Série de voos ocorre desde ontem, 4, e vai até 25 de janeiro; projeto de US$ 20 milhões faz medições e coleta amostras de ar para entender relação entre a floresta e a alta atmosfera
O avião de pesquisa Halo, um jato especial equipado com vários instrumentos para estudo da alta atmosfera, chegou na última quinta-feira ao aeroporto internacional de Manaus (AM) para começar uma missão no Brasil. A partir deste domingo (4), a aeronave do Centro Aeroespacial da Alemanha (DLR) vai passar 50 dias sobrevoando a Amazônia a até 15 km de altitude para estudar a interação da floresta com a alta atmosfera.
A iniciativa, um projeto de pesquisa de cerca de US$ 20 milhões, está sendo em sua maioria bancada pela Sociedade Max Planck, a maior instituição de pesquisa alemã, em parceria também com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O objetivo dos cientistas é coletar amostras de ar nessa altitude para entender a formação dos agregados de aerossóis que provocam a chuva na floresta e entender como ela interage com o Atlântico.
O nome Halo é um acrônimo de High Altitude and Long Range Research Aircraft (Aeronave de longa autonomia e grande altitude). Com o sobrevoo, o grupo esperam preencher uma lacuna de dados no entendimento da atmosfera sobre a florestas, que já é bem mapeada por satélites e por dados coletados por aviões em altitudes menores. O meio do caminho entre entre essas duas camadas ainda é uma área relativamente mal conhecida, que os instrumentos do Halo poderão mostrar melhor.
O trabalho estava previsto para começar na primavera de 2020, mas foi adiado por causa das restrições da pandemia de Covid-19.
projeto envolve cerca de 80 cientistas, que estão instalados em uma base improvisada no aeroporto internacional de Manaus. No lado brasileiro, a iniciativa é coordenada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). No lado alemão a inciativa é do Instituto Max Planck de Química. As instituições já são parceiras em outro projeto na Amazônia, a torre de pesquisa ATTO, a mais alta estrutura construída na América do Sul. A instalação também será usada agora para complementar as medidas do Halo.
A série de sobrevoos que o Halo fará agora em dezembro e janeiro integra o projeto CAFE-Brazil (Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil), enfocado no papel da floresta diante das mudanças climáticas. O projeto também envolve a Universidade Estadual do Amazonas, que participa do projeto com um barco científico.
O ineditismo do projeto, porém, ocorre pela presença do Halo no Brasil.
— É a primeira vez que vão ser feitas medidas de gases de efeito estufa em alta atmosfera numa região tropical do planeta — explica o físico Paulo Artaxo, professor da USP e um dos coordenadores do projeto.
Um dos focos da pesquisa é entender como o ciclo de evaporação e chuva na floresta depende dos chamados “compostos orgânicos voláteis”: moléculas complexas de carbono que evaporam facilmente.
— Os compostos orgânicos voláteis emitidos pela floresta vão para a alta atmosfera e se condensam em partículas. Através do princípio da convecção [“ar frio sobe, ar quente desce”], as partículas voltam para a troposfera para alimentar o ciclo hidrológico da floresta amazônica — explica Artaxo.
— Faz 30 anos que a gente procura saber de onde saem as partículas que “nucleiam” nuvens [iniciam a formação de nuvens] na Amazônia. Esse experimento é desenhado para estudar os processos de produção de partículas na alta troposfera tropical, a camada que acreditamos ser o fator dominante na manutenção do ciclo hidrológico na região — completa o cientista.
Voo do unicórnio
Os dados serão coletados pelo arsenal de instrumentação científica que o avião carrega a bordo. Entre seus 19 equipamentos especiais estão um espectrômetro de massa e um cromatógrafo, usados para identificar a composição de gases. O avião tem sensores para medir a presença de gases relevantes na interação do solo com a atmosfera, como o metano, o CO2 e o monóxido de carbono, bem como ozônio, oxido nitroso e outros compostos.
Todo esse equipamento foi montando dentro de uma aeronave projetada originalmente como um jato comercial para 19 passageiros (um Gulfstream G550 de US$ 55 milhões). A aeronave foi adaptada para acomodar uma carga útil de 3 toneladas e “turbinado” para conseguir voar um pouco mais alto do que na configuração para passageiros.
Pela distância a que estará do chão, o Halo dificilmente será notado pelos amazônidas enquanto estiver nos céus da floresta. No aeroporto de Manaus, porém, ele se destaca pela sua aparência, repleto de equipamentos soldados à sua fuselagem e com um sensor “noseboom” posicionado na frente, como o chifre de um unicórnio. O aparelho na forma de cone mede pressão e fluxo de ar.
— Esperamos obter novas informações sobre os processos químicos na atmosfera acima da floresta tropical e também sobre as interações entre a biosfera e a atmosfera, a fim de explicar melhor o papel fundamental da floresta tropical no sistema terrestre — diz Jos Lelieveld, do Max Planck, o líder científico da pesquisa. Fonte: G1