Montezuma Cruz, assessor de imprensa do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), estava feliz com a visita do seu velho amigo. Ficara mesmo emocionado, mas intrigado com a aparição súbita de Apolo Brito, que fora lá para saber mais sobre a Phyllobatesterribilis. Justamente sobre a Phyllobatesterribilis. A surpresa foi mútua.
Apolo Brito quase caiu para trás ao saber que havia uma Phyllobatesterribilis no museu, pois um biólogo, doutor em biotecnologia, estava fazendo experiências com uma das mais de cem toxinas da rã, a homobatracotoxina, composto químico mortal, que causava um só sintoma em quem entrasse em contato direto com o animal: a falência múltipla dos órgãos.
Montezuma Cruz abriu sua gaveta do meio e de lá tirou um exemplar da revista Superinteressante, folheou-a e entregou-a dobrada para Apolo Brito ler. Dizia o texto: “É minúsculo. Mas seu veneno mata na hora. Sapo de apenas 2,5 centímetros é o mais venenoso do mundo. O sapo Phyllobatesterribilis, que tem apenas 2,5 centímetros de comprimento, é um dos animais mais venenosos do mundo. Sua arma é uma gosma que reveste o corpo. Dois milionésimos de grama liquidam um homem de 70 quilos instantaneamente. Nem é preciso engolir o veneno. Basta que a substância viscosa encoste numa pequena ferida aberta.
“O especialista em sapos Mike Ryan, da Universidade do Texas, em Austin, Estados Unidos, explicou à Super que existem outras cinquenta espécies da mesma família, a dos dendrobatídeos. Mas nenhuma é tão venenosa. Segundo o biólogo Adão Cardoso, da Universidade de Campinas (Unicamp), estado de São Paulo, os dendrobatídeos saltam entre folhas mortas e galhos em decomposição, nas florestas de Cauca, região oeste da Colômbia. Os índios da área usam o veneno dos anfíbios para preparar a ponta das flechas para a caça”.
“Setenta quilos é o peso do senador Fonteles” – pensou Apolo Brito.
– Pensei que fosse rã e não sapo – disse.
– Sapos têm pele enrugada e são peçonhentos; rã tem pele lisa e é comestível, mas tanto faz, rã, sapo ou jia, sumiu um pequeno frasco com uma porção microscópica da homobatracotoxina – disse Montezuma Cruz. Apolo Brito olhou-o boquiaberto.
– O quê? – perguntou o detetive, sem acreditar no que ouviu. – A polícia descobriu alguma coisa? – perguntou, após pesado silêncio.
– Nada – respondeu o jornalista, pensativo. – Simplesmente o frasco desapareceu. – Por curiosidade, fiz uma pesquisa no Google e olha o que descobri – disse Montezuma Cruz, pegando duas laudas impressas na gaveta do meio da sua mesa.
“Segundo a Wikipedia, esta simples rãzinha é uma das criaturas mais venenosas que existem neste planeta. O nome da espécie é Phyllobatesterribilis – o terribilis tem um certo sentido de ser, porque o veneno alcaloide desta rã causa parada respiratória imediata e um único adulto da Phyllobatesterribilis tem homobatracotoxina suficiente para matar 20 mil cobaias ou 100 pessoas! Para se ter uma ideia do veneno, galinhas e cães que entraram em contato com um papel-toalha onde o sapo andou morreram.
“O veneno da PhyllobatesTerribilis, a homobatracotoxina, é extremamente raro na natureza, só sendo encontrado em outros três sapos da Colômbia e dois pássaros venenosos de Papua, na Nova Guiné. Embora mate tudo que eventualmente o coma, o sapo tem como predador principal uma cobra, Liophisepinephelus, que é bem resistente ao veneno do sapo, mas não totalmente imune. O veneno alcaloide provém de insetos venenosos que fazem parte da dieta da rã. Isso explica por que ao longo do tempo em cativeiro o Phyllobatesterribilis perde lentamente seu veneno. A criatura que transmite os alcalóides assassinos para a rã é um besouro da família Melyridae. Para se ter uma ideia do poder letal do veneno, dois décimos de micrograma dessa toxina podem matar um humano em poucos minutos. Cada adulto contém 200 microgramas em sua pele.
