Os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino, ambos indicados pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Supremo Tribunal Federal (STF) em seu terceiro mandato, se alinharam no julgamento que sepultou de uma vez por todas a expectiva dos aposentados na revisão da vida toda. A tese foi admitida pelo próprio STF, que agora, sob pressão do governo federal, mudou seu entendimento, prejudicando milhões de aposentados.
Os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram a favor dos aposentados. Já os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Kassio Nunes Marques tiveram posicionamento contrário, o que derrubou a tese.
O governo alardeou, antes do julgamento, que o impacto estimado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 seria de R$ 480 bilhões nas contas públicas e que isso, caso a revisão fosse aprovada, iria quebrar a Previdência, mas dados levantados por advogados do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) apontam um valor bem menor: R$ 1,5 bilhão.
O levantamento feito pelos advogados Fábio Zambitte Ibrahim e Carlos Vinicius Ferreira estima que cerca de 2,5 milhões de pessoas poderiam ter direito à revisão das aposentadorias e que há, hoje, cerca de 41 mil ações judiciais sobre o tema. Já a Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o INSS no processo, diz que as bases de dados oficiais mostram 6,9 milhões de benefícios potencialmente atingidos.
Para o IBDP, o cálculo feito pelo INSS desconsidera os casos que já caducaram (em razão do prazo de 10 anos para solicitar revisão). O instituto diz que o valor de R$ 480 bilhões também é superestimado porque nem todos os aposentados teriam vantagem com a revisão. A decisão do STF é vantajosa, sobretudo, para pessoas que tinham salários maiores antes dessa data ou para quem contribuiu para o INSS na época e depois parou.
Em nota ao Estadão/Broadcast, a AGU disse que as premissas do estudo dos advogados do IBDP estão incorretas e que a revisão da vida toda demandará a avaliação de documentos que o INSS não possui em seus sistemas, porque não eram exigidos no passado. “Sem o devido embasamento, o parecer também afirma que somente 15% das pessoas teriam vantagem econômica com a revisão da vida toda – mas é impossível precisar o universo de segurados que se enquadrarão nessa situação sem que se saiba o recorte definitivo que será feito pelo STF”, disse a AGU.
“As reformas da Previdência vieram para enfrentar um déficit crescente e crônico que levaria o País à falência. Não se deve interpretar mudanças previdenciárias no sentido de que elas vieram para melhorar a vida do segurado”, disse o ministro Luís Roberto Barroso no julgamento.
Dino, que se posicionou de forma favorável ao pleito do governo, disse que “não devemos fazer interpretação casuística” e que dispensa “considerações sobre se isso é bom ou ruim para tais e tais segmentos”.
Advogados que acompanhavam o julgamento criticaram a decisão. “Utilizaram todas as manobras possíveis para derrubar a revisão da vida toda, mesmo depois de os aposentados terem ganhado em dois plenários, e dessa vez, infelizmente, eles conseguiram”, avaliou o advogado João Badari, membro da diretoria do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev).
Entenda
Embora o objeto do julgamento desta quinta fosse o fator previdenciário, já era consenso que essa regra seria declarada constitucional, dada a jurisprudência do Supremo sobre o tema até agora.
O foco da discussão girou em torno do impacto deste julgamento na decisão sobre a revisão da vida toda, quando o Supremo reconheceu, em 2022, o direito dos segurados de optar pela regra mais vantajosa para o cálculo do benefício.
Em dezembro de 2022, a maioria dos ministros considerou que os aposentados têm o direito de optar pela aplicação da regra mais benéfica no cálculo da aposentadoria, permitindo que aqueles que entraram na Justiça possam pedir o recálculo do benefício com base em todas as contribuições feitas ao longo da vida. Até então, só eram contabilizadas as contribuições a partir de 1994, momento de estabilização do real.
O INSS alega perdas bilionárias com a revisão das aposentadorias. Os processos de segurados que pedem a revisão da vida estavam interrompidos desde julho do ano passado, quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o trâmite em todas as instâncias da Justiça. Na decisão, ele assinalou que a suspensão valeria até o fim do julgamento do recurso.
O tema voltou a ser julgado nesta quinta porque, dentro da mesma lei que instituiu o fator previdenciário, também está a regra de transição que estabeleceu que apenas as contribuições após julho de 1994 seriam contabilizadas no benefício.
No entendimento da maioria dos ministros, uma liminar proferida pelo Supremo há 24 anos já reconhecia a constitucionalidade da regra de transição. Por isso, o julgamento da revisão da vida toda sequer poderia ter permitido que os segurados optassem pela regra geral.
Fator previdenciário
O STF julgou nesta quinta uma ação que questiona o fator previdenciário, índice criado em 1999 que considera vários critérios para definir o valor das aposentadorias. Ele tinha o objetivo de incentivar o segurado a trabalhar por mais tempo. Para isso, reduzia o benefício de quem se aposentava antes. Em 2019, a reforma da Previdência substituiu o fator por outras formas de cálculo. Mas ele ainda é aplicado em casos que se enquadram nas regras de transição ou quando o segurado já tinha o benefício antes da reforma.
Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast já avaliavam como “praticamente nula” a chance de o Supremo declarar a inconstitucionalidade do fator previdenciário. Isso porque a Corte se manifestou, em outros momentos, a favor da validade da regra. A ação tramita há 25 anos no Supremo.