O que deveria ser um local controlado para o descarte de resíduos tornou-se mais um capítulo sombrio na crise de gestão ambiental de Belém. A fiscalização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) no antigo Lixão do Aurá, em 23 de agosto passado, revelou uma série de irregularidades alarmantes, reforçando o descaso e a negligência da administração municipal e da empresa contratada, Ciclus Amazônia S.A, responsável pela coleta, transporte de lixo e destinação final.
Entre os fatos mais chocantes está a própria admissão da Ciclus sobre a presença de uma organização criminosa atuando no lixão. Segundo a Ciclus, os criminosos dominam a Baia 01, onde ocorre o depósito irregular de todos os tipos de resíduos, incluindo lixo domiciliar. O controle do lixo, que deveria estar sob a responsabilidade da empresa, foi entregue a facções, colocando em risco a saúde pública e o meio ambiente.
A operação conjunta da Semas e da equipe técnica de gestão ambiental DLA encontrou, já na entrada do local, pneus expostos a céu aberto e um canal de efluente sem tratamento, correndo ao lado da via de acesso. No interior do lixão, a situação era ainda mais grave: a queima irregular de borracha, catadores trabalhando sem qualquer proteção, e a completa ausência de membranas impermeabilizantes nas células que recebem resíduos sólidos. Em alguns casos, as baias estavam tão próximas das ruas que invadiam áreas residenciais.
Além disso, a empresa Ciclus foi flagrada recebendo entulho de obras e material vegetal, mas curiosamente, nenhum caminhão de coleta de lixo domiciliar foi observado no local durante a fiscalização. A empresa, que já estava operando no Aurá sem licença ambiental, foi multada em R$ 5 milhões por meio de dois autos de infração. A ausência de qualquer controle ambiental no tratamento de efluentes ou no manejo de biogás revela o completo desprezo pela legislação ambiental e pelos riscos à saúde da população.
A situação no Lixão do Aurá expõe um verdadeiro caos, onde o poder público não só falha em garantir um serviço básico como permite que o crime organizado tome conta de áreas cruciais para o descarte de resíduos. O governo do Estado também possui grande parcela de responsabilidade, como gestor da segurança pública, ao fechar os olhos para a atuação nefasta dessa organização criminosa.
A população de Belém está sendo penalizada por uma gestão que parece indiferente para a gravidade do que está acontecendo. Quantos mais alertas serão necessários para que medidas sejam tomadas e essa tragédia ambiental seja enfrentada com a seriedade que demanda?
O Ver-o-Fato não conseguiu contato com a Ciclus Amazônia para a empresa se manifestar sobre as supostas irregularidades apontadas pela Semas. O espaço está aberto à manifestação
DOCUMENTOS DA FISCALIZAÇÃO DA SEMAS
Com a palavra, a prefeitura de Belém
“Caros, sobre matéria divulgada no Ver-o-Fato, a Coordenadoria de Comunicação (Comus) da Prefeitura de Belém esclarece os seguintes fatos:
A recuperação da área degradada no Aurá é um dos serviços previstos na Parceria Público Privada (PPP) celebrada entre a Prefeitura e a empresa Ciclus Amazônia, para implantar o novo sistema de limpeza urbana em Belém. A Prefeitura desconhece sobre a autuação e, como concedente dos serviços, vai notificar a empresa a prestar informações a respeito.
Quanto à atuação de grupos criminosos no Aterro do Aurá foi levada formalmente ao conhecimento da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) pela Ciclus e pela Prefeitura, representada por sua Procuradoria Geral do Município (PGM). A solução desse impasse é de responsabilidade do governo do Pará, por meio de suas forças de segurança.”
Com a palavra, a Ciclus Amazônia
“À Equipe do portal Ver o Fato
A Ciclus Amazônia S.A, empresa comprometida com a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável,esclarece informações incorretas divulgadas recentemente sobre o andamento de projeto de recuperação ambiental sob nossa responsabilidade.
A destinação e o tratamento dos resíduos sólidos é um problema histórico global, não sendo diferente em Belém, sendo que, o “Lixão do Aurá” foi criado em 1984, segundo registros da Prefeitura Municipal de Belém, funcionando muitos anos como única destinação final de resíduos sólidos da Região Metropolitana.
A CICLUS AMAZÔNIA S.A destaca-se como líder na parceria público-privada responsável pela gestão de resíduos sólidos em Belém, firmando um compromisso de 30 anos, sendo uma empresa do grupo Ciclus Ambiental, criado para consolidar os negócios no setor de gestão e valorização de resíduos e saneamento. Com presença em duas das principais capitais do Brasil, com a Ciclus Rio, em Seropédica (RJ) e com a Ciclus Amazônia S.A, em Belém (PA), a empresa possui um longo histórico de 20 anos de atuação nos serviços de coleta, varrição, transbordo, gestão de resíduos industriais entre outras atividades relacionadas à gestão de resíduos sólidos.
