O Supremo Tribunal Federal decidiu através do recurso extraordinário n.º 808.202, que o teto remuneratório aplicável aos interinos de cartórios, apesar de obrigatório, somente deve ser aplicado para interinos nomeados pelo Judiciário a partir 21 de agosto de 2020, data do início do julgamento na Corte Suprema. Em síntese: todos os interinos ocupantes de serventias vagas antes do julgamento do STF foram cobrados indevidamente pelos Tribunais de todo país.
Ficou assim decidido: “o Tribunal, por maioria, deu parcial provimento aos embargos, para modular os efeitos do acórdão embargado a partir da data em que encerrada a sessão de julgamento virtual (21/8/20), nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Marco Aurélio, que proferiu voto em assentada anterior, e os Ministros Edson Fachin e Roberto Barroso. Plenário, Sessão Virtual de 8.10.2021 a 18.10.2021.”
Portanto, entre o período de 12 de julho de 2010 a 21 de agosto de 2020, não poderia ser cobrado teto dos interinos de serventias extrajudiciais e os Tribunais que cobraram devem devolver os valores que foram recolhidos indevidamente. O Tribunal de Justiça do Pará está entre os que terão de fazer essa devolução. Há casos em que somente um cartorario teria mais de R$ 16 milhões a título de devolução pelo TJ.
No mesmo sentido, foi a recente decisão da Corregedoria-Nacional de Justiça no pedido de providências n. 0004688-68.2019.2.00.0000, onde a Ministra Maria Thereza acatou os argumentos da Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul:
“[….]É o relatório.
Em apertada síntese, o TJMS não instaurou procedimento administrativo visando a eventual restituição de valores recebidos em excesso por interinos naquele Estado por estar aguardando pronunciamento definitivo da Procuradoria-Geral, Órgão de assessoramento jurídico vinculado ao Poder Executivo Estadual que, a seu turno, está aguardando a conclusão do julgamento em curso no âmbito do Recurso Extraordinário 808.202. O aguardado pronunciamento definitivo foi apresentado ao TJMS, com entendimento pela “(…) inviabilidade jurídica da cobrança de valores recebidos pelos interinos ou ex-interinos das serventias vagas, no período anterior a 21/08/2020 (data da modulação dos efeitos do julgado proferido no ED RE 808.202/RS), que ultrapassaram o teto constitucional de 90,25% do subsídio dos Ministros do STF”.
Com isso, a corregedora nacional de justiça pacifica a matéria decidindo que no período de 12 de julho de 2010 a 21 de agosto de 2020, não se deve recolher o teto remuneratório e os Tribunais devem devolver imediatamente os valores recolhidos (in)devidamente.
No Pará, sem concurso o caixa engorda
A Lei 8.935/1994 determina que os Tribunais realizem concurso publico para outorga de serventia em seis meses da sua declaração de vaga. Por esse motivo, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará fica obrigado a divulgar semestralmente a lista de serventias vagas.
Apesar disso, a corte paraense insiste em manter diversas serventias ocupadas por interinos, em virtude destes servirem como verdadeiros “financiadores” do Fundo do Reaparelhamento do Judiciário – FRJ, alimentando mensalmente o caixa do TJPA com vultosas quantias que facilmente ultrapassam os seis dígitos.
A atual presidente, Célia Regina de Lima Pinheiro, segundo alguns cartorários, ultrapassa a metade do mandato fazendo “vista grossa” para a abertura do edital de concurso público para cartórios no Pará. E não é só isso. Chama a atenção as diversas substituições de interinos publicadas no Diário de Justiça durante a gestão dela.
De acordo com especialistas na área notarial e registral, a dança das cadeiras nos cartórios promovida por mera liberalidade da presidente tem explicação: àqueles nomeados por ela são obrigados a repassar integralmente a receita dos cartórios vagos, ao contrário dos demais, nomeados por antecessores, entre 2010 e 21/8/20 – data do julgamento da decisão do STF que delimitou o início da obrigatoriedade do teto constitucional de cartorários interinos.
E não é só isso. Tal inércia da presidente tem também outra explicação: o Fundo de Reaparelhamento do Judiciário, fomentado pelos cartorários interinos, com quantias mensais milionárias, de fazer inveja a qualquer órgão público, conhecido como FRJ, é por ela gerido, estando abrigado diretamente no guarda-chuvas da presidência.
Com o controle e gestão dos recursos do FRJ por parte da presidente, através da Seplan – pasta do TJ que sofreu intervenção do CNJ, após matéria de repercussão nacional publicada no Ver-o-Fato -, os valores passam incólumes à quaisquer fiscalizações por parte do Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público do Estado ou Procuradoria Geral do Estado, sendo sua aplicação e destinação de responsabilidade única e exclusiva da presidência.
Fato é que, a nomeação e destituição de interinos recai exclusivamente na pessoa da presidente, pois ela tem a força de nomear ou destituir cartorários interinos de acordo com as benesses financeiras dos cartórios vagos, ocupados por não concursados, nomeados e destituídos ao bel-prazer, em detrimento da abertura de edital para concurso público como determina a Constituição Federal de 1988.
Com centenas de reclamações por parte de cartorários concursados de todo país – os quais estudam com afinco por anos e anos em prol de conquistar um lugar ao sol através do processo seletivo, democrático e constitucional do concurso público de provas e títulos – a Corregedora Nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, resolveu colocar uma espécie de freio de arrumação na matéria.
O CNJ determinou então que os Tribunais de todo país devolvessem os valores repassados por interinos, em cumprimento a decisão do Supremo Tribunal Federal, de modo a acabar com possíveis interesses nebulosos das cortes de justiça que por anos se utilizam da receita “fácil” dos cartórios vagos (ocupados por interinos) para fomentar o caixa e com isso postergar o concurso público.
Por aqui, o mistério continua e a pergunta que se faz é esta: por qual razão a atual presidente ignora a Constituição Federal e insiste em manter os cartórios vagos no Pará?