Há tempos o clichê de que a arte imita a vida – e vice-versa – nunca fez tanto sentido ao analisarmos o impacto de uma obra televisiva sobre uma geração. A série de The Last of Us vem atravessando como uma flecha os corações dos leigos (gente que nunca teve contato com o game homônimo) e dos entusiastas (como o nerd que vos escreve) de uma das maiores produções desenvolvidas em todos os tempos para o universo dos vídeo games.
Em seus cinco primeiro episódios já disponíveis no catálogo da HBO (tanto no serviço de streaming quanto para os assinantes das quase zumbis tv’s por assinatura), a produção de Neil Druckman (co-presidente da desenvolvedora de games Naughty Dog – onde foi diretor de criação e roteirista de TLOU partes 1 e 2) e Craig Mazin (criador da aclamada série Chernobyl) tem deixado a audiência boquiaberta – no melhor dos sentidos.
Afinal, estamos falando de um material onde o pano de fundo é uma infestação mundial de zumbis – ao melhor estilo The Walking Dead e Guerra Mundial Z, certo? Errado. The Last of Us tem contagiado cristãos e ateus a partir de seu rico arcabouço sobre relações interpessoais que vão muito além da narrativa protagonizada por Joel (protetor) e Ellie (protegida).
No olho do furacão de um caos gerado pelos próprios seres humanos – donos de um talento único para a vitimização em situações em que eles mesmos são os verdadeiros vilões – acabamos, como meras testemunhas oculares de uma catarse em construção, nos questionando sobre até onde vai a nossa capacidade de resistir a nós mesmos.
Diferente dos games, onde enfrentar os infectados pela pandemia de Cordyceps é tão duro quanto encarar os antagonistas fanáticos pelas suas próprias causas em meio aos momentos de total decadência das relações humanas, a série aprofunda ainda mais a história de vida dos protagonistas interpretados de maneira irretocável por Pedro Pascal (Joel) e Bella Ramsey (Ellie), nos fazendo amá-los muitas vezes de maneira ágape.
Aliás, essa predileção à dupla mais badass da história recente das produções televisivas, também se estende àqueles que poderiam muito bem ser meros figurantes: casos do casal gay Frank e Bill e dos irmãos Sam e Henry. Os quatro personagens – cada dupla protagonizando seu próprio episódio – atua com desenvoltura estupenda, nos enchendo de alegria ao imaginar outras adaptações de games usando The Last of Us como cartilha daqui pra frente.
Passamos da metade da primeira temporada da série e a sensação é a mesma de quem avança até os 50% do primeiro game da franquia, lançado 10 anos atrás. A cada passo ou frame, somos brindados com socos no estômago. A sensação de nó na garganta nos desfechos de episódios é algo quase inenarrável – mesmo entre as pausas no controle remoto para recorrer a copos d’água e aos lencinhos de papel (item de sobrevivência fundamental de se ter à mão). Uma dica: os episódios três e cinco provocam coriza, soluços e vermelhidão nos olhos, portanto, estejam preparados.
The Last of Us já é um marco, assim como foram Game Of Thrones, Breaking Bad, Família Soprano e tantas outras séries premiadas pela primazia de suas narrativas, direção e atuações. Sim, podemos afirmar isso, mesmo levando em conta a possibilidade de os últimos quatro episódios dessa temporada estarem aquém de seus antecessores. Também posso afirmar que nunca antes na história da cultura pop houve uma adaptação de um game para uma outra mídia como essa. O que estamos testemunhando nesse momento é verdadeiramente histórico.
A única coisa que me preocupa nos conteúdos televisivos vindouros de The Last of Us (da atual e da próxima temporada, já confirmada) é se a opinião pública terá sangue frio suficiente para exaltar os ingredientes que tornaram os dois games de Playstation verdadeiras joias: o comportamento (des) humano sob o jugo de situações extremas capazes de reger tudo a volta como se tivessem vida própria – exatamente como o irrefreável Cordyceps. Nós, fãs, estaremos preparados.