Depois de semanas de reuniões ministeriais e sucessivos adiamentos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o aguardado pacote de medidas de contenção de gastos, com o objetivo de dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal e retomar a confiança nas contas públicas.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também anunciou, porém, uma medida que vai na direção contrária: a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês – promessa de campanha do presidente Lula.
A proposta – divulgada por Haddad em um pronunciamento em rede nacional – integra a reforma tributária da renda e será enviada ao Congresso só no ano que vem, passando a valer em 2026; mas foi anunciada junto ao pacote na tentativa de minimizar o impacto político e aplacar a resistência às medidas de ajuste fiscal – ainda que a contragosto da Fazenda, como mostrou o Estadão.
Como forma de compensar a perda de receita com a ampliação da isenção do IR, o governo também anunciou a criação de um imposto mínimo para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. O anúncio não foi bem recebido pelo mercado, o que levou o dólar ao patamar de R$ 6 pela primeira vez na história.
O tamanho do pacote
A equipe econômica prevê poupar R$ 71,9 bilhões com o pacote de ajuste fiscal até o final do mandato: R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026. Até 2030, o governo prevê um impacto de R$ 327 bilhões.
As medidas não envolvem corte de gastos em relação aos valores de hoje, mas representam uma diminuição do ritmo de crescimento dessas despesas nos próximos anos.
As projeções do governo, porém, foram questionadas por parte dos economistas. Para os próximos dois anos, em vez de R$ 70 bilhões, Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset e ex-secretário do Tesouro, estima uma economia de R$ 40 bilhões. Felipe Salto, economista-chefe da Warren, projeta um impacto fiscal de R$ 45 bilhões.
Veja as propostas e as projeções de economia com cada uma ano a ano:
Salário mínimo
O pacote limita o crescimento do salário mínimo às regras do arcabouço fiscal. O benefício segue corrigido pela inflação mais o aumento do PIB de dois anos anteriores, mas agora seguindo limites do arcabouço: aumento de no máximo 2,5% e, no mínimo, 0,6% ao ano acima da inflação.
A mudança na política de valorização do salário mínimo tem um impacto ampliado, pois ele serve como base para o reajuste de outros benefícios, como aposentadorias, seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Abono salarial
O pacote também prevê uma mudança nas regras do abono salarial, espécie de 14º que hoje é pago ao trabalhador que recebe até dois salários mínimos. Hoje, esse benefício é corrigido pelo reajuste do salário mínimo.
Com a proposta, porém, haverá uma transição nos próximos anos para que o abono seja concedido a quem recebe até um salário mínimo e meio.
Militares
Entre as quatro medidas está a criação da idade mínima de 55 anos para a aposentadoria de militares, com período de transição, como mostrou o Estadão. Atualmente, o critério para a reserva remunerada é pelo tempo de serviço – ao menos 35 anos.
BPC
O governo propôs mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, para limitar o acesso ao pagamento e conter a onda de concessão por via judicial.
Atualmente, para ter acesso ao BPC, a renda por pessoa de uma família não pode ser maior do que um quarto do salário mínimo. Os rendimentos que entram no cálculo incluem salários, pensões, seguro-desemprego e rendimentos no mercado informal.
Passarão a integrar a conta a renda de cônjuge que não mora na mesma casa e o salário de irmãos, filhos e enteados. O valor de outros benefícios também vai contar. Na prática, a inclusão aumenta a renda considerada e pode fazer com que alguns beneficiários percam o direito ao benefício.
Os beneficiários também passarão por um recadastramento e a biometria será obrigatória para novas concessões e atualizações no cadastro.
O pacote também traz novos gatilhos ao arcabouço para conter o crescimento de despesas obrigatórias e benefícios fiscais a partir de 2027 – não atingindo a administração atual.
O governo também anunciou novas medidas de pente-fino no programa Bolsa Família, mudança no Fundeb, propôs bloqueio de emendas parlamentares e o combate aos supersalários do funcionalismo. O pacote, porém, deixou de fora medidas estudadas pela equipe econômica que representariam o maior potencial de controlar as despesas do Orçamento, como a desvinculação dos benefícios da Previdência e dos pisos da saúde e educação.
Veja ponto a ponto as medidas do pacote de corte de gastos
Mudanças no Imposto de Renda
O governo anunciou junto com o pacote o aumento da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, promessa de campanha de Lula. Hoje, está isento quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2,8 mil).
Para compensar essa perda de receita – que vai custar R$ 35 bilhões aos cofres públicos, segundo a equipe econômica – o governo vai tributar com um imposto mínimo os contribuintes de rendas mais altas, que recebem acima de R$ 50 mil por mês – ou R$ 600 mil por ano.
