O site internacional alemão Salve a Selva traz ampla matéria sobre a certificação do óleo de palma da empresa Agropalma, certificação essa suspensa em razão de diversas irregularidades da empresa estabelecida em uma área de 107 mil hectares no Pará, entre os municípios do Acará e Tailândia. Nessa matéria da Salve a Selva, o Ver-o-Fato é citado por diversas vezes, com suas reportagens publicadas sobre o tema socioambiental.
Fundada em 1986, a Rettet den Regenwald e.V. (Salve a Selva) é uma organização ambiental politicamente independente, que defende os habitantes das florestas tropicais e os espaços que eles habitam. “O nosso objetivo é romper o círculo dos madeireiros e fazendeiros, das empresas petroleiras e mineiras, dos bancos ocidentais e dos políticos corruptos. Todos eles beneficiam-se a curto prazo da destruição das florestas tropicais, apesar dos nômades, dos indígenas, seringueiros, ribeirinhos e dos pequenos agricultores estarem ligados às florestas tropicais como modo de vida”, diz a entidade em sua apresentação.
“Sem a ajuda internacional, os habitantes das florestas tropicais se encontram, sobretudo, desprovidos de poder, por estarem descriminados como minoria ou porque lhes faltam recursos econômicos para fazer valer os seus direitos”, acrescenta, mais adiante.
“Não recebemos subsídios do Estado ou de governos e nossas atividades se financiam unicamente com doações. Hoje contamos com o apoio de cerca de 13 mil pessoas anualmente, além de milhões de pequenas e grandes doações esporádicas.
Apoiamos e cooperamos com organizações ambientais, sociais e defensores dos direitos humanos em todo o mundo – entre outros o Movimento Xingu Vivo Para Sempre que defende as pessoas afetadas da barragem de Belo Monte no Brasil, o grupo ambiental DECOIN que protege a floresta tropical na região Intag no Equador e a organização indonésia Save Our Borneo que luta pela conservação do habitat dos orangotangos contra as grandes empresas de produção de óleo de palma”, resume.
Veja a íntegra da matéria da Salve a Selva, abaixo:
Fraudes das etiquetas de óleo de palma
“Salve a Selva” está investigando a questão do papel exercido por empresas de certificação, como a IBD, na fraude das etiquetas de óleo de palma supostamente sustentável. Essa questão tem de ser vista no contexto das acusações de roubo de terras, violência e péssimas condições de trabalho contra a Agropalma – um conglomerado de óleo de palma na Amazônia que dispõe de vários selos de certificação.
O conglomerado brasileiro de óleo de palma Agropalma é tido, globalmente, há 15 anos, como empresa-modelo do ramo. Dez diferentes selos internacionais de certificação servem como base dessa pretensão.
No entanto, entre pretensão e realidade há uma grande distância. Já por isso, nós tínhamos chamado a atenção por meio de nossa petição “Amazônia: Grilagem e violência por causa de óleo de palma orgânico, com comércio justo e sustentável“. Até agora, 68 mil pessoas já participaram da petição.
Reagindo a essas acusações, a certificadora brasileira IBD suspendeu um dos selos da Agropalma. Trata-se, nesse caso, do Selo da Mesa Redonda para o Óleo de Palma Sustentável (RSPO). O selo tinha sido suspenso em 08-02-2023. Isto foi confirmado, em atendimento a pedido nosso, pelo Secretariado da RSPO, em Kuala Lumpur, no último dia 30 de março.
No âmbito das investigações contra a Agropalma em decorrência da indevida apropriação de terras e falsificação de títulos imobiliários, sucede que também a IBD, a qual, segundo ela mesma, seria a maior certificadora da América Latina, acabou virando alvo das autoridades da investigação no Brasil.
“A IBD é uma empresa certificadora que serve para dar credibilidade a empresas como a Agropalma, para que elas possam vender seus produtos aos grandes mercados consumidores internacionais”, declara a Promotora de Justiça, Ione Nakamura, em uma entrevista para o coletivo de jornalistas Convoca.pe.
“O Ministério Público do Estado do Pará constatou, em sua investigação, que a certificadora IBD não considerou os critérios de proteção dos direitos humanos”, segundo Nakamura.
Entretanto, depois de muitos anos de apuração e processos, os tribunais do Brasil já anularam títulos imobiliários referentes a um total de 58.000 hectares de terra da Agropalma – o que corresponde à mais da metade das áreas utilizadas pela empresa para o cultivo do dendê. Estão em tramitação outros processos, de modo que é possível que haja novas anulações, dentre elas as monoculturas de óleo de palma certificado AGROPAR, CRAI I, CRAI II e AGROPALMA. As monoculturas foram instaladas entre 1982 e 2002 na floresta amazônica situada no estado do Pará.
A Agropalma, por sua vez, continua chamando as áreas de sua propriedade – um total de 107 mil hectares na Amazônia – não reconhecendo, portanto, a fraude imobiliária já comprovada pelos tribunais. Em vez disso, a Agropalma continua, aparentemente, tentando legalizar a propriedade dos imóveis com a ajuda da autarquia estadual ITERPA. Já o Ministério Público do Pará interpôs um Agravo com Pedido de Liminar.
