Escola de Comando e Estado Maior monta grupo para acompanhar o combate em áreas urbanas e o uso de redes sociais; ‘mortes serão contadas aos milhares’ afirma coronel
Enquanto o Tzahal – as Forças de Defesa de Israel (FDI) − concentrava seus Merkavas para o ataque, depois de baixar os carros de combate das carretas que os transportaram até as imediações da Faixa de Gaza, um grupo de militares e de acadêmicos civis ligados à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) traçava cenários e observava os desenvolvimentos da guerra aos terroristas do Hamas.
Um deles era Sandro Teixeira Moita, professor do programa de pós-graduação em Ciências Militares, da Eceme. Às vésperas do início das operações por terra contra o território de Gaza, ele e seus companheiros verificavam os detalhes do comportamento dos soldados israelenses em áreas urbanas tomadas pelo Hamas.
Nos dois primeiros dias da guerra no Oriente Médio, o Tzahal travava combates em 22 localidades de Israel. E martelava Gaza com aviação e artilharia. Começava a Operação Espada de Ferro. Ou como disse o general israelense Ghasan Alyan, coordenador de atividades governamentais no territórios ocupados: “Eu queria dizer apenas uma coisa: o Hamas abriu as portas do inferno na Faixa de Gaza.”
Aqui podem nascer as primeiras lições do conflito. “Elas (as lições) devem ser digeridas de acordo com a realidade do Brasil para saber como vão impactar a doutrina do Exército”, afirmou o professor. O Comando de Operações Terrestres (COTer) é quem cuida do preparo da Força Terrestre e é responsável pelo Centro de Doutrina do Exército.
Trata-se de um trabalho que, segundo o general Richard Nunes, diretor do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECex), a Eceme e o Observatório da Praia Vermelha fazem desde a guerra da Ucrânia. As análises traçam cenários geopolíticos e abordam aspectos estratégicos e tático-operacionais. “Tomamos a decisão de intercambiar conhecimentos. Ontem, passamos três horas reunidos enquanto as coisas estavam acontecendo”, contou o professor Carlos Frederico Coelho.
O coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, do Centro de Estudos Estratégicos do Exército, destacou o caráter do conflito. Ele publicou: “Duzentos e sessenta mortos no local onde se realizava um festival de música em Israel. Um massacre perpetrado contra civis. Um ato terrorista na mais clara acepção do conceito. O efeito das ações do Hamas terão um efeito psicológico sobre os israelenses semelhante ao 11 Setembro para os americanos.”
Para o coronel, “não há outra alternativa política ao governo de Israel que não seja a reação mais dura que possa ser feita”. “Isso incluirá a invasão da Faixa de Gaza. Uma operação dificílima, em ambiente urbano, muito densamente povoado. As mortes serão contadas aos milhares, infelizmente.” Segundo ele, com a invasão de Gaza, virá a reação dos países árabes, além do Irã e de grupos como o Hezbollah. “O conflito poderá se regionalizar. O Oriente Médio vive um momento muito crítico, como há décadas não vivia.”
Já os especialistas do Observatório da Praia Vermelha, da Eceme, estão se debruçando sobre vídeos publicados em redes sociais pelo Hamas tentando identificar técnicas e procedimentos usados nos ataques ao Tzahal. O mesmo está sendo feito em relação ao material divulgado pelo exército israelense. “Israel fez um blecaute de informações para impedir que o Hamas tenha acesso a informações. A mídia que nos chega é de usuários de redes sociais”, disse Moita. Em uma delas, pode-se observar de 50 a 70 Merkavas mobilizados para o combate.
Não só. Militares da força de paz da Unifil, mantida pelas Nações Unidas no Líbano, são fontes de informações de seus colegas brasileiros. O Brasil tem integrantes na força e foi assim que uma informação falsa sobre a retirada destes militares em razão de uma suposta escalada do conflito com o Hezbollah, grupo xiita libanês aliado do Hamas e do Irã, foi desmentido. “Era justamente o contrário: as patrulhas da Unifil haviam sido intensificadas”, afirmou o professor.
Outro aspecto do conflito está relacionado ao conflito na Ucrânia. Pensava-se, então, que a surpresa estratégica não seria mais possível obter no teatro de operações em razão do uso intensivo de drones, capazes de manter a vigilância do terreno 24 horas por dia. “Não foi isso que assistimos. Vimos em Gaza como o Hamas conseguiu obter a surpresa em um ataque maciço contra Israel mesmo com drones, câmeras e celulares”, afirmou Moita.
