A defesa do senador quer depoimento do deputado federal Keniston Braga a favor de Faro, chutando o julgamento para 2025. A procrastinação já dura dois anos. O Ver-o-Fato traz fatos novos. Ouça as escandalosas gravações no final desta reportagem.
O processo eleitoral contra o senador paraense Beto Faro (PT), carregado nas costas e eleito em 2022 sob peso indiscutível da máquina controlada pela família Barbalho, finalmente saiu de seu sono letárgico no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e está pronto para ser julgado. Antes disso, uma nova manobra de advogados de Faro tenta impedir que o julgamento seja colocado em pauta antes do final deste ano. Tudo por conta de uma testemunha do senador aos 45 do segundo tempo.
O Ver-o-Fato traz fatos novos sobre o caso e revela como as articulações políticas por detrás desse processo são capazes de demonstrar o jogo pesado do poder no Pará em benefício de apaniguados e aliados de ocasião. Em entrevista ao Ver-o-Fato no dia 15 do mês passado, o ex-senador Mário Couto, adversário de Faro na eleição de 2022, foi taxativo ao afirmar que “há provas de corrupção” que podem redundar na cassação do mandato do petista.
“O TRE tem um papel crucial em assegurar a integridade das eleições e em manter a confiança pública nas instituições. No entanto, a forma como o processo tem sido conduzido levanta sérias questões sobre a eficácia e a imparcialidade do tribunal. É essencial que o TRE prove que está à altura da sua responsabilidade, agindo de maneira transparente e eficiente”, afirmou Couto..
A procrastinação no andamento desse processo é evidente e preocupante. As denúncias gravíssimas de compra de votos, com gravações (ouça-as no final desta matéria), depoimentos de testemunhas, além do apoio explícito de uma empresa com robustos e milionários contratos com órgãos do governo estadual sob comando de Helder Barbalho, chamam a atenção para o escândalo que isso representa.
O senador foi procurado pelo Ver-o-Fato para falar sobre as denúncias, mas não respondeu às mensagens. A assessoria dele prometeu manifestação, mas não enviou sequer uma nota oficial do gabinete. O espaço continua aberto.
Assédio eleitoral comprovado
Em um documento obtido com exclusividade pelo Ver-o-Fato e incluído no processo que corre no TRE sob segredo de justiça, a empresa Kapa Capital Facilities Ltda, personagem destacada no olho do furacão do caso, chegou à ousadia de assediar e coagir seus próprios empregados para trabalhar em favor de Beto Faro. O assédio eleitoral não passou em branco do fiscal da lei, o MPT-Pará.
No dia 11 de abril de 2023, na presença do procurador do Trabalho, Marcius Cruz da Ponte Souza, advogados da Kapa e seu presidente, Octávio Augusto da Fonseca Pacheco, assinaram na sede do MPT um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e pagaram R$ 300 mil de multa, em seis prestações de R$ 50 mil, para ” abster-se, por si ou por seus prepostos, de obrigar, exigir, impor, induzir ou pressionar trabalhadores para realização de qualquer atividade ou manifestação política em favor ou desfavor a qualquer candidato ou partido político”.
Além de ser obrigada a contratar um profissional para dar palestras aos empregados dentro da empresa contra o assédio eleitoral, a Kapa Capital também foi obrigada, no TAC, a dar “ampla e geral publicidade” entre seus funcionários do seguinte comunicado: ” A Kapa Capital vem a público reafirmar seu comprometimento com o Estado Democrático de Direito, a liberdade partidária e a autonomia de seus colaboradores, razão pela qual reprova, não apoia e não concorda com qualquer conduta ilegal que venha atingir tais direitos, como a concessão ou de realização de qualquer promessa de concessão de benefício ou vantagem a trabalhadores em troca do voto em determinado candidato nas eleições”
Mais adiante, o comunicado resume: “Afirma o direito de seus empregados de livre escolha de seus candidatos nas eleições, independentemente do partido ou ideologia política, garantindo a todos os seus funcionários que não serão adotadas medidas de caráter retaliatório, como a perda de emprego, caso votem em quaisquer candidatos de sua escolha, tampouco será realizada campanha pró ou contra determinado candidato”.
