Por cinco votos a zero, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a agravos regimentais impetrados pelo senador Jader Barbalho e por Helder Barbalho, hoje governador, nos processos do lixão de Marituba, do Grupo Solvi, onde Helder teve seu nome citado em gravações de diretores do Grupo Solvi obtidas por ordem judicial no transcurso da “Operação Gramacho”.
Na decisão, julgada na segunda semana deste mês, mas só agora divulgada, o STF validou a prova obtida, por meio de interceptação telefônica, no caso de 4 processos criminais, afastando arguição da defesa de nulidade da prova e usurpação de competência do STF por parte do Ministério Público do Pará (MPPA) e da Polícia Civil na investigação.
Além disso, com os votos dos ministros Luiz Fux – presidente da 1ª Turma -, Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, foi determinado o retorno dos autos, para prosseguimento dos processos junto ao juízo de Marituba. “Este feito é importante em busca de Justiça e da responsabilização criminal no presente caso, que de quebra também assentou entendimento de nossa Corte Suprema sobre o assunto”, comemorou a promotora de Justiça, Ana Maria Magalhães, atualmente lotada em Marituba.
Jader havia ingressado no TJ do Pará com um mandado de segurança, em março do ano passado, pedindo a suspensão de todos os processos vinculados a crimes praticados no aterro de Marituba, sob a alegação de que teria sido citado em uma das interceptações. Na ocasião, a promotora de Justiça Marcela Christine Ferreira de Melo contestou os argumentos do senador, afirmando que ele não era investigado e que seu nome sequer havia sido citado nas interceptações, havendo apenas menção ao nome de seu filho, Helder Barbalho.
“O senador não é investigado, portanto não possui legitimidade para pleitear a suspensão de processos, e pelo mesmo motivo não tem como demonstrar direito líquido e certo”, explicou Marcela Melo na contestação. O mandado de segurança foi concedido em caráter liminar e em em parte, suspendendo apenas uma das ações, a que o nome do ex-ministro Helder Barbalho havia sido citado.
Também no ano passado, Helder, em nota enviada ao Ver-o-Fato, afirmou que a denúncia era “descabida”, pois a licença ambiental para o funcionamento havia sido concedida pelo então governador Simão Jatene. Disse também que nenhuma prefeitura que utiliza o lixão tem relações com o MDB.
“O grupo empresarial citado doou à campanha de Simão Jatene em 2014 quase R$ 1,3 milhão – e nenhum centavo para nossa campanha. Não é minha prática facilitar a vida de empresas, ao contrário: nossos adversários é que são lenientes e estão no centro do maior escândalo ambiental do Pará, o vazamento provocado em Barcarena pela multinacional norueguesa Hydro”, resumiu o então candidato ao governo.
Foro privilegiado
E como vai ficar o caso das interceptações telefônicas, onde Helder é citado, após a decisão do STF de que a competência é do MP paraense e da Justiça de Marituba? Resposta: a Procuradoria Geral de Justiça – leia-se Gilberto Valente Martins – deve requerer a remessa das investigações para o seu gabinete, pois detém a competência para investigar e denunciar autoridades com prerrogativa de foro.
Helder Barbalho é hoje o governador do Estado. Portanto, tem o amparo da lei para que o caso seja apreciado pelo procurador-geral. Além disso, é importante destacar, o governador não é investigado, indiciado ou denunciado pelo MP. O nome de Helder apenas foi citado durante conversas entre diretores da Revita, uma das donas do lixão de Marituba.
Em uma dessas conversas, um dos diretores, alardeando suposta amizade com Helder, diz que o emedebista, caso eleito governador, iria facilitar a vida da empresa, dona do lixão, para que o projeto permanecesse em Marituba. Na prática, porém, Helder declarou, no começo desta semana, que o governo estadual apóia o fechamento do lixão.