“Os índios pegam essas rãs com muito medo e passam as pontas das flechas nas costas delas. Depois de esfregadas, as flechas ficam letais por mais de dois anos. Assim, os índios matam macacos e outros animais com mais facilidade. Para capturar a bizarra rãzinha, os índios utilizam uma folha de bananeira como luva de proteção.
“Os médicos e laboratórios farmacêuticos estão estudando as moléculas da homobatracotoxina para encontrar um caminho para remédios mais potentes, como relaxantes musculares e anestésicos, uma vez que o veneno da rã teria potencial para dar origem a um anestésico bem mais potente que a morfina.
“Mais de 100 toxinas foram identificadas nesta rã. Para se ter uma ideia do poder letal do veneno deste sapinho, dois décimos de micrograma dessa toxina podem matar um humano em poucos minutos. Cada P. terribilis adulta contém 200 microgramas em sua pele. O veneno em destaque é a homobatracotoxina, um composto químico mortal cujo único sintoma é a falência múltipla dos órgãos e parada respiratória imediata em um adulto.
“A Phyllobatesterribilis pode ser dourada, verde, branca e creme. Ele é encontrado na Colômbia, Bolívia, Equador, Brasil e por toda a área tropical da América do Sul, sobretudo na Amazônia, pois a rã vive em lugares úmidos e com muita chuva e calor.”
– Então há Phyllobates na Amazônia? – Apolo Brito perguntou.
– Sim, é encontrada em Almeirim, no alto rio Paru, que nasce na Serra de Tumucumaque, na fronteira do Pará com o Suriname – disse Montezuma Cruz. Adorava a Hileia e seu trabalho de jornalista especializado no Trópico Úmido. – Agora mesmo há pesquisadores investigando a calha norte do baixo Amazonas. Nessa região há santuários que os europeus e os americanos jamais viram, seja de helicóptero ou por meio de satélite, quanto mais pondo os pés. Trata-se de metade do estado do Pará, do rio Nhamundá, no município de Faro, passando pelos municípios de Terra Santa, Oriximiná, Óbidos, Curuá, Alenquer, Monte Alegre, Prainha e Almeirim, e o estado do Amapá, especialmente a região do alto Jari. É o último reduto desconhecido da superfície da Terra, o mais fascinante, por ser o mais desconhecido, mais deslumbrante do que as fossas marinhas, pois na Calha Norte a vida pulsa na superfície, sob o sol da Linha Imaginária do Equador. – Disse isso e ficou em silêncio.
– Só o biotecnólogo tem acesso ao sapo e ao veneno? – Apolo Brito perguntou. – Quem roubou o frasco conhece o dia a dia do museu e sabe o que está fazendo.
– Não, não é apenas o biotecnólogo que tem acesso ao veneno. Um veterinário também tem acesso ao Phyllobatesterribilis, mas ele viajou uma semana antes do sumiço da toxina. A polícia já o ouviu. Está limpo. Quanto ao cientista, é simplesmente insuspeito. É um dos mais eminentes cientistas brasileiros, com uma folha de serviço impecável, extensa. Ele criou antibióticos à base de copaíba e andiroba, e vermífugos que têm salvado populações inteiras de ribeirinhos. Trata-se do dr. Waldemiro Gomes. É insuspeito.
– Waldemiro Gomes? Conheço-o. Esse está fora de qualquer suspeita, mas o veterinário, não – disse Apolo Brito.
– Ele tinha ido a Macapá para participar de uma pesquisa na Universidade Federal do Amapá sobre água – disse Montezuma Cruz.
