A tarde imobilizava a cidade, com um bafo quente, afrouxando o ânimo, escoando energias, matando, lenta como lesma. Os dois rapazes e quatro moças comiam sanduíches e tortas com refrigerante na lanchonete. Eram estudantes e, por alguma razão, haviam saído cedo da faculdade, que ficava ali perto. Distante três mesas deles encontrava-se um velhote lendo um livro. Os garotos olharam para ele numa sequência de cochichos e riram furtivamente, enveredando numa conversa sobre velhice.
Um deles estava preocupado porque era o mais velho, completara 21 anos e sentia-se envergonhado, um avô. A mais jovem, de 17 anos, sorria o tempo todo, embora se sentisse ansiosa, e ainda faltavam seis meses para completar 18 anos. “Quando isso acontecer” – pensou – “vou mostrar ao meu pai quem manda na minha vida.” Imaginava-se voltando para casa com o sol nascendo, depois de uma noitada com seu gatão, aquele rapagão de um metro e oitenta, olhos verdes, moreno claro, os cabelos caindo na testa e aquele beijo que ia até a garganta.
Mas o tempo não existe verdadeiramente. É apenas uma espécie de coordenada da matéria, que também não existe verdadeiramente, pois sua existência depende do estado de consciência de cada qual. A eternidade é agora.
Como terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa, atendo pelo menos 30 pacientes por mês, e expressiva parcela deles sente medo da morte, sua ou de parentes. Digo-lhes que essa dama tão temida é infalível e que ela apenas envia sinais de que está chegando. Digo-lhes ainda que eu, por exemplo, não sei se conseguirei sequer concluir a sessão, pois podemos morrer a qualquer instante. Mas lhes digo, também, que a morte é apenas fantasia.
Sempre ouvi dizer que um acupunturista é realmente bom com vinte anos de atividade. Comecei na Medicina Chinesa aos 60 anos. Não estarei velho demais aos 80? – ouço, em perguntas que não são verbalizadas, mas são formuladas em olhares zombeteiros dos que ainda sentem o sabor da imortalidade da juventude. Não! – respondo mentalmente, pois a eternidade é agora.
Falar em sabor de imortalidade, sinto esse gosto o tempo todo. Até os 30 anos, é uma sensação física. Lembro-me que aos 21 anos sentia-me literalmente um deus, e ouvia, às vezes a noite inteira, a música que só as mulheres sabem reproduzir dos abismos labirínticos das suas almas, os sons que somente as rosas vermelhas vibram e os jasmineiros choram.
Houve um momento, quando quis enfrentar o mundo com a força dos meus músculos, que me senti esmagado, e cheguei a flertar com a morte. Queria combatê-la, enfrentá-la, e seduzi-la; quem sabe assim conseguiria enganá-la? Mais tarde, lendo o filósofo japonês Massaharu Taniguchi, descobri que só há morte física, que o mundo material é limitado, inclusive pela morte, mas o Caminho é eterno.
A vida carnal é a parte espinhosa do Caminho, e que pode ter fim a qualquer momento da existência. E pode durar mais de 100 anos. Mas a morte é sempre um aproximar-se da falência física, em marcha lenta ou velozmente. O enrugamento da pele, o clarear natural dos cabelos, o adoecer, a preocupação com a velhice, o flerte da morte.
Descobri que tenho encontro permanente com a vida, e isso não é privilégio meu, pois todos nós temos encontro marcado com a vida. Os espíritos estão o tempo todo entre nós, e quando ascendem de orbe, os novos planos são indescritíveis. Mas aqui mesmo, na Terra, a vida poderá ser só alegria, pois o que é a vida senão amar?
Às vezes, tudo fica maçante, chato, e, de repente, uma rosa incendeia o coração, e então a alegria transforma de novo a vida em imenso jardim; é quando sentimos que a eternidade é agora, intensa, mergulho para cima no abismo da vida, que jamais se extingue. Jovem é possuir a eternidade das rosas, que são indestrutíveis na sua fragilidade.
Já estou descendo a ladeira, sem freio, mas essa velocidade é nada perante o cheiro azul do mar, o perfume das virgens ruivas, o orgasmo das rosas colombianas vermelhas, o triunfo da luz.
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