Gilberto poderá mandar arquivar a investigação no trecho em que Helder é citado, se entender que não há elementos suficientes para que ela prossiga, ou determinar, se assim entender, que essa investigação seja aprofundada em busca de novos elementos.
Se arquivar a parte em que o atual governador é citado, o trabalho de investigação do MP de Marituba, que está avançado, prosseguirá normalmente, até porque os diretores do Grupo Solvi deixaram no rastro das gravações telefônicas indícios e provas de graves irregularidades contra o meio ambiente e o povo de Marituba. O Ver-o-Fato teve acesso às interceptações telefônicas e na época publicou várias reportagens.
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A íntegra do relatório, do voto, e a decisão unânime do STF
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. SEGUNDO AGRAVO INTERNO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. CRIME PRATICADO FORA DO CARGO E SEM VINCULAÇÃO COM O CARGO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. A mera citação ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na captação de diálogos em interceptação telefônica judicialmente autorizada, é insuficiente para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior. Precedentes. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o foro especial por prerrogativa de função só deve ser observado para a prática de crimes cometidos no cargo e em razão do cargo, motivo pelo qual não parece adequado que o Tribunal continue a conduzir inquéritos para os quais não se considera competente.
3. No caso dos autos, não há, na condição de réu, qualquer pessoa com foro por prerrogativa de função nesta Corte, não se verificando as hipóteses de prorrogação da competência. 4. Desprovimento do agravo com baixa imediata dos autos ao Juízo competente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual, na conformidade da ata de julgamento, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo e determinar a imediata remessa dos autos ao Juízo competente, independentemente de publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Brasília, 3 a 9 de maio de 2019. MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – RELATOR
R E L A T Ó R I O – O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (Relator)
1. Trata-se de agravos regimentais (AP 1031 e AP 1029) interpostos pelos investigados Helder Zahluth Barbalho e Jader Fontenelle Barbalho, em face da decisão que declinou da competência do Supremo Tribunal Federal para o Juízo de Direito da Comarca de Marituba/PA. 2. Nos dois recursos, com idêntico teor, defendem que a linha investigatória traçada nos autos pela Polícia Civil e Ministério Público do Estado do Pará, com a efetivação de diligências como a interceptação telefônica dos investigados, voltou-se, desde o início, a apurar supostos favorecimentos indevidos e ilícitos a particulares por parte do “Grupo Político de Helder e Jader Barbalho”.
Argumentaram que as apurações pretenderam verificar a influência de Helder e Jader Barbalho na concessão de benefícios aos particulares também investigados, por meio de revogação do Estado de Emergência decretado no Município de Marituba, ato que administrativo estaria a causar prejuízo às empresas dos investigados. 3. Insistem na tese de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, sustentando que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que julgou o mérito do Mandado de Segurança, por eles impetrado, também teria apontado nesse sentido.
Além disso, assinalam que a ausência de indiciamento explícito dos recorrentes não foi capaz de afastar o fato de que as investigações os alcançaram de modo velado por meio das interceptações telefônicas. 4. Sustentam que a investigação também alcançou o congressista, pois, embora os diálogos interceptados não tenham se referido diretamente ao Senador da República Jader Barbalho, o relatório policial registrou pontualmente que a investigação buscava encontrar condutas criminosas atribuídas ao “Grupo Político dos Barbalho”.
5. Assim, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, assentado no julgamento da Questão de Ordem na AP 937/RJ, alegam que: (i) a renúncia de Helder Barbalho do cargo de Ministro de Estado não possuiria o condão de modificar a competência dos presentes autos em favor do juízo de primeira instância em razão de seu genitor continuar exercendo o mandato de Senador, notadamente porque as condutas a ele atribuídas estariam vinculadas ao exercício de seu mandato;
(ii) há conexão instrumental a justificar a permanência de ambos os recorrentes na Suprema Corte, nos termos do art. 76 do CPP; (iii) o Ministério Público Estadual requereu o declínio de competência para o Supremo Tribunal Federal somente quatro dias após a comunicação da suspensão da investigação em desfavor dos requerentes, muito embora já tivessem transcorrido oito meses de interceptação telefônica;
(iv) a interceptação telefônica deve ser considerada ilícita bem como todos os atos dela decorridos, diante do precedente do STF (RHC 135.683/GO). 6. Requereram a concessão de efeito suspensivo ao presente agravo, nos termos do art. 995 do Código de Processo Civil. 7. Em manifestação final, a Procuradoria-Geral da República opina pelo desprovimento dos agravos regimentais. 8. É o relatório.