– Água! Seria possível eu falar com ele? – disse Apolo Brito. – Montezuma Cruz olhou para o detetive tentando adivinhar o que ele sabia. – Vou abrir o jogo – continuou Apolo Brito. – Estou investigando isso pela Abin. – O outro o olhou sem acreditar. Mas Apolo Brito conhecia o terreno onde estava pisando. Tinha um contato, um coronel, da cúpula da comunidade de inteligência, a quem ele recorreria, se fosse preciso, inclusive contando que o senador Fonteles poderia ser morto pela homobatracotoxina. – Os americanos querem a homobatracotoxina – Apolo Brito chutou.
Montezuma Cruz o olhou sem entender. Ora, os americanos já estavam na Colômbia…
– O nome dele é Alfredo Cardoso, Alfredão. Ele mora no lado do China Bar, na Transcoqueiro 155 – disse Montezuma Cruz, consultando um papel que também tirou da gaveta do meio. – Ele vive no China Bar. É um sujeito alto, com uma pança descomunal. A pança e a cor da pele dele são únicas; ele não é nem branco nem negro, é cinzento. – Olhou para Apolo Brito e sentiu que estava enrolando. – Não adianta ir lá. Ele está em Macapá, e a Polícia Federal estávigiando ele – disse.
Apolo Brito sentia, desde o começo, que Montezuma Cruz não havia contado tudo.
– E onde estava guardada a toxina? – perguntou.
Montezuma Cruz fez um longo silêncio. Suspirou. Olhou para os olhos negros e úmidos do detetive.
– Estava em um cofre do tamanho de uma sala. O biotecnólogo separou uma parte para suas pesquisas e guardou o resto. No cofre havia também um muiraquitã, branco, de jadeíta, de 50 milímetros, pesando 42 gramas, de 2.500 anos, uma peça tapajônica sem preço. Levaram o muiraquitã também.
– E quem tem acesso a essa ala? – Apolo Brito perguntou.
– É aberta com cartão magnético.
– Cartão magnético? Um simples chupa-cabra clona cartão – disse Apolo Brito. – Então o ladrão sabia o que havia de valor no cofre. Isso amplia bastante o número de suspeitos.
– É verdade. Até eu fui ouvido pelo delegado, mas o fato é que a polícia não encontrou a mais tênue pista, e os depoimentos foram checados.
Algo estava latejando na memória de Apolo Brito.
– Tu disseste que o Alfredão participa de uma pesquisa sobre água…
– É. Ele é veterinário, mas é também um dos primeiros oceanógrafos formados pela Universidade Federal do Pará, e está fazendo uma pesquisa sobre a água do rio Amazonas como pesquisador visitante da Unifap.
Uma copeira serviu-lhes água gelada.
– O que mais havia no cofre? – Apolo Brito perguntou.
– Nada – disse Montezuma Cruz. – Fez um silêncio dramático. – Vou abrir o jogo também – disse. – Há coisa de quatro anos, quando comecei a fazer meu doutorado sobre história da Amazônia, descobri indícios de uma sociedade secreta dos americanos, por volta de 1939, em Fordlândia, denominada Confraria Muiraquitã…
– Confraria Muiraquitã? – Apolo Brito indagou, surpreso. “É confraria demais para minha cabeça… conspiração demais; acho que estão todos acometidos da síndrome da conspiração.”
– Sim, Confraria Muiraquitã. Pesquisei nos arquivos do Museu e no Arquivo Público do Pará e descobri evidências, embora frágeis, dessa irmandade, que teria pressentido, naquela época, o valor que a água, cada vez mais, adquire hoje, com a escalada da poluição. A irmandade teria como objetivo a preservação da água, internacionalizar a Amazônia e transformá-la em um gigantesco reservatório de água para o império americano. Descobri ainda que muiraquitã é o nome de uma pousada de um americano. Estive lá e monitorei o americano. Ele gosta de pescar no rio Tapajós, é frequentador assíduo de Alter do Chão, Santarém na verdade, e do rio Paru, mas a pousada fica em Mexiana.
