O Ministério da Fazenda prepara um pacote para maio visando impulsionar a economia com ações sustentáveis. Batizado de Plano de Transição Ecológica, o projeto está dividido em seis eixos, com medidas escalonadas ao longo dos próximos meses. O “pacote verde” inclui incentivos para o mercado de crédito de carbono, produção de painéis solares e ampliação da participação de produtos da floresta nas exportações, entre outros pontos.
“A estruturação está sendo feita dentro da Fazenda, com todos mergulhados no tema, mas o governo inteiro está engajado”, disse ao Rafael Dubeux, assessor especial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Estadão/Broadcast. O cargo de Dubeux, inédito no ministério, aponta para a importância que o governo quer dar ao tema.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deixou claro que quer fazer do Brasil uma vitrine sustentável lá fora. Além disso, prometeu à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que as questões verdes seriam tratadas de forma transversal por toda a Esplanada. Além de ações específicas de cada Pasta, a Fazenda está coordenando as ações com Minas e Energia, Agricultura e o próprio MMA, sobre o tema. O órgão tem uma subsecretaria verde dentro da Secretaria de Política Econômica (SPE) e pretende emitir títulos soberanos sustentáveis no segundo semestre.
A intenção é que o anúncio oficial seja feito no mês que vem porque o Brasil sediará um evento de conselho de fundos climáticos em junho, com previsão de discurso de Haddad, e o País quer mostrar ao mundo que está atuando em várias frentes sustentáveis.
“A bola está quicando no Brasil e o ministro da Fazenda está entusiasmado com a pauta. Os compromissos do governo estão cada vez mais claros nessa área”, garantiu. Além disso, a partir de dezembro, o Brasil se tornará o anfitrião do grupo das 20 maiores economias do globo (G20) e quer tornar a sustentabilidade como o tema central das discussões.
Não se tratará apenas de processos de descarbonização da economia, conforme o compromisso feito no Acordo de Paris. “É aproveitar essa pegada para fazer uma transformação no setor produtivo brasileiro e que se torne uma vantagem para o Brasil, não apenas um custo. Até porque o custo de não fazer nada seria maior”, disse o assessor.
Incentivos econômicos
O primeiro eixo é o de “Incentivos Econômicos”, onde está inserido o mercado de crédito de carbono ou “títulos verdes”, que podem ser adquiridos por empresas que emitem gases nocivos à atmosfera. O dinheiro usado nessa troca vai para a conservação de florestas públicas ou privadas. A ideia é elaborar com o Banco Central uma taxonomia verde, ou seja, uma classificação que permite identificar quais atividades contribuem com impactos positivos para o meio ambiente e quais oferecem riscos.
Como a União Europeia é a região do planeta mais desenvolvida nesse tema e com negócios com o Brasil, o provável é que os parâmetros internos sejam definidos por meio dessa referência. Na América latina, Colômbia e México já desenvolveram regras de taxonomia.
Adensamento tecnológico
O segundo eixo é o de adensamento tecnológico do setor produtivo, que engloba a Revolução 4.0, conceito que envolve a aplicação de tecnologia de dados e automação para aumentar a eficiência a produtividade nas empresas.
“A ideia é aproveitar essa transição para adensar tecnologicamente todas as áreas. Não é proteger a indústria antiga, mas incentivar a indústria nova.”
Segundo o assessor de Haddad, um exemplo é o que se espera para as negociações de hidrogênio verde, produto que vem sendo apontado como o grande diferencial sustentável do Brasil para a balança comercial. Considerado o “combustível do futuro” por ser uma das principais alternativas para redução do uso de fontes não renováveis com carbono, o principal vilão do efeito estufa e do aquecimento global.
O governo não quer, no entanto, que o País compre painéis solares e eletrolisadores do exterior e continue a ser exportador de uma nova commodity (um produto básico, sem valor agregado). “A gente quer participar do desenvolvimento e da fabricação desses itens”, disse Dubeux.
O recebimento de empresas estrangeiras e ter fornecedores mais próximos do negócio (nearshoring) são “parte do jogo”, mas o elemento central da Fazenda é a agregação de pesquisa e tecnologia doméstica. Essa agregação pode ser feita por meio da vinda de centros de desenvolvimento, iniciativa que já foi lançada durante o governo Dilma, mas com pouca eficácia até aqui.
A expectativa para que agora decole é a avaliação de que o Brasil conta com um mercado consumidor crescente, com condições naturais para desenvolvimento de produtos sustentáveis, tornando-se um chamariz para as empresas do setor. A energia solar, por exemplo, já é a segunda maior fonte de geração de energia no País, atrás apenas da hidrelétrica.