A medida leva em conta a alíquota efetiva – ou seja, uma média de quanto o contribuinte realmente paga de imposto – sobre a soma de todos os seus rendimentos, tributáveis e não tributáveis: salários, receitas com aluguéis, pensões, lucros e dividendos, entre outros.
Veja as alíquotas pelas faixas de renda, obtidas pelo Estadão:
O contribuinte só terá de acertar as contas com o Fisco se a alíquota média efetiva do que ele pagou de imposto sobre seus rendimentos for menor do que o imposto mínimo daquela determinada faixa de renda.
Assim, serão mais atingidas as pessoas que têm uma parte muito grande de sua renda de fontes isentas, como lucros e dividendos.
O que os economistas acharam do pacote?
Economistas ouvidos pelo Estadão avaliaram o pacote fiscal como tímido. Na leitura dos analistas, as medidas dão uma sobrevida para o arcabouço,mas são insuficientes para resolver o dilema das contas públicas do País.
Há uma avaliação também de que a pressão política se sobrepôs à equipe econômica, sobretudo por causa do atropelo no anúncio do aumento da faixa de isenção do IR.
“A composição do pacote é negativa, mais tímida do que o mercado esperava, e o governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste mais profundo para manter o arcabouço fiscal.” Thiago Sbardelotto, economista da XP
O aumento da incerteza fiscal levou o dólar ao maior valor nominal da história, batendo R$ 6.
O que acontece agora?
A bola agora está com o Congresso Nacional, que terá de analisar as medidas propostas pelo governo Lula. No dia seguinte ao detalhamento do pacote, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entraram em campo para tentar apaziguar o mal-estar causado pelo anúncio.
Eles disseram que vão dar celeridade à tramitação das medidas de contenção de despesas, mas frisaram que as mudanças no IR deverão ser discutidas no próximo ano e dependerão de condições fiscais para se concretizar.
Haddad, que já havia admitido na coletiva de apresentação a possibilidade de novas medidas de ajuste fiscal, reforçou que o pacote não representa o “gran finale” do esforço do governo em reequilibrar as contas públicas.
“Esse conjunto de medidas não é o gran finale, não é bala de prata. Daqui a três meses, posso voltar à planilha para discutir a evolução do BPC e da Previdência.” Fernando Haddad, ministro da Fazenda
‘Governo terá de voltar para a prancheta e anunciar outro programa em 2025’, diz Carlos Kawall
O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.
A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.
Pacote de cortes causou ‘frustração’ e isenção do IR foi ‘balde de água fria’, dizem Lisboa e Salto
A disparada do dólar nos últimos dias, que bateu R$ 6, é reflexo da frustração dos investidores com o pacote fiscal apresentado pelo governo Lula, segundo os economistas Marcos Lisboa, da consultoria Gibraltar, e Felipe Salto, da Warren Investimentos.
De um lado, as medidas foram consideradas insuficientes para dar previsibilidade para a dívida pública; de outro, o anúncio sobre a isenção do Imposto de Renda (IR) até a faixa de R$ 5 mil foi como uma espécie de “balde de água fria”, já que a medida reduz arrecadação do governo, agravando o desequilíbrio nas contas.
Pesquisador associado do Ibre/FGV, Armando Castelar endossa a avaliação de boa parte dos economistas de que o pacote de ajuste das contas públicas apresentado pelo governo decepcionou.
Em live promovida pelo Estadão, Castelar aponta que ainda há um espaço para a piora dos ativos brasileiros e a vida do Banco Central ficou mais difícil. Nesta quinta-feira, 27, o dólar chegou ao patamar de R$ 6 pela primeira vez.
Opronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, somado às conversas que ele teve com lideranças do Congresso nesta quarta-feira, 27, frustraram as expectativas de que o governo Lula estaria disposto a fazer um ajuste fiscal para valer.
O fato é que os sucessivos adiamentos do pacote por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva serviram apenas para desidratar as principais ideias da Fazenda – entre elas, a tentativa de enquadrar as rubricas do Orçamento dentro do teto de 2,5% do arcabouço fiscal.
Não há analistas e economistas que não tenham observado que é, de longe, insuficiente para garantir a sustentabilidade da dívida pública. Pode, em princípio, ajudar a conter as despesas em 2025 e em 2026, embora não garanta a meta do arcabouço fiscal. Mas ninguém menos que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que será preciso alguma complementação, ainda a ser negociada com o presidente Lula. Com informações do jornal O Estado de São Paulo.