Uma análise dos dados do Kepler da NASA aumenta o número de exoplanetas que seriam habitáveis que se acredita existam nesta galáxia
Há dez anos, um grupo de astrônomos decidiu investigar uma das mais antigas questões que instigam filósofos, cientistas, sacerdotes, astrônomos, místicos e o restante da espécie humana: Quantas Terras poderão existir lá fora, se é que existem? Quantos planetas distantes existem que possam abrigar a vida como a conhecemos?
O seu instrumento foi a espaçonave Kepler, lançada em março de 2009 em uma missão de 3 anos e meio para monitorar 150 mil estrelas em um trecho do céu na Via Láctea. Ela procurava minúsculos pontos negros na luz das estrelas causados por exoplanetas ao passarem em frente à sua estrela mãe.
“Não é o E.T., mas a casa do E.T.,” disse William Borucki quando a missão foi lançada em março de 2009. Foi Borucki, um astrônomo hoje aposentado do Ames Research Center da NASA que idealizou o projeto e passou vinte anos procurando convencer a NASA a transformá-lo em realidade.
Antes que a espaçonave finalmente descarregasse seus dados em 2018, havia descoberto mais de 4 mil mundos candidatos entre aquelas estrelas. Até o momento, nenhuma mostrou sinais de vida ou de habitação. (É verdade, eles eram distantes e difíceis de serem estudados.) Extrapolada, esta cifra sugere que há bilhões de exoplanetas na galáxia da Via Láctea. Mas quantos deles serão potencialmente habitáveis?
Depois de esmiuçar os dados da Kepler por dois anos, uma equipe de 44 astrônomos chefiada por Steve Bryson da NASA Ames chegou à resposta que afirmam ser definitiva, pelo menos por enquanto. O seu documento foi aceito para publicação na revista Astronomical Journal.
O objetivo formal da Kepler era medir um número chamado eta-Terra: a fração de estrelas semelhantes ao sol que têm um objeto do tamanho da Terra na sua órbita nos “cachos dourados”, ou zonas habitáveis, onde faz calor suficiente para que a superfície retenha água no estado líquido.
A equipe calculou que pelo menos 33%, e talvez até mesmo 90%, das estrelas semelhantes em massa e brilho ao nosso sol têm rochas como a Terra em suas zonas habitáveis, cujo alcance reflete a confiança dos pesquisadores em seus vários métodos e pressupostos. Este não é um pequeno golpe de sorte, seja qual for o lado de onde você o observa.
Segundo estimativas da NASA há pelo menos 100 bilhões de estrelas na Via Láctea, cerca de 4 bilhões das quais são como o sol. Se apenas 7% destas estrelas tiverem planetas habitáveis – estimativa consideravelmente conservadora – poderá haver 300 milhões de Terras habitáveis em potencial apenas na Via Láctea.
“Queremos ser bastante conservadores no caso de a natureza ter alguma surpresa em relação à habitabilidade”, disse Ravi Kumar Kopparapu, um pesquisador do Centro de Voos Espaciais em Greenbelt, Maryland, um dos autores do relatório. “Por isso estamos subestimando intencionalmente as estimativas”.
Em média, os astrônomos calcularam que o planeta mais próximo deveria estar a cerca de 20 anos luz de distância, e haveria quatro deles a cerca de 30 anos luz, aproximadamente, do sol.
“Levou 11 anos do lançamento à publicação, mas é isto”, disse Natalie Batalha, astrônoma da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que chefiou a missão Kepler na maior parte de sua vida e é uma das autoras do novo documento, em um e-mail triunfante. “Este é o resultado da ciência pelo qual todos nós esperávamos – a razão pela qual a Kepler foi escolhida para voar em dezembro de 2001.”
O novo resultado significa que a galáxia é ao menos duas vezes mais fértil do que o calculado em uma das primeiras análises dos dados da Kepler, em 2013. Esta descoberta de Andrew Howard, Erik Petigura e Geoffrey Marcy, que não fizeram parte da equipe do Kepler, concluiu que cerca de 20% das estrelas semelhantes ao sol têm planetas em suas zonas habitáveis.
Batalha afirmou que desta vez um incremento foi o acréscimo de dados do satélite europeu GAIA, que mediu a posição e o brilho de 1 bilhão de estrelas. Este conhecimento permitiu que os cientistas da Kepler traçassem com maior precisão o mapa das zonas habitáveis de suas estrelas.
Outra melhoria foi a maneira de trabalhar com as estatísticas, embora como observou Batalha, “as pesquisas sejam incompletas. Assim como você não pode convocar cada cidadão, você não pode observar todas as estrelas”.
No caso da Kepler, esta limitação foi grave. O sistema de orientação da espaçonave falhou antes que a Kepler pudesse completar a sua pesquisa mais importante, o que a limitou a detectar planetas que tinham períodos orbitais de menos de cerca de 700 dias – ou duas vezes a duração de um ano na Terra.
Em um e-mail, David Charbonneau, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, disse que estava um tanto cético com os resultados. “A Missão Kepler não detectou muitos (provavelmente nenhum) verdadeiros análogos da Terra, ou seja, planetas com o mesmo raio da Terra E orbitando no mesmo período, e, portanto, recebendo a mesma quantidade de luz, E orbitando estrelas como o sol”.
Como Batalha disse na época: “Nós ainda não temos nenhum candidato a planeta exatamente análogo à Terra em termos de tamanho, órbita ou tipo de estrela.” Ainda não temos. Consequentemente, os astrônomos tiveram de extrapolar dados dos planetas que puderam ver de fato.
Embora estes planetas da Kepler sejam do tamanho da Terra – de metade a 1,5 vezes o raio da Terra – e sejam supostamente rochosos, ninguém sabe como eles são com detalhes, nem se alguma coisa vive, ou poderia viver neles. São demasiado distantes para serem estudados. Até o momento nós temos conhecimento de apenas um planeta, o nosso, que abriga a vida. Fonte: Estadão. Tradução de Anna Capovilla, de texto original publicado pelo The New York Times.
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