Líder do governo e senadores da base aliada somaram-se à oposição e votaram a favor da proposta que limita decisões monocráticas no Supremo
O Senado aprovou nesta quarta-feira, 22, a Proposta de Emenda à Constituição PEC 8/2021 que limita as decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federa (STF). A matéria teve três votos a mais do que o necessário, com aprovação de 52 senadores e 18 votos contrários. Entre os favoráveis, estão parlamentares da base do governo, em um cenário visto por ministros da Corte como “traição”, em bastidores revelados pelo Estadão.
O próprio líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), votou a favor da proposta, contrariando a decisão do PT que orientou seus senadores a votar “não”. Os outros sete senadores da legenda seguiram a orientação, mas parlamentares dos demais partidos da base do governo somaram-se à oposição na votação que limitou os poderes do STF.
No PSB do vice-presidente Geraldo Alckmin, os senadores Flávio Arns e Chico Rodrigues foram favoráveis à proposta, Jorge Kajuru foi contra. Já no MDB, que também é da base do governo, foram favoráveis os senadores Alessandro Vieira, Fernando Dueire, Giordano e Ivete da Silveira. Foram contra Confúcio Moura, Marcelo Castro e Fernando Farias.
PSD e PDT, que têm ministérios no governo Lula, também apresentaram votações divididas. No PSD — partido de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado — foram sete senadores favoráveis e quatro contrários, enquanto o PDT ficou com um senador de cada lado.
Nos casos do União Brasil e do PP, que também estão representados com ministérios como parte do acordo do presidente Lula com o Congresso, todos os senadores foram favoráveis à PEC.
Também votaram com unanimidade a favor da proposta os partidos Novo, Podemos e PSDB. O PL, legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e principal partido da oposição, teve 11 votos favoráveis e apenas um contrário: o do senador Romário.
Ainda na quarta-feira, antes da votação, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, eximiu o governo de opiniões a respeito da PEC. De acordo com o ministro, discussões como essa, que envolvem disputas entre os Poderes, não “são temas em que o governo tem posição”. “O governo não pode ter uma opinião ou orientação sobre um voto num tema em que ele não tratou e não tratará”, disse Pimenta.
Saiba mais sobre a PEC
A PEC 8/2021 tem como principal destaque a proibição de decisões monocráticas. Na prática, o texto estabelece que os magistrados ficarão impedidos de suspender por meio de decisões individuais a vigência de leis aprovadas pelo Legislativo. A medida também vale para leis analisadas pelos tribunais estaduais.
Esse tipo de decisão passa a ser permitida apenas ao presidente da Corte e somente durante o recesso do Judiciário em casos de “grave urgência” ou “risco de dano irreparável”. Mesmo nessas situações, o tribunal fica responsável por julgar o caso em até 30 dias após a retomada dos trabalhos. Caso não ocorra neste período, a decisão perde a eficácia.
Em uma emenda apresentada de última hora pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), definiu-se que os ministros ainda podem derrubar por meio de decisão individual atos normativos do governo federal.
O relator da PEC, senador Esperidião Amin (PP-SC) ainda acatou uma proposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que as Casas Legislativas de onde saírem as medidas eventualmente questionadas no STF sejam procuradas para se manifestar antes de os ministros tomarem a decisão de suspendê-las ou não. Atualmente as manifestações da Câmara e do Senado não são obrigatórias.
Além disso, em um acordo que envolveu até mesmo parlamentares da base do governo, Amin retirou do relatório o estabelecimento de um prazo de validade de 180 dias para os pedidos de vista (suspensão de julgamento). A mudança também foi fruto de conversa de Pacheco com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, na última terça-feira. De acordo com o presidente do Senado, o magistrado “compreende” que a intenção é “melhorar a relação entre os poderes”.
Além disso, a PEC estabelece que processos no STF que peçam a suspensão da tramitação de proposições legislativas ou que possam afetar políticas públicas ou criar despesas para qualquer Poder também ficarão submetidas às mesmas regras.
Outro importante refere-se a decisões cautelares que pedem inconstitucionalidade de lei. O mérito do caso precisará ser julgado em até seis meses. Caso contrário, as decisões passarão a ser prioritárias sobre os demais processos.
Gilmar e Barroso esperneiam
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, criticaram nesta quinta-feira a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na quarta-feira no Senado que altera o funcionamento do tribunal e limita seus poderes.
De acordo com Barroso, a Corte “não vê razão” para mudanças em seu funcionamento. O presidente do STF também afirmou que há temas “importantes e urgentes” que deveriam estar sendo debatidas no lugar.
“Nesse espírito de diálogo institucional, o Supremo Tribunal Federal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento. Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federa”, afirmou Barroso, no início da sessão desta quinta.
Gilmar, por sua vez, afirmou que recebeu “recados” de que a PEC aprovada seria um “mal menor”, para impedir outras propostas mais graves ou mesmo um processo de impeachment. Para o ministro, isso é uma “ameaça” que não será aceita. (AE)