Dirigir nos aplicativos de mobilidade urbana em Belém é uma verdadeira aventura. Em um único dia você pode estar no Portal da Amazônia e logo depois em Icoaraci. Na Terra Firme e em seguida na Cidade Nova 8. Haverá muitas horas sempre acompanhado, outras de silenciosa solidão. De repente está só você em qualquer canto da cidade, almejando uma próxima corrida, pensando na vida, revendo as estratégias, seja madrugada, seja duas da tarde.
O mês geralmente começa bom. Do dia 2 ao dia 10, você fatura. O meio do mês é bom, mas é o período em que as pessoas, já tendo comprometido maior parte do salário, começam a usar muito o cartão de crédito. Do dia 20 ao 30, só os fortes e insistentes sobrevivem. Não é fácil.
A maior parte dos motoristas se organiza da seguinte maneira: se o carro é próprio, fazem primeiro um valor para gasolina, geralmente 50 reais, e só então começam a tirar o lucro (isso sem contar eventuais manutenções); quem tem o carro alugado, faz o mesmo que no primeiro caso, adicionando que deve fazer o valor do aluguel, geralmente 35 reais, para enfim obter seu lucro (ganhando no fato de não precisar se preocupar com manutenção).
Este panorama permite entender o porquê de muitos motoristas não gostarem da viagem no cartão de crédito: como precisam de dinheiro instantaneamente para gasolina, o cartão interrompe a busca pelo valor da gasosa, já que é um dinheiro que estará na conta depois de alguns dias úteis, retardando o período em que as viagens entraram na margem de lucro. As vezes você consegue sua missão em pouco tempo, em outras, passam tantas horas que ao fim de um expediente passa até desapercebido que ficou por 10 horas consecutivas dirigindo.
Você recebe todo tipo de ser humano: felizes, tristes, mal educados, extremamente mal educados, pessoas simples, ricos, mulheres, homens, baixo, alto, gente maravilhosa, idosos e crianças. Naquela cadeira se aprende muito sobre a humanidade. Tem dias que você é psicólogo, em outros é aluno, depois é assediado, fica só ouvidos, é conselheiro, vira detetive e até guia turístico. Essa aleatoriedade é grande parte do prazer de estar ali.
As paralisações não são chamadas por sindicatos ou partidos políticos. As formas de organização dessa categoria se dá nos grupos de Whatsapp. Esses não são feitos exatamente para assuntos políticos, mas sim para segurança, pois é através deles que se delineiam uma rede colaborativa que envolve aplicativos de mensagens de áudio e GPS que alertam em caso de qualquer emergência.
Além disso, é usado uma série de códigos que servem como comunicação oficial e profissional que alicerça as colaborações entre motoristas. Os grupos começaram através de bate-papos informais, entre uma corrida ou outra, na Doca. Logo, as relações de poder foram fazendo haver rachas e dissidências que foram criando mais e mais grupos. A sensação é que todo dia tem um novo.
O perigo é constante. Com o tempo se aprende o momento certo de se encarar uma corrida num lugar perigoso. Sempre muita cautela, observação aguçada e as vezes até um pouco de arte. Como em casos de motoristas que contam histórias tristes almejando que o passageiro suspeito tenha dó e assim não o roube. Mais ator/atriz, impossível. É a sobrevivência gritando. A verdade é que o medo é grande protetor. Ele te tira de muita roubada, inclusive, de assaltos.
O motorista presencia que Belém não dorme. Tem sempre algo, de bom ou ruim, acontecendo. Viramos um cofre de muitos segredos. Vemos coisas que jamais imaginaríamos que aconteceria aqui na cidade. Sabemos quem é amante, onde acontece prostituição, como se dá a corrupção e onde está presente com mais intensidade a violência. Todo dia a história da cidade rabisca no nosso banco traseiro.
O motorista de aplicativo é de todas as idades, credos, ideologias e vivências. É quem te deixa na porta de casa, quem te tira do lugar perigoso, quem te leva para passear ou trabalhar, muitas vezes é a única pessoa no dia a te dar um “bom dia”. Essas pessoas estão todos dias te atendendo pela cidade, no centro ou na periferia. Sejam trabalhando ou complementando renda, sempre estarão lá.
Entender um pouco do seu cotidiano pode ser o primeiro passo para compreender o quanto são essenciais para nossa querida Belém funcionar.
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