Há aqueles que vivem sem passar pela vida. Há aqueles que apenas vivem. E há também os que vivem intensamente, passam pela vida, ascendem a outro plano de existência, mas deixam um legado aos que ficaram e aos que virão para povoar esta Galáxia Amazônica..
Vicente Franz Cecim é uma dessas pessoas que partiu deixando aos que o conheciam e com ele conviveram a sensação de que não foi embora, apenas “deu um tempo”. Ano passado, nesta data, 14 de junho, ele viajou para as esferas insondáveis e inalcançáveis do pensamento e da compreensão humana.
Cecim, tinha 74 anos e a fertilidade de ideias que não caberiam na cultura binária do certo ou errado, feio e bonito, bom e mau, esquerda ou direita, embora ideologicamente defendesse o socialismo, mas com liberdade. Em nossas conversas, que levavam horas, eu dizia e ele concordava, que o socialismo era a doce utopia em contraponto ao fel totalitário do comunismo.
Bem jovens, quando travamos o primeiro contato por intermédio de outros amigos do bairro – ele morava na Vila Farah e eu, na Domingos Marreiros, dileto bairro da Matinha, hoje Fátima – , o Cecim voraz devorador dos clássicos da literatura universal conseguia reunir a aura do intelectual que entrava e saia dos convescotes da elite de Belém à simplicidade do caboclo que bebia suas melhores inspirações na fonte do homem comum.
Ele chocou os puritanos metidos a sábios, nos anos 80, durante evento no Teatro da Paz. Ousou, como autêntico libertário, enfrentar os conformistas e os omissos, com seu Manifesto Curau. Um documento que fazia questão de dizer era endereçado às “novas gerações”, porque as velhas já estavam perdidas e exalavam mau cheiro.
Escritor com uma vasta obra instigante e ainda a ser descoberta por quem realmente se interessa pela Amazônia, hoje disputada por defensores sinceros, farsantes e vendilhões despudorados, Cecim foi um artesão das palavras. Retratou em sua obra uma Amazônia de palavras, colossal e exuberante, descrevendo-a com tinta invisível.
O Cecim escritor, cineasta, jornalista de mão cheia, publicitário e criador de marketing político. Enfim, um homem plural, na essência da criação desafiadora. Seu último trabalho, publicado pelo Ver-o-Fato, sob o título “Covid, a Cicatriz Imperfeita”, está disponível em nossa página no Youtube. São três episódios.
“Fico mais claro quando me vejo como água”, diz ele em um trecho. E mais: “quando me perguntam por que não dormes, digo que é porque alguém precisa vigiar”. Esse era Vicente Franz Cecim, que adotou o Franz no nome em homenagem ao genial escritor Franz Kafka, uma de suas leituras favoritas.
Ele está entre nós. O homem-ideia. E ideia não morre.
O Manifesto Curau de Vicente Cecim:
http://www.culturapara.art.br/Literatura/vicentececim/manifesto_Curau.pdf