A ligação umbilical do presidente Jair Bolsonaro ao Centrão, confirmada agora mais do que nunca com sua próxima filiação ao Partido Liberal (PL), sob as bençãos do conhecido mensaleiro Valdemar Costa Neto, que já cumpriu pena por corrupção e segundo a própria ex-esposa, gastava 300 mil dólares em um final de semana em cassinos, tem como consequência a transformação do Congresso em um típico balcão de troca, por meio das chamadas emendas de relator, ou, como dito pela imprensa, o orçamento secreto, questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Cidadania e outros partidos e já barrado pela corte constitucional.
As emendas parlamentares existem para fazer chegar os recursos do orçamento aos locais mais distantes, por meio dos representantes eleitos por essas comunidades, e sempre tiveram seus autores claramente identificadas. O instituto das emendas emendas impositivas melhorou ainda mais essa distribuição de recursos.
Mas as elites brasileiras são sempre são muito hábeis em se apropriar do que é público. O presidente da Câmara, Arthur Lira, voraz, criou em 2019 um novo tipo de emenda, chamada de RP 9, ou emendas de relator, para distribuir recursos sem identificação do deputado que solicitou, da fonte do recurso, do beneficiado, do Estado, de nada, apenas por uma canetada do relator do orçamento, que é escolhido a cada ano, em um exemplo de falta de transparência com o dinheiro público. A liberação depende somente da vontade do presidente da Câmara, que controla o relator e responde diretamente ao presidente da República, em flagrante quebra dos princípios constitucionais da transparência e o da impessoalidade.
O orçamento secreto é um cheque em branco para a compra de votos e já tem reservados 16,8 bilhões de reais para 2022, liberados no orçamento por meio da PEC dos Precatórios, que abre espaço fiscal tanto para o Auxílio Brasil, quanto para a compra da base parlamentar do governo na Câmara. A aprovação dessa PEC custou a liberação de 1 bilhão em emendas dias antes da votação e ainda foi alcançada com placar apertado na Câmara. Caso seja aprovada também no Senado a PEC dos Precatórios permitirá furar o teto de gastos, comprometendo o equilíbrio fiscal e a recuperação da economia, com consequências sobre a inflação, a alta do dólar, dos preços dos alimentos etc.
O pagamento do Auxílio Brasil, que é o Bolsa Família turbinado para 400 reais, aposta de Bolsonaro para reverter a desvantagem que amarga nas pesquisas eleitorais, é mais do que necessário para a população, mas poderia ser pago sem que fosse preciso furar o teto de gastos, caso o governo não tivesse que comprar tantos parlamentares com emendas. O custo do programa este ano é de 6,9 bilhões, e 51,1 bilhões em 2022, mas a PEC dos Precatórios abre um espaço fiscal no orçamento de 2022 de 91,6 bilhões, indicando que certamente não faltarão recursos para o orçamento secreto.
Felizmente, o STF disse com todas as letras que isso é corrupção pura e simples e barrou o orçamento secreto, e isso não é motivo para crise alguma entre os poderes. Agora, é preciso que o Brasil reaja a isso e recupere a sua capacidade de indignação e se mobilize contra essa situação, exigindo a derrubada do orçamento secreto no Senado.