Os observadores brasileiros também acentuaram como o ambiente informacional está ajudando a moldar o conflito. Os terroristas demonstraram um uso cuidadoso das redes sociais, divulgando vídeos para aumentar o efeito psicológico da captura de civis israelenses e da morte de soldados do Tzahal. Publicaram até um vídeo que foi encontrado no telefone de um soldado morto para demonstrar a captura do posto de combate.
As Forças de Defesa de Israel tiveram de reagir rápido para atacar a desinformação e retomar o domínio das imagens da guerra. “Israel tem atuado fortemente na demolição de torres e prédios com estruturas de comunicação do Hamas”, afirmou Moita. Seu governo procurava sair do ambiente de caos provocado pela Hamas, o que se prolongava até a noite de domingo, quando a cidade de Ashkelon, a caminho de Tel-Aviv, foi atacada por uma centena de foguetes, segundo as FDI.
Era evidente que o grupo terrorista contava com comandos treinados, o que indicava uma preparação feita durante meses. Aqui surge outro aspecto importante do conflito: a incapacidade do Shin Bet, o serviço de inteligência interna de Israel, e do Aman – inteligência militar israelense – para detectar o plano do Hamas. “Como uma operação dessa envergadura, gestada na Faixa de Gaza não foi identificada pelos serviços de inteligência israelense? Isso será cobrado pela sociedade israelense”, questionou o coronel.
A distribuição dos grupos de combate palestinos conseguiu o efeito de dispersar as forças israelenses, diminuindo a concentração de fogo. Paulo Filho realçou o ineditismo da infiltração de terroristas do Hamas por terra, mar e ar, que acompanhou uma grande salva de foguetes – cinco mil – lançados a partir de Gaza. O ataque resultou na morte de 700 pessoas em Israel, uma violência que não teve como alvo principal os militares. De fato, apenas 10% dos mortos pelo Hamas eram do Tzahal. “Noventa por cento das vítimas são civis (inclusive brasileiro)”, afirmou o coronel.
Os especialistas afirmaram que a inteligência, a vigilância e o reconhecimento falharam miseravelmente na prevenção ao ataque. Mesmo que informações sobre os preparativos estivessem disponíveis, elas não foram processadas adequadamente pelos gestores. “O fracasso foi tão terrível quanto o do Yom Kippur, que teve consequências políticas desastrosas para Golda Meir”, lembrou Moita. Pouco depois, os trabalhistas de Meir perderam a eleição para o Likud, de Menachen Begin.
Por enquanto, as consequências políticas para o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu são imprevisíveis. O ex-primeiro-ministro Naftali Bennett apresentou-se ontem no posto de alistamento do Exército, mostrando o impacto da ação terrorista do Hamas sobre o País. Há o esgotamento da política de ausência de acordo com os palestinos levada a cabo por Netanyahu em razão do custo da aposta de se resolver o conflito por meios militares em vez de usar meios políticos?
Um consenso que surge entre os militares brasileiros é que Israel terá de modular sua resposta ao Hamas. Não haveria espaço para um “delenda Gaza”, pois seria necessário levar em consideração as reações de países como a Arábia Saudita, com quem Israel negocia um tratado de paz. “Mas se Israel atropelar o Hamas não haverá lágrimas do lado saudita”, disse Moita.
Paulo Filho acredita que as incursões tipicamente terroristas exigem uma resposta forte em razão do grau de indignação na sociedade israelense. “Acredito que seja questão de horas para que haja a incursão terrestre sobre o território de Gaza. Será uma operação militar complexa, pois se trata de uma área de densidade populacional grande, com ruas estreitas e prédios um ao lado do outro.”
O coronel destacou outro ponto sensível: a possível participação da Guarda Revolucionária do Irã, suspeita de ter apoiado a preparação do Hamas. “O Irã tem todo interesse em minar a aproximação entre Israel e a Arábia Saudita. A resposta forte contra a Faixa de Gaza certamente vai afetar a aproximação.” E a intensidade da reação israelense, como o coronel lembrou, pode ser vislumbrada na declaração do general Alyan. (Marcelo Godoy, colunista do jornal O Estado de São Paulo)