No dia seguinte, a multidão que aguardava a saída da Virgem começou a se mover às 6h30. Apolo Brito colara no senador Fonteles já dentro da Catedral e quando ele enveredou na multidão rumo à Corda.
A corda não é como o cânhamo
a envira, a juta, a malva, manilha
trançada torcida e retorcida
em mãos paradas
em círculo estático
formando uma muralha.
É o caminhar sem caminhar
o andar sem andar
o rezar sem rezar
a simples fé na Santa do lugar…
Enquanto seguia o senador Fonteles, Apolo Brito lembrou o Discurso Sobre a Corda, de Benedicto Monteiro, que Batista Campos declamara no dia anterior, e também um poema de João de Jesus Paes Loureiro:
Quisera ser essas folhas de mangueira
à tua passagem
e te roçar de leve com meus lábios.
Quisera ser esse raio de sol
por entre as folhas,
para tocar tua imagem e te aquecer.
Quisera ser essa brisa
das manhãs de Belém,
para agitar levíssimo o teu manto.
Quisera ser um hino
a rebrotar dos lábios das crianças.
Um hino em teu louvor!
Quisera ser os passos da paixão
te acompanhando,
como o peixe acompanha
a procissão das águas,
como o tema da canção
que passa
por entre a melodia.
Quisera ser as sílabas do amor
para a linguagem ser dos que te amam.
A Corda media 400 metros de comprimento e duas polegadas de diâmetro. Utiliza-se aquele tipo de corda na ancoragem de navio. Era de sisal oleado e pesava uma tonelada. Cerca de 7 mil pessoas a carregavam, aglomeradas como formigas, o suor escorrendo sob 33 graus centígrados, potencializados talvez para 40.
O senador Fonteles apenas se aproximara da Corda, de modo que pudesse ver aquele formigueiro móvel e assim irmanar-se a ela pela mente, pois se fizesse isso fisicamente estaria morto. Atrás dele, Apolo Brito o seguia. O senador era alto para os padrões dos amazônidas. Lembrava Castro Alves. Dona Eleonora não fora. Apolo Brito identificou dois seguranças. Cabanos, certamente. Mas qualquer pessoa, inclusive os seguranças, poderia se aproximar do senador Fonteles e dar uma insuspeita espetadinha nele.
“Maria, a bem-aventurada porque acreditou.” A Corda lembrava a cobra grande, ao som de 2,2 milhões de romeiros que desaguavam dos afluentes no rio principal, de 3,7 quilômetros, numa “demonstração de fé única, que não pode ser descrita, mas vivida” – dissera o arcebispo dom Alberto Taveira. Quando a Virgem chegou o mais perto do edifício Manoel Pinto da Silva, um ícone arquitetônico da Amazônia, inaugurado em 1958, de 25 andares e 100 metros de altura, na confluência da Praça da República e avenidas Presidente Vargas, Nazaré e Serzedelo Correa, uma chuva de papel picado turvou o céu. Apolo Brito julgou ter visto Jarbas Barata no primeiro andar.
Dali, o Círio se arrastou pela Avenida Nazaré, sob o túnel de mangueiras, até a Basílica de Nazaré, na Praça Santuário, onde chegou ao meio-dia. Então a população imensa foi se diluindo, rumo ao banquete do Círio. Consome-se cerca de 100 toneladas de pato, 60% congelados, importados do Canadá e do Rio Grande do Sul, porque a produção local não dá conta.
Contudo, o prato mais consumido é maniçoba. Além de maniçoba e pato no tucupi, os mais abastados se banqueteiam também de vatapá, caruru, pescada ao molho de camarão, unha de caranguejo, bolo de macaxeira, suco de taperebá, de cupuaçu, de graviola, açaí com farinhas de tapioca e d’água, tacacá.
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