O voto do ministro Luís Roberto Barroso
“1. De início, ressalto que a interceptação telefônica que lastreou a denúncia contra os réus da presente ação foi autorizada pela autoridade judicial que se entendia competente, na época em que supervisionou as investigações do Ministério Público do Estado do Pará. 2. Eventuais citações ao sobrenome dos recorrentes nos autos da investigação originária foram episódicas e sem concretude suficiente para indicar que requerentes eram objeto da investigação até então conduzida, a atrair o foro por prerrogativa de função perante esta Corte.
A eventual atração do feito para o foro competente deve ser, necessariamente, precedida da constatação da existência de indícios mínimos da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em crimes, o que, repita-se, não ocorreu no presente caso. 3. Com efeito, não há falar-se em usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal quando a mera citação ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na captação de diálogos em interceptação telefônica judicialmente autorizada, é insuficiente para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior.
Precedentes. (Reclamação-AgR 25497/RN, Ministro Dias Toffoli; RHC 135.683/GO, Ministro Dias Toffoli). 4. Nesse contexto, não houve investigação por via oblíqua de Helder Barbalho e Jader Barbalho, permanecendo íntegra a investigação e consequentemente válida a prova colhida nos autos que deu origem à presente ação penal contra os réus, pessoas jurídicas e físicas, que não detêm foro por prerrogativa de função.
5. Ademais, os recorrentes obtiveram do Tribunal de Justiça do Estado do Pará provimento judicial liminar suspendendo a Ação Penal 0006409-24.2017.8.14.0133, decorrente do Inquérito Policial 00040/2017.1 000116-5, bem como as ações a ele conexas, ou que tenham utilizado como fundamento as provas originárias do referido inquérito, abstendo-se o Juízo de primeiro grau da prática de quaisquer atos posteriormente à decisão.
Destaco, ainda, que o relator dos Mandados de Segurança impetrados no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, ao conceder a liminar de suspensão da ação penal em primeira grau confirmou a ausência de qualquer relação direta entre os requerentes e as referidas ações penais. 6. Assim, tem-se que a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal ocorreu somente após o aprofundamento das apurações e com o surgimento de possível ligação entre Cláudio Toscano e Helder Barbalho a partir de um trecho de diálogo interceptado, em 07.07.2017, entre “Lucas Dantas e Estênio em que menciona que Claudio e Helder Barbalho seriam sócios do aterro, havendo dúvida do interlocutor quanto a real sociedade por parte do Ministro da Integração”.
7. Em 14.05.2018, a Seção de Direito Penal do Tribunal de Justiça do Estado do Pará julgou, por unanimidade, o mérito dos mandados de segurança impetrados em favor de Jader Barbalho e Helder Barbalho. Na ocasião, o Tribunal concedeu parcialmente a ordem, confirmando a liminar anteriormente deferida, assim como determinou o envio ao Supremo Tribunal Federal dos autos da Ação Penal 0006409- 24.2017.8.14.0133, decorrente do Inquérito Policial 00040/2017.1000116-5, e de todas as ações a ele conexas, ou que tenham utilizado como fundamento as provas oriundas do referido inquérito (fls. 826/832, da AP 1029).