– Mexiana? – Apolo Brito indagou, novamente surpreso.
– Sim, Mexiana – disse Montezuma Cruz. – E o intrigante é que na minha investigação eu descobri que a maior riqueza da Amazônia não é ouro, nem diamante, nem madeira, é água mesmo! – disse Montezuma Cruz, tirando da pasta algumas laudas grampeadas, que estendeu a Apolo Brito. Tratava-se de matéria, assinada pelo jornalista acreano Chico Araújo, publicada no site Agência Amazônia, sob o título: “Navios-tanque traficam água de rios da Amazônia – Falta de fiscalização facilita a ação de criminosos. Autoridades brasileiras já foram informadas da situação”.
A matéria dizia mais ou menos o seguinte: “Navios-tanque estão retirando sorrateiramente água do rio Amazonas. Empresas internacionais até já criaram novas tecnologias para a captação da água. Uma delas, a NordicWaterSupply Co., empresa da Noruega, já firmou contrato de exportação de água com essa técnica para a Grécia, Oriente Médio, Madeira e Caribe. A captação seria geralmente feita no ponto onde o rio deságua no oceano Atlântico. Estima-se que cada embarcação seja abastecida com 250 milhões de litros de água doce, para engarrafamento na Europa e Oriente Médio.
“É grande o interesse pela água farta do Brasil, considerando que é mais barato tratar águas usurpadas (US$ 0,80 o metro cúbico) do que realizar a dessalinização das águas oceânicas (US$ 1,50). O transporte internacional de água já é realizado através de grandes petroleiros. Eles saem de seu país de origem carregados de petróleo e retornam com água. Por exemplo, os navios-tanque partem do Alaska, Estados Unidos – primeira jurisdição a permitir a exportação de água –, com destino à China e ao Oriente Médio, carregando milhões de litros de água.
“Uma nova tecnologia já foi introduzida no transporte transatlântico de água: as bolsas de água. A técnica já é utilizada no Reino Unido, Noruega ou Califórnia. O tamanho dessas bolsas excede ao de muitos navios juntos. Sua capacidade é muito superior a dos superpetroleiros. As bolsas podem ser projetadas de acordo com a necessidade e a quantidade de água e puxadas por embarcações rebocadoras convencionais. Assim, navios petroleiros estão reabastecendo seus reservatórios no rio Amazonas antes de sair das águas nacionais. A captação é feita pelos petroleiros na foz do rio ou já dentro do curso de água doce. Somente o local do deságue do Amazonas no Atlântico tem 320 quilômetros de extensão e fica dentro do território do Amapá. Nesse lugar, a profundidade média é em torno de 50 metros, o que suportaria o trânsito de um grande navio cargueiro.
“O contrabando é facilitado pela ausência de fiscalização na área. Essa água, apesar de conter uma gama residual imensa e a maior parte de origem mineral, pode ser facilmente tratada. Para empresas engarrafadoras, tanto da Europa como do Oriente Médio, trabalhar com essa água mesmo no estado bruto representaria uma grande economia. O custo por litro tratado seria muito inferior aos processos de dessalinizar águas subterrâneas ou oceânicas. Além de livrar-se do pagamento das altas taxas de utilização das águas de superfície existentes principalmente dos rios europeus.
– Os muiraquitãs se reúnem anualmente em Soure – disse Montezuma Cruz, quando Apolo Brito devolveu as laudas, lidas atentamente.
– Em Soure? – perguntou o detetive.
– Vamos almoçar – Montezuma Cruz o convidou, pegando uma pasta na qual reunira várias cópias de impressos, enquanto Apolo Brito estivera lendo o artigo de Chico Araújo, e a entregou ao detetive. – Lê este material com calma.
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