A Ciclus Rio é uma das maiores operações de valorização de resíduos da América Latina, responsável por destinar e tratar corretamente, aproximadamente, 10 mil toneladas por dia de resíduos sólidos e comerciais na cidade do Rio de Janeiro e municípios da região metropolitana, como Seropédica, Itaguaí, Mangaratiba, São João de Meriti, Piraí e Miguel Pereira.
A empresa dispõe de uma Central de Tratamento de Resíduos (CRT), um moderno aterro sanitário bioenergético, e cinco Estações de Transferência de Resíduos (ERTs) em pontos estratégicos do Estado do Rio de Janeiro.
A Companhia transforma insumos poluentes em água desmineralizada, biogás e energia, além da possibilidade de geração de 2 milhões de toneladas de crédito de carbono até 2025. Com a atual infraestrutura, é responsável por aproximadamente 50% da produção brasileira de biometano gerado a partir de resíduos sólidos e evita o lançamento de 20 mil m³/h de gás metano na atmosfera por dia, o equivalente a emissão de 300 mil veículos leves, que representa, cerca de 5% da frota de veículos desta categoria na cidade do Rio de Janeiro.
A Companhia gera créditos de carbono ao evitar a emissão atmosférica do gás e está registrada no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). No fim de 2022, a geração já correspondia a 4,3 milhões de créditos a serem comercializados. Até 2025, é estimado que a Ciclus gere mais de 5,1 milhões de créditos de carbono.
Outras ações de destaque da Ciclus são: a produção de energia por meio do biogás e de moto-geradores, atividade que permitiu que a empresa se tornasse autossuficiente em energia em 2022; e geração de água a partir do chorume (líquido gerado pela decomposição de resíduos orgânicos).
No processo, o chorume passa por diferentes estágios de tratamentos – físicos, químicos e biológicos, incluindo a técnica de osmose reversa, uma das mais modernas do mundo –, resultando em uma água limpa e desmineralizada. Assim, esse insumo final, que atende à legislação ambiental, pode ser comercializado para usos diversos, como resfriamento de máquinas industriais. Ao fim de 2022, a água já era utilizada para irrigação das vias da própria Companhia.
Ou seja, a CICLUS AMAZÔNIA S.A é uma empresa do grupo que objetiva importar a experiência e o sucesso das demais empresas de tratamento de resíduos sólidos, que conta, inclusive, com o maior aterro sanitário da América Latina, para colaborar com a solução da destinação dos resíduos sólidos no Município de Belém.
Nesse contexto, a Concessionária está promovendo a recuperação das áreas degradadas pelo “Lixão” do Aurá, conforme previsto no Contrato de Concessão celebrado entre a Concessionária e o Município de Belém, por meio de sua Secretaria Municipal de Saneamento.
Inicialmente, a Ciclus Amazônia realizou um diagnóstico técnico detalhado da área em questão, intitulado “Relatório Preliminar das Condições da Área do Aterro Controlado do Aurá”, em abril de 2024, assim que a Concessionária iniciou suas atividades no município. Os resultados foram encaminhados à Secretaria Municipal de Saneamento no dia 17/05/2024, por meio da Carta nº 35/2024. Em seguida, a SESAN protocolou, no dia 28/05/2024, o Ofício nº 650/2024/GABS/SESAB na Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (DEMAPA), para que a Autoridade Policial tomasse as medidas cabíveis, garantindo a transparência e a integridade dos dados levantados.
Ademais, foi protocolada na Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), no dia 19/06/2024, a Carta nº 53/2024, uma consulta que visa iniciar o processo de obtenção da Licença de Operação e Remediação (LOR) ou licença equivalente prevista na legislação ambiental estadual, para a implementação de mecanismos de disposição final ambientalmente adequada dos resíduos.
A recuperação de áreas ambientalmente degradadas demanda um planejamento técnico rigoroso. Esse processo envolve a elaboração de projetos de engenharia específicos, a realização de estudos ambientais, sondagens e levantamentos topográficos. Todas essas etapas já estão em andamento, respeitando o cronograma necessário para garantir soluções técnicas seguras e duradouras.
Cabe ressaltar que, em 2015, a empresa Guamá inaugurou o aterro sanitário em Marituba, em cumprimento a um acordo entre a prefeitura desse município e as prefeituras de Belém e Ananindeua. Com isso, o antigo “Lixão” do Aurá, em Belém, deixou de receber lixo doméstico e hospitalar, permanecendo em operação apenas para a recepção de resíduos inertes, como entulhos, restos de construção e podas de árvores, tendo em vista que o aterro sanitário de Marituba possui limitação de recebimento de resíduos por dia (1500 toneladas por dia). É importante destacar que, desde então, o aterro do Aurá não é utilizado por caminhões de coleta domiciliar ou hospitalar, levando em consideração, principalmente, a limitação de recebimento de resíduos que a Guamá possui, não suportando, portanto, recebimento de todo o resíduo produzido pela capital.
A Ciclus reafirma seu compromisso com o cumprimento de todas as obrigações contratuais e regulatórias, assegurando que cada fase do processo será executada com responsabilidade técnica, respeitando os prazos e as exigências ambientais.
Atenciosamente,
Ciclus Amazônia “