Mesmo já tendo recebido as verbas do Ministério da Saúde para pagar o piso salarial da enfermagem, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, a grande maioria dos prefeitos do Pará descumpriu a lei e não pagou os salários corrigidos do mês de agosto, deixando os profissionais da área decepcionados e desnorteados.
Para onde foi todo o dinheiro repassado pelo Ministério da Saúde? É a pergunta que enfermeiros, enfermeiras, técnicos de enfermagem e demais profissionais do setor fazem nesse momento, em que dizem se sentir enganados pelos gestores municipais e pelo governo federal.
De acordo com membros da categoria, vários dos 144 prefeitos do Pará e secretários de saúde já haviam prometido pagar o piso no final de agosto, dizendo que o dinheiro estava garantido, mas no último minuto do segundo tempo disseram que não iriam mais pagar, sem apresentar justificativa.
O Conselho Regional de Enfermagem (Coren/PA) não se pronunciou oficialmente sobre o assunto até o momento, o que causou estranheza, pois a direção do órgão tem divulgado na grande imprensa e nas redes sociais que acompanha a luta da enfermagem com grande interesse.
“Nenhuma manifestação sobre a falta do pagamento do piso da enfermagem, nenhuma nota, nada. Está no mínimo estranha a posição do Coren”, comentou um enfermeiro que não será identificado a pedido.
Foram R$ 7,3 bilhões os recursos liberados – inclusive com grande publicidade – pelo Ministério da Saúde para o pagamento do piso, que já estão nas contas das prefeituras e dos governos estaduais e do Distrito Federal. Mas a grande parte dos servidores de saúde não viu a cor desse dinheiro.
Os prefeitos foram orientados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) a descumprirem a lei e não pagarem os direitos dos trabalhadores, sob a alegação, sem a apresentação de qualquer argumento técnico, de que os recursos não são suficientes para cobrir os gastos com os aumentos salariais.
A alegação da CNM, conforme os enfermeiros, não é legítima, uma vez que o Ministério da Saúde se encarregou de levantar a situação em cada município para liberar os recursos necessários, baseando-se em dados fornecidos pelos próprios municípios, através das secretarias de saúde.
Para os enfermeiros e enfermeiras, a manobra da CNM é para pressionar o governo federal a aumentar em 1,5% os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) no orçamento nacional, como “medida permanente e que aporta recursos financeiros que poderão ser aplicados para o cumprimento do piso”. Ocorre que, na avaliação de observadores, na prática, isso seria uma forma de desviar recursos.
“Queremos a intervenção do Ministério Público Federal para que informe aos profissionais de saúde e à sociedade em geral, pois os recursos são públicos, o que os prefeitos estão fazendo com todo esse dinheiro”, disse uma enfermeira ouvida pelo Ver-o-Fato.
O piso da enfermagem mobiliza a categoria desde 2020. Três projetos já foram aprovados no Congresso Nacional para viabilizá-lo, incluindo uma emenda constitucional.
Mesmo assim, a implementação foi suspensa pelo ministro Luís Roberto Barroso (chamado de “inimigo da enfermagem”) e depois pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF). “Quando finalmente os profissionais da enfermagem esperavam botar a mão no suado dinheiro, levaram um banho de água gelada dos prefeitos”, completou outro enfermeiro.
(O Ver-o-Fato mantém em sigilo os nomes de seus entrevistados para evitar que eles sofram retaliações)