O Selo não tem valor legal algum
Já a anulação da certificação da RSPO da Agropalma pela IBD, que fora requerida pelo Ministério Público acabou sendo indeferida pelo tribunal, ao fundamento de que o Selo da RSPO e a certificação constituem um serviço puramente privado – desprovido de qualquer vinculação e eficácia jurídica. “O tribunal decidiu que a certificação do IBD não pode ser anulada judicialmente” – cita o portal “Convoca” as palavras da Promotora Nakamura.
A RSPO, contudo, já tinha se negado a apreciar uma queixa em virtude dos conflitos agrários em que a Agropalma está envolvida depois de 5 anos de tramitação, ao fundamento de que matéria de títulos de terras é de competência absoluta dos tribunais brasileiros. A Agropalma, por sua vez, qualificou a queixa como “uma ação absurda” .
Conforme o site “Ver O Fato” , já existiriam desde a concessão do certificado à Agropalma, em 2011, críticas à certificação e pedidos de seu cancelamento à empresa certificadora IBD. Em vez de cancelar, o que a IBD ficou fazendo, até 08-02-2023, foi continuar a renovar os certificados.
As sentenças judiciais já proferidas no Brasil e os outros processos em andamento não questionam apenas o funcionamento da Agropalma, mas também todos os selos e certificados concedidos às empresas de óleo de palma. A concessão do selo tem por pressuposto, dentre outros, que a Agropalma seja a possuidora legal dos imóveis.
De modo geral, esse tipo de certificado, embora volta-e-meia seja provisoriamente suspenso por prazo determinado, frequentemente, pouco tempo depois, ele volta a vigorar. Está na cara que no processo de concessão do selo pelas certificadoras, os interesses econômicos preponderam sobre outros interesses, como a proteção aos direitos humanos, ao meio-ambiente e ao cumprimento às leis.
As certificadoras são economicamente dependentes das empresas de óleo de palma
Quem concede o Selo RSPO e verifica o cumprimento dos standards – infelizmente completamente insuficientes – é determinado pelas próprias empresas de óleo de palma. Elas podem escolher, de acordo com sua conveniência, uma empresa de um chamado pool de certificadoras acreditadas, pagando-lhes, também, diretamente, pelos seus serviços. A RSPO elenca, atualmente, 26 empresas certificadoras admitidas.
Com isso, as certificadoras são economicamente dependentes das empresas de óleo de palma. Isto enfraquece enormemente a posição delas e conduz a graves conflitos de interesses. Isso porque as certificadoras que são rígidas mal conseguem fregueses, o que faz surgir o fatal incentivo de não fazer uma verificação muito exata.
Ademais, certificadoras como a IBD conduzem as auditorias e certificações mediante aviso prévio – em locais ajustados previamente com as empresas de óleo de palma e preponderantemente, com base em informações que lhes foram disponibilizadas pelas empresas em processo de certificação.
Existe o perigo de que as certificadoras, para continuar no negócio, façam uma verificação negligente dos já insuficientes standards da RSPO. A TV pública alemã ARD explicou o problema na reportagem “Negócios sujos da TÜV: O lado sombrio do detalhismo alemão” tomando como exemplo a certificadora alemã TÜV.
A certificadora IBD tinha sido suspensa em 2022 – sem informação sobre os motivos
Para fiscalizar o trabalho das certificadoras, a RSPO faz-se valer dos serviços de outra empresa certificadora, a saber: ASI Assurance Services International GmbH, da Alemanha. Conforme as informações da própria ASI, esta teria examinado a certificadora brasileira IBD, a qual por sua vez, concedeu o Selo RSPO para a Agropalma e, em 8 de junho de 2022 suspendeu, globalmente, a capacidade de certificação desta para fins de outorga do Selo de Óleo de Palma da RSPO. Isto só veio a ser publicado pela ASI meio ano mais tarde. Os motivos da suspensão da IBD, perante a opinião pública, são infelizmente, completamente desconhecidos, exatamente como o reingresso da IBD em 4 de fevereiro de 2023 pela ASI.
Além do Selo da RSPO, a IBD concedeu à Agropalma cinco outros diferentes selos internacionais. Sobre a situação desses selos, não há qualquer informação. Além desses, a Agropalma dispõe de um selo emitido de acordo com os standards japoneses de agricultura orgânica (JAS) (certificadora CERES GmbH) e o selo chinês emitido de acordo com os critérios chineses (standards da FOFC) para agricultura orgânica. A certificadora suíça Bio Suisse Organic, em 2002, não prorrogou a certificação da Agropalma – igualmente sem tornar públicas as razões que o motivaram.
A “Salve a Selva” escreveu para os 20 conglomerados que compram óleo de palma da Agropalma (ver o item “maiores informações” de nossa petição), bem como para as diferentes organizações outorgantes de selos e certificadoras para pedir esclarecimentos a esse respeito.
Em breve, nós reportaremos sobre as respostas enviadas pelas empresas.”