enfrentar resistência no STJ e no STF, onde o histórico de julgamentos sempre foi desfavorável ao condenado.
Luiz Sefer está prestes a completar 70 anos, o que poderia reduzir pela metade o tempo de prescrição da pena, caso sua condenação seja anulada. Para além das artimanhas jurídicas, resta a questão central: o Tribunal de Justiça do Pará permitirá que um caso emblemático de violência contra uma criança seja enterrado pelo poder e pelo dinheiro?
A resposta, talvez a última, é agora.
ENTENDA O CASO
O então deputado Luiz Afonso Sefer foi indiciado pela CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Pará e pela CPI da Pedofilia do Senado, em 2009, em seguida pela Polícia Civil, após o devido inquérito.
Em 8 de junho de 2010, a juíza Maria das Graças Alfaia Fonseca, então titular da Vara Penal de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém o condenou e decretou a sua prisão e o pagamento de indenização de R$ 120 mil por danos morais.
No dia 6 de outubro de 2011, por dois votos a um, Sefer foi absolvido pelos desembargadores João Maroja (já falecido) e Raimundo Holanda. A tese acolhida pela dupla foi a da “insuficiência de provas”.
No final de março de 2018, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Joel Ilan Parcionik, da Quinta Turma, manteve a condenação de Sefer a 21 anos, derrubando a polêmica absolvição do deputado sentenciada por Maroja e Holanda. Parcionik acolheu a tese de valorização da palavra da vítima que denunciou o estupro, desfez a decisão do Tribunal do Pará e restaurou a condenação imposta pela juíza Maria das Graças Alfaia. Nesse tipo de crime, feito às escondidas, é relevante o depoimento de quem sofreu o abuso sexual.
Em abril de 2019, o Tribunal de Justiça do Pará, em nova e polêmica decisão, anulou o processo. Os votos pela absolvição foram do relator, desembargador Mairton Carneiro, que aceitou a argumentação da defesa, e da desembargadora Maria Edwirges Miranda Lobato, que seguiu o voto do relator. O revisor do recurso, Leonan Gondim da Cruz Junior, votou contra a nulidade em duro relatório.
O Ministério Público recorreu da decisão e o STJ, em 2021, por meio de voto do ministro Joel Ilan Paciornik, foi taxativo: “vislumbra-se a ocorrência de possível desrespeito à autoridade de decisão dessa Corte, considerando-se que a determinação foi de retorno aos autos para julgamento dos demais pedidos constantes das razões de apelação já apresentadas”. Agora, após a Reclamação julgada pela Terceira Seção do STJ, o processo voltou ao Pará para que o TJ faça, enfim, o que não fez: julgar a dosimetria da pena.