André Marsiglia – advogado constitucionalista
Não sou bom em física, mas sei que tudo que estica uma hora volta ao estado normal. É assim com o elástico de um estilingue, e também será com os exageros abusivos de nossa mais alta Corte.
O problema é que, diferentemente do elástico do estilingue, os abusos deixarão marcas eternas em todos nós. Já faz 2 anos que o STF está julgando senhoras de idade e pipoqueiros que estavam nos atos do 8 de Janeiro por golpe de Estado. E ainda falta muito. Faz mais de 5 anos que o STF abriu o inquérito 4781, chamado das fake news, e o desdobrou em uma dezena de outros procedimentos. E não há notícia de que pensa em os encerrar.
Ou seja, uma criança que em 2019 tinha 13 anos, hoje está com 18, em um banco universitário, tendo passado toda a sua vida intelectualmente ativa acreditando que é normal uma Corte constitucional ser dotada de competência para investigar tudo e todos a qualquer momento, que é natural depredação de patrimônio público e baderna serem tratados como golpe de Estado e terrorismo, que ministros palpitarem na vida política do país faz parte do jogo, que políticos terem imunidade parlamentar só para falar bem de governantes e juízes é o caminho certo. E crendo também que censura higieniza o debate, que liberdade de expressão é um perigo e que a direita tem um discurso extremista.
Um amigo empresário, outro dia, me contou que, ao visitar a China, ouviu um jovem lhe dizer não sentir falta da liberdade. Segundo ele, preferia a harmonia social proporcionada pelo Estado à liberdade. Com efeito. Quem nunca soube o que é liberdade não terá mesmo condições de acreditar em sua importância. Eu nunca tive uma mansão de frente para a praia e facilmente concluo que seja desnecessária à minha vida.
No Brasil da censura, o pior ainda está por vir. Quando o autoritarismo abusivo dos inquéritos e dos famigerados julgamentos passar, teremos de herança uma jurisprudência agressiva e uma juventude conformada com ela. Jovens acreditando que é dessa forma que se faz justiça no país e que é a isso que se deve chamar de democracia.
Estes mesmos jovens serão os próximos quadros a ocuparem cargos no governo e na política, nas empresas e nas cadeiras do Judiciário. Serão os próximos jornalistas, articulistas e advogados. Formarão a massa crítica do país, emburrecida por uma cultura autoritária decorrente do período que estamos vivendo neste exato momento.
Quando houver o recuo do estilingue do STF, o estrago já estará feito. Meus textos estarão em uma gaveta, em uma estante, dentro dos livros empoeirados que escrevi. Os jovens, como é natural, preferirão lidar com a realidade prática de seu tempo, antes de lidar com a memória do nosso. Sem que vejam, sem que sintam, sem que notem, tudo de bizarro, autoritário e censório estará normalizado.