A saúde é um direito de todos e dever do Estado, Certo? Resposta: é o que está escrito na tão interpretada, reinterpretada e pisoteada Constituição Brasileira de 1988. Na prática, porém, essa letra constitucional vale alguma coisa ou ela já morreu e esqueceram de avisar? No Pará, o texto constitucional está morto. Ou quase.
Por aqui, a propaganda governamental já torrou mais de R$ 600 milhões do dinheiro público para mostrar um reino de fantasias e de eficiência que soam como autêntica piada de mau gosto. Tomemos como parâmetro o seguinte: o número de doentes em grau de vulnerabilidade social que necessita com urgência de leito hospitalar dispara e transforma o sistema conhecido por Sisreg/SER numa autêntica e perversa loteria.
Os aflitos e desesperados inseridos nesse tal sistema de saúde torcem e oram pela sorte grande de conseguir um leito. Há os que morrem pelo caminho, deixando a dor e a revolta para familiares. Casos que nem viram mais notícia na mídia, impressa ou televisiva. A dor dessas famílias nem dá manchete para não perturbar o sono das autoridades.
Nessa roleta macabra do Sistema de Regulação da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sespa) e do governo municipal , quem gira as engrenagens do sistema defasado e apodrecido é quem também decide entre a vida e a morte. Na fila de espera, dezenas e dezenas de pessoas aguardam diariamente o momento em que um leito seja disponibilizado em algum hospital da rede pública.
O caso de Raimundo
Vamos contar aqui o que acontece com o senhor Raimundo, um paciente de 71 anos internado há mais de 20 dias na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Sacramenta, em Belém. Cadastrado na Central de Leitos com Sisreg número 499793900 e SER 10123049, até agora, mesmo com encaminhamento médico da UPA e decisão da Justiça para internação em regime de urgência, ele ainda continua em estado grave naquela unidade.
Pior ainda: os burocratas da Central de Leitos ignoraram até mesmo decisão judicial exarada pela juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública Kátia Parente, determinando a internação do paciente em uma hospital. A juíza atendeu a uma ação civil pública impetrada na quinta-feira passada pelo promotor de Justiça que atuava no plantão do feriado, Ernestino Roosevelt Pantoja da Silva.
Ou seja, mesmo com o fiscal da lei cumprindo seu papel com eficiência e rapidez e a magistrada acolhendo a urgência do pedido do MP, o paciente continua a depender de quem gira a “roleta” da sobrevivência ou da falência na Regulação de Leitos.
Segundo narra a médica da UPA, Manoela Oliveira do Nascimento, no pedido de internação, Raimundo deu entrada na UPA com quadro de “dor abdominal, associada a náuseas, vômitos, icterícia e perda de aproximadamente 30 quilos em apenas dois meses. Além de ela relatar a “falta de resposta laboratorial significativa mesmo em razão de antibióticos prescritos”, Raimundo tem um pedra na vesícula de 2,5 centímetros, sem falar de outros problemas que precisam de exames mais acurados. Na UPA não é possível realizar esses exames, a não ser em um hospital.
” Assim, idoso com quadro clínico complexo e necessidade de transferência para leito de suporte urgente, sob risco potencial de agravo caso não seja realizada a transferência”, escreveu a médica. Raimundo está à espera de leito. A vida dele está nas mãos da Regulação.
O CAOS DA SAÚDE NO ESTADO
O Ver-o-Fato, como diz o próprio nome deste portal, não é de narrativa ou conversa mole. Gosta de mostrar os fatos como eles são: nus e crus. Doa a quem dor. Figurão ou figurinha.
Na pesquisa feita sobre os números de leitos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o Estado, especialmente em Belém, encontramos verdadeiras aberrações. Além disso, uma constatação: entra governo, sai governo e nada muda. Ou melhor, muda para pior.
Em 2007, por exemplo, o SUS informava que para uma população de 1.459 mil habitantes, havia a disponibilidade de 1,7 leito para cada 1.000 habitantes. Isto é menos de 2 leitos. A capital, nessa época tinha disponíveis 462 leitos. Em setembro de 2023, ainda de acordo com o Datasus, o Pará todo, que em 2007 tinha 4.574 leitos, hoje possui 11.054, enquanto Belém, 2.249 leitos. Apesar do aumento, 16 anos depois, a demanda continua muito alta.E nenhuma providência foi tomada para supri-la.
Há muita pirotecnia política, gastos milionários com propaganda, corrupção e resultados vergonhosos. Enfim, um população cada vez mais necessitada de serviços básicos e, nos casos mais graves, com seus direitos diariamente violados, ao Deus-dará.
A saúde em Belém regrediu muito e já perdemos em número de leitos disponíveis para outras capitais bem mais modestas em população. Se Belém hoje dispõe de 2.249 leitos, Manaus, com população um pouco maior, tem 2.863. São Luís do Maranhão, por outro lado, com população menor do que a capital paraense, tem disponíveis 3.407 leitos; Teresina (PI), 2.125, enquanto Natal (RN), 2.275. Em resumo, todos com números superiores de leitos com relação a Belém.
Nosso crescimento em saúde é para baixo. Feito rabo de cavalo.
Essa situação exige uma intervenção direta do fiscal da lei, o MP do Pará, para acabar com tanta inércia, descaso e até mesmo omissão. São vidas humanas que se perdem em meio à papelada de burocratas que, como baratas tontas, culpam o “sistema” pela ineficiência da gestão. Uma gestão que virou caso de polícia. e de cadeia.
Uma fiscalização rigorosa do MP, seja em hospitais públicos como privados, descobrirá leitos disponíveis que não aparecem no sistema do Sisreg/SER. Fica a sugestão do Ver-o-Fato.