Para atrair empresas de fora e estimular negócios internos, a Fazenda prepara uma série de incentivos, que podem ir de crédito a infraestrutura, mas com uma grande expectativa de integração de universidades com empresas, algo visto como um tabu dentro de algumas instituições, principalmente as públicas. São parcerias como estas, segundo Dubeux, que ajudam no desenvolvimento de países como Coreia do Sul, Estados Unidos e China. No Brasil, um exemplo de sucesso é a integração do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) com a Embraer.
As compras públicas também são vistas como um forte catalisador do movimento, segundo o assessor. “Essas compras no mundo têm um papel central de induzir a inovação e não fazemos uso dessa ferramenta no Brasil.”
Bioeconomia
O terceiro bloco é o de bioeconomia, que é potencialmente favorável ao Brasil em relação ao restante do mundo. “Não há bala de prata para se criar uma economia sustentável, mas um conjunto de ações.”
A participação de produtos brasileiros oriundos da floresta e da sociobiodiversidade é de 0,17% nas exportações domésticas e há como chegar a pelo menos 1% ou 2% do total, de acordo com cálculos da Fazenda. “Precisamos fazer com que as 20 milhões de pessoas que moram ali (nas florestas) tenham um sustento rentável. Existem oportunidades que precisamos explorar adequadamente.”
É grande a expectativa de que esses produtos sejam cada vez mais associados à “marca Brasil” de sustentabilidade. Além disso, ao mudar o foco para a agropecuária tradicional que respeita as práticas sustentáveis, a ideia é ampliar projetos que já são vistas como um caso de sucesso, como o Programa ABC (Agricultura de Baixa emissão de Carbono), que mantém a produção, mas reduzindo a curva de emissão de poluentes.
Ainda não há definição sobre o tema, mas é possível que haja eventualmente subsídios para uma ou outra área que necessite de um empurrão para iniciar sua atividade mais sustentável.
Transição energética
O quarto eixo é o da Transição Energética, que inclui a captura e a estocagem de carbono. O Brasil já faz em escala, por exemplo, a captura de carbono em chaminés, onde há concentração imensa de CO₂ quando algum combustível fóssil é queimado. Neste bloco entra também a exportação de excedente de hidrogênio verde, para a Europa, em particular.
“É um mercado gigante. Daria para a gente dobrar a nossa matriz energética só para exportar a energia: somar a geração de Itaipu, Furnas, parque eólico… é um mercado gigantesco”, considerou o assessor.
Resíduos e economia circular
O quinto bloco é o de Resíduos e economia circular, considerado um tema subaproveitado no Brasil, com iniciativas já em andamento de logística reversa. “Podemos virar referência internacional nessa área, criando soluções para a gente e depois exportando”, afirma Dubeux.
Neste grupo também está a área de saneamento básico. Segundo dados oficiais, 100 milhões de pessoas não têm rede de esgoto e falta água potável para 35 milhões.
A metade das emissões brasileiras de resíduos é proveniente de lixões e aterros sanitários e a outra metade de esgoto. “Temos que enfrentar essas duas áreas”, afirmou. No final do próximo ano, o Brasil deve acabar com a existência de lixões em território nacional.
Mudança climática
O sexto bloco é o de adaptação da mudança do clima e nova infraestrutura. Grande parte desta área está relacionada a grandes obras que considerem absorção de chuvas, distanciamento de construção em áreas de risco etc. A outra diz respeito à adaptação às consequências já contratadas até aqui.
“É o reconhecimento de que, mesmo que se zere a emissão, já contratamos mudanças e temos que pensar sobre como vamos nos adaptar”, explicou.
O pacote verde de Haddad
Bloco 1: Incentivos econômicos
- Engloba, por exemplo, a criação de uma regulamentação para o mercado de créditos de carbono e o lançamento de títulos verdes
Bloco 2: Adensamento tecnológico do setor produtivo
- Incentivos para que a indústria nacional participe de todo o processo da transição para uma economia de baixo carbono, em processos como, por exemplo, a produção de painéis solares. A integração entre universidade e empresas está dentro desse eixo
Bloco 3: Bioeconomia
- A participação de produtos brasileiros oriundos da floresta e da sociobiodiversidade é de 0,17% nas exportações domésticas, e a ideia é elevar essa participação. Nos cálculos da Fazenda, é possível chegar a pelo menos 1% ou 2% do total.
Bloco 4: Transição energética
- Neste eixo entrariam os incentivos à captura e a estocagem de carbono e planos para a exportação do excedente de hidrogênio verde que for produzido
Bloco 5: Resíduos e economia circular
- Buscar soluções para o tratamento de resíduos, um tema com pouca discussão no Brasil. A questão do saneamento também entraria nesse pacote
Bloco 6: Mudança do clima e nova infraestrutura
- A discussão aqui está relacionada a grandes obras que considerem, por exemplo, absorção de chuvas e distanciamento de construções em áreas de risco. As informações são do jornal O Estado de São Paulo.