O TAC, na verdade, acabou sendo a confissão da empresa do assédio que ela praticava contra os empregados para trabalhar em favor de Beto Faro em troca de vantagens, como demonstram as gravações na qual o próprio presidente da Kapa e um gerente participam diretamente do fato. Na conversa, teria havido a compra de votos denunciada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) que macula o mandato do senador petista.
A defesa de Faro e o deputado Keniston
O jogo da morosidade processual era tão claro e inquietante que, ainda no mês de setembro passado, o presidente do TRE, desembargador Leonam Cruz, e a juíza eleitoral Rosa Navegantes – ambos conhecidos e admirados pela integridade moral e compromisso com a justiça – durante uma sessão pública da corte se manifestaram de maneira contundente, cobrando do relator do processo, no caso o juiz Rafael Fecury, a urgência de levar a questão a julgamento, pois a demora de dois anos não fazia sentido.
Incomodado com a cobrança, Rafael Fecury disse ao Ver-o-Fato que nunca houve engavetamento do caso, como chegou a ser divulgado pela mídia, enfatizando que sempre deu celeridade aos processos que passam pelas mãos dele. “Há prazos que precisam ser respeitados durante a tramitação e as partes estão sempre se manifestando”, explicou.
De acordo com a apuração do Ver-o-Fato, nesses dois anos em que o processo não andou, a maior parte esteve na dificuldade de localizar uma das pessoas arroladas na denúncia do Ministério Público Eleitoral, enquanto outros oito meses foi o tempo em que os autos teriam ficado em poder do Ministério Público. A denunciada acabou sendo citada por edital. O relator Fecury disse que sem mais problemas, o caso poderia entrar na pauta de julgamento ainda neste mês de outubro. O mês está acabando e isso não ocorreu.
O Ver-o-Fato, porém, antecipa que esse julgamento corre o risco de não acontecer sequer até neste final de ano, devendo ser pautado somente em 2025, já que no dia 19 de dezembro próximo o Judiciário entra em recesso.
O novo “problema”, com cheiro de manobra procrastinatória: a defesa de Beto Faro arrolou como testemunha do senador, o deputado federal Keniston Braga (MDB), que ao que se sabe nada de importante teria a declarar em favor de Faro para rebater a denúncia de compra de votos. A não ser uma suposta conversa da qual Braga teria testemunhado com o interlocutor de Faro e que não envolveria compra de votos. O depoimento do deputado deve ocorrer no próximo dia 4 de novembro.
Novo adiamento, um tiro na credibilidade
O Brasil vive um momento crítico em sua trajetória democrática, enfrentando uma verdadeira encruzilhada civilizatória. Denúncias de corrupção e compra de votos, como as que envolvem o senador Beto Faro, representam não apenas desvios éticos e legais, mas também um ataque frontal ao direito do povo de eleger seus representantes de forma livre e justa.
Quando processos como este são adiados indefinidamente, a mensagem transmitida é de que a justiça pode ser protelada, dependendo da capa do processo, e isso abre um perigoso precedente para a perpetuação de práticas que priorizam o poder pelo poder, em detrimento dos verdadeiros interesses da população.
O desfecho deste julgamento será um importante termômetro para a sociedade brasileira, que espera ver o sistema de justiça atuando com firmeza e imparcialidade, sem dar abrigo a quem busca distorcer a vontade popular para garantir seus próprios interesses. O que está em jogo é mais do que uma cadeira no Senado; é a própria credibilidade do processo eleitoral e a confiança do povo no sistema democrático.
