O Brasil vive uma escalada perigosa em direção ao totalitarismo. O pior é que isso é aplaudido por alguns jornalistas de grandes veículos de comunicação, para quem a supressão da liberdade é algo que deve ser aplicado contra o “outro lado”, jamais contra qualquer um deles. Faz lembrar a célebre frase de Millor Fernandes: “democracia é quando eu mando em você; ditadura, é quando você manda em mim”.
A vítima da hora é a liberdade de expressão, atingida por contundente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proibiu a emissora Jovem Pan de noticiar fatos envolvendo condenações de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República. Lula é adversário do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro.
O direito à livre manifestação de pensamento é consagrado pela Constituição Federal. Qualquer pessoa, em um regime que se pretenda democrático, deve exercer esse direito, seja de esquerda, direita, centro ou de qualquer outra tendência política ou ideológica. O limite é a lei, feita para conter excessos e sujeitar eventuais violadores a processo judicial.
O corregedor-eleitoral do TSE, Benedito Gonçalves, na decisão que impõe a abominável mordaça contra a emissora e seus jornalistas e comentaristas, afirma o seguinte: ” é possível constatar da leitura dos trechos e do acesso aos vídeos que, em um efeito cíclico, os comentaristas da Jovem Pan não apenas persistem na divulgação de afirmações falsas sobre fatos (coisa que difere da legítima opinião que possam ter sobre a realidade), como somente se mostram capazes de “explicar” as decisões a partir de novas e fantasiosas especulações, trazidas sem qualquer prova, de que haveria uma atuação judicial favorável um dos candidatos”.
Em outro trecho, o ministro do TSE enfatiza que, na programa da emissora, “o teor dos julgamentos – que poderia informado, debatido e inclusive criticado – cede espaço para especulações, sem nenhum fundamento em evidência fática, sobre conchavos políticos e sobre imaginária manipulação de pesquisas e mesmo dos resultados das eleições. É também explorado, de forma recorrente e calcada apenas na percepção subjetiva dos diversos comentaristas, o sentimento de medo, procurando-se incutir nos ouvintes que riscos como um “golpe de esquerda”,
fechamento de igrejas e domínio do crime organizado rondam o cenário eleitoral”.
Para Benedito Gonçalves, “não se nega, porém, a sensibilidade do tema, que certamente demandará a análise, em contraditório, do cenário mais amplo em que se inserem as práticas relatadas nos autos, inclusive com vistas a apurar condutas individuais e a responsabilidade do primeiro investigado, na qualidade de proprietário da concessionária de serviço público, sem perder de vista as condições de exercício legítimo da liberdade imprensa e de opinião”.
Porém – resume o ministro – “não há dúvidas de que a narrativa, em tese, é passível de se amoldar à figura típica do uso indevido de meios de comunicação social, havendo elementos suficientes para autorizar a apuração dos fatos e de sua gravidade”.
Fala, a Jovem Pan
Eis a íntegra do comunicado da Jovem Pan enviado aos comentaristas da emissora em 17 de outubro: “caros, com base em decisão do TSE proferida nesta segunda-feira, estamos orientados pelo jurídico a não utilizar as seguintes expressões nos programas da casa: “Ex-presidiário; “Descondenado; “Ladrão; “Corrupto; “Chefe de organização criminosa”.
“Além disso, não devemos fazer qualquer associação entre o candidato Lula e o crime organizado. E mais: as críticas aos ministros e ao judiciário não são recomendadas pelo nosso jurídico neste momento. “O descumprimento dessas determinações pode levar não só a direito de resposta como também a multa de R$ 25 mil e a remoção dos conteúdos de nossas plataformas”.
A Jovem Pan diz ainda: “a direção de jornalismo reforça que aqueles que não se sentirem confortáveis com essa determinação com base em decisão da Justiça, devem nos informar para que possam ser substituídos nos programas”.
Duas entidades do setor, a Abert e a Abratel divulgaram notas, protestando contra a censura à empresa de comunicação. Veja:
NOTA DA ABERT
“A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) considera preocupante a escalada de decisões judiciais que interferem na programação das emissoras, com o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões. As restrições estabelecidas pela legislação eleitoral não podem servir de instrumento para a relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, princípios de nossa democracia e do Estado de Direito. Ao renovar sua confiança na Justiça Eleitoral, a ABERT ressalta que a liberdade de imprensa é uma garantia para o exercício do jornalismo profissional e do direito do cidadão de ser informado”.
NOTA DA ABRATEL
“Em pleno centenário do Rádio no Brasil, a Associação Brasileira de Rádio e Televisão não poderia deixar de vir a público manifestar sua preocupação com os atos que atingem o trabalho da livre imprensa.
A recente decisão que impede o trabalho de divulgação e respeito à linha editorial de veículo de comunicação profissional, sediado no Brasil e regulado pela legislação brasileira atinge a todo o setor de Radiodifusão. Tal ato ignora a história da Televisão e do Rádio que esse ano comemoram 72 e 100 anos, respectivamente.
A ABRATEL acredita que qualquer decisão a ser tomada sobre esse tema seja tomada sempre em consonância com a preservação da liberdade de imprensa e do Estado Democrático de Direito. Esperamos que as instituições respeitem a história dos veículos de comunicação profissionais sediados em nosso país”.