Embora cada região brasileira tenha direito inquestionável à preservação de sua identidade cultural, posto que tal direito se encontra resguardado pela própria Constituição Federal, no caso da Amazônia, a imagem da região, veiculada pelas mídias nacional e internacional, a reduz a um mero santuário ecológico, num completo desconhecimento do complexo processo de formação cultural que, há mais de 500 anos, vem se desenrolando nela.
Na situação de simples ambiente natural em que a Amazônia é forçosamente colocada pelos órgãos de comunicação social, a presença humana nela, ou simplesmente fica apagada, ou é reduzida às populações indígenas e ribeirinhas, isto é, àqueles grupos humanos cuja integração à floresta mal é distinguida da dos outros animais.
Naquilo que os jornais, as rádios, as emissoras de televisão e o cinema dizem e mostram da Amazônia – dentro de um discurso sempre relacionado à exuberância de seus rios e florestas e à riqueza de sua biodiversidade ou às ameaças de degradação ambiental, em geral -, há insuficiências de informações até mesmo sobre estes únicos agrupamentos humanos, cuja existência pode ser incorporada à imagem difundida da região.
Infelizmente, poucas vezes se podem encontrar matérias jornalísticas com tratamento sério e adequado da incrível variedade de línguas indígenas amazônicas (e da arte, da religião, da ciência, da visão de mundo contida em cada uma delas), ou, com abordagens consistentes sobre a cultura ribeirinha da região, sobretudo, daquilo que ela contém de inesperado, como, por exemplo, a carga de sensualidade de uma aparentemente ingênua dança, como o lundu.
Se são mal conhecidos estes elementos da identidade cultural amazônica, em princípio, harmonizáveis com a imagem estereotipada da região, há um profundo silêncio sobre os demais elementos que discrepam dela.
Quantas pessoas sabem, por exemplo, que o rio Amazonas foi descoberto por um espanhol Vicente Yanez Pinzón, no século XVI?
Ou que o Maranhão chegou a ser possessão francesa, entre os anos de 1612 e 1614?
Ou que a presença portuguesa na região, talvez, date de uma época anterior à chegada de Cabral a Porto Seguro, pois, segundo uma nova corrente da historiografia lusitana, o navegante Duarte Pacheco teria chegado à Amazônia, no final dos anos de 1400.
Certamente, poucas pessoas sabem disto tudo.
E menos pessoas, ainda, sabem que Belém foi a capital de um estado, o do Gram-Pará – independente do Brasil dentro do reino português, por mais de 150 anos -, onde, já nos anos de 1600, ordens religiosas, como a dos jesuítas, enriqueceram monopolizando mão-de-obra indígena, e, assim, puderam construir edificações arquitetônicas monumentais, na cidade.
Ou sabem que estas marcas no espaço urbano de Belém acentuaram-se nos anos de 1700, com a retomada das rédeas da economia amazônica pela metrópole portuguesa (e, com sua consequente expansão), durante o governo do Marquês de Pombal, quando à cidade chegou o arquiteto bolonhês Giuseppe Landi, ainda hoje, considerado o seu maior construtor, responsável por um palácio e igrejas levantados dentro de um estilo arquitetônico, o neoclássico, só conhecido pelo Brasil, sessenta anos depois.
Ainda que a opinião pública em outras regiões do Brasil e no mundo não saiba disto, a Amazônia tem uma rica História da Cultura porque incorporou, em sua formação sociocultural, as variadas influências levadas à região pelos imigrantes espanhóis, franceses, italianos, portugueses, judeus, sírio-libaneses, norte-americanos, e, japoneses, que nela se instalaram, ao longo de quase quatrocentos anos, a partir do século XVII.
Estas influências não são encontradas apenas em sua História das Ciências, da Tecnologia e das Artes, documentada, por exemplo, nos 2.000 imóveis do Centro Histórico de Belém, com prédios em estilos arquitetônicos barroco, neoclássico, eclético e com um amplo acervo de Arquitetura de Ferro, dos séculos XIX e XX.
São encontrados também, na região, através de sua História da Música, de sua História da Literatura, de sua História da Imprensa, de sua História do Teatro. E na sua História do Cinema, iniciada por projeções de imagens estáticas, já no final dos anos de 1800.
E são comprovadas pelos mais de 4 milhões de documentos, datados desde os anos de 1600, que estão guardados no Arquivo Público do Estado do Pará, em Belém.
Esta distorção da imagem de nossa região permanecerá se quem tem espaço nas mídias de comunicação de massa se acomodar diante dela.
Por isto, a partir da próxima semana, nos limites de nossas possibilidades, pretendemos enfrentá-la.
Vamos veicular sobre a nossa região numa coluna que se chamará “Amazônia Erudita”,exclusivamente informações extraídas de pesquisas naquele arquivo público e em outros locais igualmente relevantes para a obtenção da imagem verdadeira da Amazônia, apagada pelos órgãos de comunicação acostumados a falseá-la.