Por Ubiratan Brasil
Em sua busca por projetos artísticos, a atriz Denise Fraga se pauta principalmente pela qualidade do texto. É o que explica, por exemplo, montagens teatrais como A Visita da Velha Senhora, do suíço Friedrich Dürrenmatt, ou A Alma Boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, peças que promoviam o entretenimento, mas que também buscavam envolver o público em um debate teórico. É esse mesmo raciocínio que a deixa animada com Julia, seu papel na novela Um Lugar ao Sol, que estreia nesta segunda-feira, 8, na Globo.
“É uma personagem solar, marcada por um otimismo trágico por sempre fingir que tudo está bem”, diz ela ao Estadão, por telefone. Denise está em Lisboa, onde termina, nessa semana, a rodagem do filme Índia, no qual vive uma mulher com outra personalidade. “Quando cheguei em Portugal, em setembro, a novela já estava toda gravada, o que foi um cuidado da emissora por causa da pandemia”, explica a atriz, que não fazia uma novela completa desde 1994, quando participou de Éramos Seis, no SBT. “Assim, não vão ocorrer mudanças à medida em que a trama é exibida, como sempre aconteceu, mas o espectador vai poder acompanhar como faz nas séries de streaming, que também estão finalizadas.”
Escrita por Lícia Manzo e com a direção artística de Maurício Farias, Um Lugar ao Sol traz, como de hábito, diversas histórias que se cruzam, destacando o triângulo amoroso formado por Andréia Horta, Alinne Moraes e Cauã Reymond que, por sinal, vive dois papéis. “Alinne e Cauã começaram a gravar no início de 2020, quando rodaram cenas em Praga, na República Checa”, conta Denise. “A pandemia obrigou as produções fazerem uma parada e só retomando neste ano.”
RECEIO
Inicialmente, ela ficou receosa de entrar em um estúdio, temendo a proximidade, mas logo descobriu que a emissora montou um cuidadoso esquema sanitário, com revezamento de equipes de higienização. “Só os conhecíamos pelos olhos, pois viviam com máscaras e capas”, comenta. “E gravar uma novela com tanta sofisticação naquele momento foi uma vitória. E a carinhosa direção de Maurício foi decisiva para esse sucesso.”
Sentindo-se segura, ela foi descobrindo as nuances de Julia, personagem que só deve aparecer a partir do 30º capítulo. Trata-se de uma personagem que promete ser marcante – cantora fracassada, ela busca uma redenção ao passar nove meses sem consumir álcool, um problema que a afastou inclusive do filho, vivido por Gabriel Leone.
“Agora, ela quer retomar a carreira e se reaproximar do filho. Júlia se sente eternamente jovem, não percebe que o tempo passou Exibe um otimismo crônico, é aquela amigona louca que se sente mais parceira que mãe do filho. Assim, ao mesmo tempo em que tem uma enorme crença na vida, vive momentos patéticos”, explica Denise, encantada pelas cenas criadas por Lícia Manzo. “Ela tem amor pela psicologia, o que dá muita consistência à minha personagem: Lícia escolhe bem as palavras que definem a angústia “
Nesse sentido, também é importante o papel de Regina Braga, a psicoterapeuta de sucesso, mas que não consegue resolver o problema da filha Júlia. “Temos, Regina e eu, cenas fortes, emocionais, de grande beleza artística.” Para entender melhor esse universo, Denise frequentou sessões dos Alcoólicos Anônimos, nas quais ouviu depoimentos francos sobre fragilidade, mas também de esperança. “Pude perceber a força daquelas pessoas, e também a importância desses grupos, que mostram como as pessoas não estão sozinhas.”
Como vive uma cantora, Denise precisou também aprimorar as noções que tinha de música. “Minha mãe fez um teclado de piano de papel para eu ensaiar a posição dos dedos”, conta a atriz, cujo repertório, na novela, se baseia no trabalho de cantoras como Angela Ro Ro, Zélia Duncan e Cássia Eller.
PORTUGAL
Denise Fraga encerra nesta semana a filmagem de Índia, em Portugal. Foi uma aventura, pois trabalhou com uma equipe que não conhecia – mas que aprendeu a gostar. “É o primeiro trabalho do diretor Telmo Churro, que precisava de uma atriz brasileira. Ele e os produtores avaliaram o trabalho de várias candidatas, mas Telmo gostou do que eu fiz em Horas em Casa”, conta Denise, referindo-se à websérie criada por ela e o marido, o diretor Luiz Villaça, e que contou com a participação do filho Pedro. Exibida no YouTube durante a pandemia, foi uma reação artística às inquietudes do momento.
“Telmo gostou da minha atuação e me chamou”, conta Denise, que aceitou o convite para viver Karen, uma recém viúva que, em seu processo de luto, aceita como presente da filha uma visita turística por Lisboa. Mas, quem a recebe é Tiago (Pedro Inês), um guia informal que a leva para conhecer pontos não tão conhecidos da sua cidade. Além disso, ele a hospeda em sua casa, onde ela conhece tipos como Raúl (José Manuel Mendes), um aposentado da Marinha Portuguesa que vive a relembrar aventuras náuticas (justificando o título do filme), e Manuel (João Carvalho), adolescente imerso em suas alucinações libidinosas.
“É um roteiro muito bem construído por Telmo, que apresenta uma Lisboa mais subterrânea, mais sutil, descaracterizada”, observa Denise, cujo personagem tem poucos diálogos. “Karen é mais observadora, mas está em praticamente todas as cenas, o que tornou minha atuação baseada em olhares e expressões.”
De uma certa forma, foi assim também que a atriz se manteve no set de filmagem. “Viajei sozinha e, como não conhecia ninguém da equipe, eu mais observava, me colocando sempre à disposição para as cenas.” Foi um grande exercício para Denise, consagrada pela sua forma espontânea de comunicação. “Mas foi útil para conhecer melhor meus colegas de trabalho, descobrindo como são amáveis e gentis. E também como as pessoas aqui são mais sensoriais no relacionamento social.”
Terminada a rodagem, Denise permanece mais alguns dias em Portugal antes de voltar. E Índia deve estrear no próximo ano.
(AE)