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Belém merecia ter uma festa à altura de sua grandeza e importância para a região Norte e, porque não dizer, para o país. Se tivéssemos governantes comprometidos com a rica história que a cidade guarda, em seus 400 anos – basta apenas citar a Cabanagem e o ciclo da borracha, como impulsores da ânsia por liberdade e da capacidade de transformar negócios em progresso e desenvolvimento para todos – Belém teria amanhecido sob fogos, inauguração de obras relevantes para eternizar a data, além de moradores expontaneamente nas ruas para cantar e dançar pelo aniversário do solo que tanto amam.
Ao contrário, o que vemos é a palidez de governantes que deveriam vir a público pedir perdão aos moradores desta cidade por terem fracassado e não cumprido suas promessas de fazer o que seus antecessores não fizeram: cuidar da saúde, tirando-a da indigência, principalmente no atendimento aos mais necessitados; prover as ruas e avenidas de rede de esgotos e de saneamento para reduzir os índices de doenças por contaminação; planejar e executar um trânsito de veículos particulares e de transporte coletivo que respeite as leis, os cidadãos e o meio ambiente; fazer cumprir as leis de mobilidade urbana, acabando com calçadas assassinas que dificultam o ir e vir de idosos e pessoas com deficiência.
Enfim, Belém estaria em festa e teria motivos de sobra para comemorar seus 400 anos em grande estilo. Governantes e povo, sintonizados no único objetivo de render homenagens a quem de fato merece: esta cidade que, apesar dos pesares, sobrevive à destruição diária de seu patrimônio histórico, dos atentados às suas mangueiras, do abandono de praças e da desumanização daqueles que não tem nenhum compromisso com a preservação de uma história tão ricamente construída. Ainda bem que a fertilidade cultural dos nossos músicos, cantores, poetas e escritores é
muito maior que a esterilidade administrativa dos governantes. O que prova que esta cidade pujante sobrevive até aos filhos que
a infelicitam
muito maior que a esterilidade administrativa dos governantes. O que prova que esta cidade pujante sobrevive até aos filhos que
a infelicitam
É bom chacoalhar a memória dos vivos, particularmente dos insensatos que teimam em apagar o passado de lutas que custaram o sangue e as vidas de nossos ancestrais, para a importância que esses bravos paraenses, caboclos, índios e negros tiveram no combate às injustiças e ao conformismo. Eles merecem preces por suas almas, para que descansem em paz na eternidade. Esses cabanos deixaram um legado que não temos sabido honrar. A luta que eles travaram contra a
dominação dos colonizadores, de 1835 a 1840, deveria ser ensinada nas escolas e matéria obrigatória nos currículos, para que os novos moradores de Belém se inspirem naqueles exemplos.
dominação dos colonizadores, de 1835 a 1840, deveria ser ensinada nas escolas e matéria obrigatória nos currículos, para que os novos moradores de Belém se inspirem naqueles exemplos.
Nossos cabanos, porém, devem estar se revirando em seus túmulos ao constatar que a coragem que eles tiveram se perdeu no tempo, soterrada pela poeira do esquecimento. Ao contrário, o que predomina hoje é a covardia e a alienação. As velhas lutas políticas de grupos por poder e status social transformaram Belém num vazio administrativo, num salve-se-quem puder, ou souber. As alianças políticas não se formam em torno de objetivos em favor dos que pagam seus impostos e cobram serviços públicos de qualidade. Elas são feitas para tomar o poder e dividir o butim entre famílias.
Esta Belém de 400 anos, pode-se dizer, não é digna do sangue derramado pelos cabanos. Eles, pelo menos, tinham um ideal: queriam nos libertar de ditadores e seus prepostos que nos oprimiam, não apenas se livrar da pobreza e da miséria. E nós, hoje, o que temos? Arremedo de políticos que se consideram os donos da cidade, fingem brigar entre si para dividir o poder e não possuem nenhum compromisso com o presente, nem com o futuro. Se tivessem, não estaríamos mergulhados nesse caos urbano, em que a ausência de obras relevantes predomina. Ou seja, na qualidade de nossos gestores também estamos carentes e não há o que comemorar.
Francisco Caldeira Castelo Branco, o português que nos fundou em 1616, queria proteger Belém contra os invasores espanhóis, holandeses e ingleses, daí a localização geográfica da cidade. O inimigo seria visto de longe, fácil de ser bombardeado e expulso. Os canhões postados no Forte do Castelo seriam o nosso cartão de visita para os invasores. Hoje, os inimigos de Belém estão dentro da própria cidade e conspiram para que continuem a dominá-la por muito tempo.
Diferente da população, que quer respirar um ar mais limpo, frequentar logradouros livres da violência, ter acesso a postos de saúde e hospitais públicos decentes, frequentar escolas que sejam excelência na difusão do aprendizado, caminhar numa cidade limpa, ter água nas torneiras e ruas bem iluminadas. Uma Belém mais humanizada, sem distinção entre os que vivem no centro ou no subúrbio – que nossa nomenclatura obtusa apelidou de periferia.
Não precisamos esperar os próximos 400 anos para ter o mínimo necessário e usufruir de vida digna numa cidade de todos e para todos. Sem excludentes e excluídos. Temos de lutar hoje para que exista o amanhã. Podemos, sim, recuperar o tempo perdido. Nosso copo de esperanças está meio cheio.
Parabéns a esta cidade que tanto amamos. E é por amá-la demais que não negociaremos a renúncia desse amor. Nem em mil séculos. Afinal, Belém merece. Por tudo o que ela é. Mesmo que não saibamos definir bem o que esta cidade representa em nossas vidas.
Um imenso ímã, de quase 1 mil quilômetros quadrados, que nos atrai e prende neste solo encravado entre a Baia de Guajará, o Rio Guamá e a BR-316 – a nossa rota de fuga que sempre nos traz de volta.
Doce atração.
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