Ao analisar o contexto apurado e as referências nas investigações às autoridades que, à época das apurações na origem, possuíam foro por prerrogativa de função, concluí pela inexistência de qualquer violação à regra de competência nas apurações originárias e determinei o retorno de todas as ações e processos vinculados ao primeiro grau de jurisdição. 8. Ademais, os argumentos apresentados pela defesa baseiam-se apenas na alusão feita pelo relatório policial ao denominado “Grupo Político”, ligado a Helder e Jader Barbalho para inferir que a investigação lhes era direcionada.
No entanto, no caso concreto, a mera referência ao denominado grupo político, no contexto do relatório policial, consistiu em utilização genérica de termo comumente utilizado para abranger pessoas correligionárias que se identificam a partir de uma mesma ideologia político-partidária. 9. Assim, não há falar-se em usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal quando existe mera menção ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro na captação de diálogos extraídos de interceptação telefônica judicialmente autorizada.
Some-se a isso, o fato de que a investigação revela somente informações dispersas a respeito de tais pessoas. Precedentes. 10. Por outro lado, a referência à fundamentação utilizada pelo Tribunal de Justiça não socorre à defesa, pois nitidamente utilizada para determinar o declínio dos autos a esta Corte – após o julgamento da impetração pelo Tribunal estadual –, em atenção à orientação consolidada de que somente ao Supremo Tribunal Federal cabe decidir sobre eventuais apurações, cisões ou mesmo arquivamentos de feitos relacionados às autoridades com prerrogativa de foro sujeitas à sua competência.
11. Pontuo que o recorrente Helder Barbalho não ostenta foro por prerrogativa de função perante o Supremo Tribunal Federal desde 06.04.2018 (antes, portanto, do declínio em questão) quando foi exonerado, a pedido, do cargo de Ministro de Estado da Integração Nacional, para concorrer ao Governo do Estado do Pará no pleito de 2018.
12. Por sua vez, a única citação ao nome de Jader Barbalho, extraída de todos os diálogos interceptados, refere-se, em verdade, a seu filho, Jader Barbalho Filho, que consulta à rede mundial de computadores revela ser sócio e administrador da empresa Diários do Pará Ltda., cuja informação apenas reforça a coerência com o contexto das conversas travadas.
13. Além disso, os fatos investigados nas ações penais passam ao largo das atribuições de um Senador da República, que, no presente caso, como verificado acima, nem sequer foi mencionado na interceptação telefônica referida, pois a referência no relatório policial é feita ao seu filho, que possui idêntico prenome.
14. Portanto, não há qualquer vício na condução das investigações e medidas adotadas quanto ao foro por prerrogativa de função. A decisão ora atacada aplica entendimento do STF na AP 937-QO/RJ, que delimitou sua competência às hipóteses dos crimes cometidos durante o mandato parlamentar e relacionados ao seu exercício. 15. Por fim, ressalto que o recurso de agravo é, como regra, desprovido de efeito suspensivo, nos termos do art. 317, § 4°, do RISTF, de modo que a decisão agravada, em consonância com o entendimento do Plenário do STF (AP 937-QO/RJ), deve ser cumprida de modo imediato.
16. Por essas razões, nego provimento ao agravo, mantendo a decisão agravada. Tendo em vista a natureza do feito e o curso ininterrupto do prazo prescricional, determino a imediata remessa dos autos ao juízo competente, independentemente de publicação do acórdão. 17. É como voto.
PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA SEGUNDO AG.REG. NA AÇÃO PENAL 1.031 PROCED. : PARÁ RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO AGTE.(S) : JADER FONTENELLE BARBALHO ADV.(A/S) : TICIANO FIGUEIREDO (0023870/DF) E OUTRO(A/S) AGDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo e determinou a imediata remessa dos autos ao Juízo competente, independentemente de publicação do acórdão, nos termos do voto do Relator. Primeira Turma, Sessão Virtual de 3.5.2019 a 9.5.2019. Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. João Paulo Oliveira Barros Secretário.
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