O que diz a denúncia contra Faro
O Ministério Público Eleitoral (MPE) apresentou duas ações que acusam Beto Faro de ter utilizado um esquema de compra de votos para assegurar sua eleição. As denúncias, detalhadas na Representação Especial nº 0602661-35.2022.6.14.0000, enviada em janeiro de 2023, e na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 0600006-56.2023.6.14.0000, movida pelo Partido Liberal (PL), são acompanhadas de provas robustas, incluindo gravações, documentos e depoimentos.
As investigações indicam que a empresa Kapa Capital Facilities Ltda., de propriedade de Otávio Pacheco – que foi procurado e recebeu mensagem de whatsapp do Ver-o-Fato para se manifestar, mas não retornou as ligações – , teria desempenhado um papel central no esquema de captação ilícita de votos.
Durante uma reunião gravada e disponibilizada à Justiça, Pacheco teria admitido atuar nesse tipo de operação há mais de 12 anos, afirmando que nunca havia enfrentado problemas legais até então. A gravação, considerada a prova-chave no processo, foi periciada pela Polícia Federal e revela a suposta prática de compra de votos por meio da distribuição de benefícios, como tickets alimentação, em troca de apoio eleitoral a Beto Faro.
A gravação que embasa a denúncia flagra um encontro realizado pouco antes das eleições de 2022, no qual diretores da Kapa Capital e funcionários públicos discutem estratégias para impulsionar a candidatura de Faro. A reunião, realizada no escritório da empresa e também na sede do Bancrévea, incluiu a promessa de ampliar a votação do candidato para um patamar entre 500 mil e 800 mil votos.
Em determinado momento, o próprio Beto Faro aparece em um vídeo transmitido durante o encontro, pedindo “apoio” aos presentes, o que reforça a suspeita de seu envolvimento direto no esquema.
Relação suspeita da Kapa com o governo Helder
A empresa Kapa Capital Facilities Ltda passou de uma organização modesta a uma gigante do setor de serviços no Pará durante o período da pandemia de Covid-19. Em um curto espaço de tempo, acumulou mais de 35 contratos com órgãos estaduais, totalizando centenas de milhões de reais em valores contratados.
Entre os contratantes estão importantes instituições como a Secretaria de Educação (Seduc), o Instituto de Gestão Previdenciária (Igepps), hospitais estaduais e a Fundação Cultural do Pará. Levantamentos apontam que a empresa também obteve contratos emergenciais, sem licitação, reforçando suspeitas de favorecimento e conivência de setores públicos na facilitação desses acordos.
Coação de testemunhas e manipulação de provas
O desenrolar do caso não foi isento de tentativas de interferência. Desde que as acusações vieram à tona, diversas testemunhas relataram pressões e tentativas de coação para que não colaborassem com as investigações. Até ameaças veladas foram relatadas. No entanto, as provas apresentadas pelo MPE são consideradas substanciais e, além de gravações e depoimentos, incluem documentos que foram analisados e confirmados por diferentes órgãos, incluindo o Ministério Público do Trabalho, como já citado nesta matéria.
O impacto potencial dessa investigação é significativo, especialmente considerando que Beto Faro venceu as eleições de 2022 com uma vantagem de pouco mais de 200 mil votos sobre o segundo colocado, Mário Couto. Se confirmada a cassação do registro, haveria uma eleição suplementar para preenchimento da vaga de Faro.
Kapa Capital: A “Hinode dos Votos”
As operações da Kapa Capital foram descritas por críticos como uma espécie de “Hinode dos votos”, uma referência a um sistema de marketing de rede, só que aplicado a um esquema de captação eleitoral ilícita. Segundo as denúncias, a primeira delas publicada com exclusividade pelo site do jornalista Olavo Dutra, funcionários da empresa, muitos deles indicados políticos, foram coagidos a participar do esquema de compra de votos, que envolvia também a distribuição de benefícios disfarçados, como tickets alimentação.
A empresa, que assinou contratos de milhões com diversas secretarias e órgãos estatais, teria se beneficiado de um ambiente permissivo criado pela falta de fiscalização e pelas relações próximas com políticos influentes.
OS ÁUDIOS COMPROMETEDORES