Já faz mais de um ano que recrudesceu o conflito fundiário em torno do território do povo indígena Tembé, em Tomé-Açú. Inicialmente travado com a Biopalma quando pertencia à Vale, o “problema” estava sob controle. Isso acontecia, porque a multinacional brasileira da mineração consegue muitas vezes, mesmo em lítigio, manter sob controle as lideranças adversárias. Distribui toda sorte de “mimos”, e adota mesmo uma política de investimentos com que possa prestar contas nas interpelações das auditorias de certificadoras.
Adquirida da Vale por um grupo estrangeiro que, dizem, ser de capital oriundo de petrodólares, a Brasil Bio Fuels (BBF) tentou renegociar o que já estava formalizado em acordo entre os tembés e ela, para exigir desse povo indígena que enfrentasse a sua adversária Sapucaya Agroflorestal Ltda. A Sapucaya reinvidica a propriedade da fazenda de dendê objeto do conflito com o povo indígena, que liderado por Paretê Tembé, não aceitou e reagiu, dando causa ao conflito que virou confronto e que se estende até hoje.
Até então, a discussão estava circunscrita às supostas violações praticadas pela BBF contra o povo tembé. Até que as lideranças dessa etnia constituiram o advogado Ismael Moraes, patrono das maiores causas socioambientais na Amazônia. No seu peculiar estilo, mesmo tendo bom relacionamento com o governo, Moraes foi direto ao ponto, interpelando via Twitter o governador Helder Barbalho acerca do que diz ser a utilização da PM (Rotam) em “serviços de milícia” em favor da BFF.
A tuitada para o governador teve grande repercussão nacional, sendo retuitada e curtida por centenas de vezes e por contas expressivas de ativistas de direitos humanos e do meio-ambiente.
Entretanto, entre a esquerda paraense que costuma atacar o capital estrangeiro – quando isso lhe é conveniente -, o que se viu foi um vergonhoso silêncio. Como sempre, prevaleceu mais uma vez a mesma política de ocasião, responsável por atirar na vala comum a esquerda brasileira desde que o PT chegou ao poder.
Esperto e investindo no autodenominado campo progressista da esquerda, o governador usou a isca do poder para atrair todo o PT, Psol – ou boa parte dele -, PC do B e demais siglas acessórias, distribuindo cargos, favores e benesses cujo preço tem sido o de total subserviência ao projeto de reeleição do próprio Helder Barbalho, que dorme e acorda pensando nisso. Sem falar, é lógico, da perspectiva de ter a Polícia Federal em uma de suas moradias, às 6 da manhã, para ajustar as contas dos escândalos que envolvem o atual governo.
Foi assim, com esse apoio de quem antes o execrava – ao menos no ambiente fechado das bolhas ideológicas -, que Helder tornou-se intocável, mesmo que a sua Polícia Militar seja o braço armado de uma multinacional como a BBF, que escancaradamente agride comunidades tradicionais (quilombolas e ribeirinhos) assim como povos indígenas.
Crítica seletiva
Na tarde de ontem, 27, nomes e entidades sob o controle da esquerda organizaram um evento na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em defesa dos povos indígenas, em especial dos Tembés. Ganha um doce quem adivinhar qual foi a tônica do “discurso revolucionário”: denúncia de que a BBF está criminalizando povos tradicionais. Nova, essa. Café requentado.
Nenhuma palavra pelo “serviço de milícia” (expressão utilizada pelo advogado Ismael Moraes na representação que fez à Promotoria Militar do Ministério Público) sobre o que a Rotam, batalhão da PM controlado diretamente pelo comando de Belém, supostamente faz em favor da BBF. O silêncio tem seu preço político: o de não contrariar o governador, que aliás, até agora, não soltou uma palavra sequer sobre o gravíssimo “imbroglio” que ameaça banhar de sangue o Vale do Acará.
Ou seja, milícias só não podem usar os bolsonaristas, mas podem os governos aliados da esquerda. Nesse evento na CNBB, destacou-se a ausência gritante do advogado Ismael Moraes, que não foi convidado ou não deve ter aceitado participar do patético mise em scene patrocinado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, CNBB e Cimi.
Pareceu que o tal evento foi mais para abafar a denúncia contra o uso da PM como milícia da BBF, feita pelo advogado Ismael Moraes, do que para defender as comunidades tradicionais.
Resumo da ópera: a esquerda paraense continua seguindo ladeira abaixo, cada vez mais. Mas não larga a mão de Helder Barbalho, nem que a vaca tussa.