Como muitos jovens, eu penetrei no ambiente dos brasileiros desterrados dentro do próprio Brasil, através da militância estudantil católica.
No início de abril de 1964, eu era um seminarista ligado à ordem secular, a administradora da Arquidiocese de Belém.
Como fui eleito secretário do grêmio estudantil do Seminário Metropolitano de Belém participei das atividades da União dos Estudantes dos Cursos Secundários do Pará, inclusive de um congresso organizado junto com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas –a UBES.
O grupo de estudantes ao qual estava ligado era integrado por jovens católicos que buscavam dar um sentido à própria vida através da luta por Justiça Social.
Dar um sentido à vida era uma preocupação constante de quem nos anos de 1960 se deixou influenciar pelo pensamento humanístico cristão.
A generosidade do impulso que levava os jovens católicos a se envolverem na busca de soluções para os graves problemas sociais brasileiros – a fome, o analfabetismo, a falta de moradias etc- era enormemente estimulada por aquele momento da História da Igreja.
O papa João XXIII havia incentivado, através das encíclicas Pacem in Terris e Mater et Magistra, o engajamento político dos cristãos no sentido de encontrar forma de reduzir o sofrimento material humano.
Portanto, foi com perplexidade e angústia, que nos dias seguintes ao Golpe Militar, aos 16 anos de idade, me vi procurado por soldados do Quartel de Exército nas ruas do meu bairro, num momento, em que estava fora de Belém.
Em seguida, soube das prisões tanto do meu amigo mais estimado, Carlos Alberto Franco, coordenador regional, na Amazônia, da Juventude Estudantil Católica-JEC (na qual se reuniam estudantes secundaristas), como a do padre Diomar Lopes, assistente espiritual da Juventude Universitária Católica-JUC (a organização dos universitários), e, ainda, a do padre AluyzioNeno, coordenador regional do Movimento de Educação de Base-MEBE, que se dedicava à alfabetização de adultos.
A JEC, a JUC e o MEBE eram organizações que pertenciam à Ação Católica Brasileira.
O tratamento que os militares golpistas de 1964 dispensaram aos cristãos – na época situados à esquerda do espectro político porque buscavam dar consequência à sua fé por meio da militância em favor da Justiça Social – se tornou um assunto tão importante para mim que marcaria minha vida por quatro décadas e, certamente, ainda estará presente nela enquanto eu viver.
Em 1965, me transferi para São Paulo, onde logo iria me ligar a um grupo de sargentos do Exército que, durante o golpe militar, tinham sido presos no Raul Soares.
Depois conseguiram fugir pelas claraboias daquele navio, e, clandestinos, estavam se preparando para aderir à luta de guerrilha que vinham sendo montado sob a liderança de Leonel Brizola, então exilado no Uruguai.
Dois anos depois, perdi de vista estes companheiros, quando comecei a trabalhar na imprensa de São Paulo.
A partir de então, por muitos anos, veria bem próximo de mim a ação repressiva do regime militar.
Na sede Editora Abril, na Avenida Marginal, percebi quando, num dia, um carro do temido Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, parou em frente do prédio onde eu trabalhava para levar, presos, jornalistas que ali, escreviam nas redações das revistas Veja, Quatro Rodas e outras.
Depois, enquanto fazia meu curso de graduação na USP, trabalhei como revisor dos jornais da empresa Folha da Manhã, que editava a Folha de São Paulo, a Folha da Tarde, e o Última Hora.
A sede da empresa fica na Rua Barão de Itapetininga e ali o DOPS montou uma verdadeira delegacia.
Os policiais controlavam a portaria do prédio e tinham recursos para ler todos os textos que dali saíam ou ali entravam, através de telex.
Um jornalista do Última Hora, Celso Kinjô, foi preso quando retornou ao Brasil porque mandou por telex do Chile para a sua redação um texto que não agradou os policiais.
A censura à imprensa mutilava diariamente as edições dos jornais.
As publicações mais visadas eram aquelas que se opunham ao regime militar, como o jornal Movimento, cujos números só chegavam às bancas depois de esforços sobre-humanos.
No começo dos anos de 1980, no curso de Mestrado em Jornalismo, eu tive de retornar às inquietações provocadas pelo Golpe Militar, em 1964, na preparação da minha monografia, com a reconstituição jornalística dos últimos treze meses do Governo João Goulart, realizada pelo ângulo dos membros da então chamada esquerda cristã.
Agora, 42 anos depois da realização daquela pesquisa para a minha monografia, a imprensa registra a passagem do 60º ano decorrido desde o Golpe Militar.
E desperta o interesse de uma editora – a Letra Selvagem – pelo o longo material colhido por mim.
As últimas semanas passei editando aquele material para dele extrair os originais do livro que a editora quer sobre 1964.
Ontem entreguei 545 páginas editadas. O livro se chamará “1964: o enfrentamento dos golpistas pelos cristãos”.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista