A razão por que Chico Buarque mencionou raríssimas vezes sua relação com seu pai, Sérgio Buarque, nas incontáveis entrevistas concedidas por ele em sua longa carreira artística, o artista revelou publicamente apenas uma vez.
Em 1992, quando a rádio da Universidade de São Paulo organizou uma programação especial para comemorara data na qual Sérgio completaria 90 anos de idade, se complicações pulmonares não o tivessem matado dez anos antes.
Foi o responsável pela emissora, o jornalista Melquíades Cunha Júnior, quem entrevistou algumas personalidades de nossa cultura num programa em que todos foram convidados a falar sobre Sergio.
Grandes mestres da USP, como Antônio Cândido e Florestan Fernandes, além de Chico e sua irmã Miúcha, entre outros.
Para o jornalista, Chico confessou:
– Eu sempre tive uma admiração muito grande por meu pai e falar sobre ele pode parecer meio cabotino.
Deste temor, no entanto, Chico pareceu libertar-se durante a entrevista que Melquíades gravou com ele, no Rio de Janeiro.
Sua performance na ocasião, obviamente estimulada por aquela iniciativa da Rádio USP,pode-seapreciarna transcrição reeditada da sua entrevista.
Chico deixou de lado a grandeza intelectual de seu pai. E referiu-se sobretudo às características humanas de Sérgio manifestada na intimidade de sua família.
– Tudo o que se fala sobre o lado sério do meu pai, do estudioso e tal, não bate com a lembrança que me ficou dele.
Aliás, não sei se a gente capta e incorpora o senso de humor dos pais, ou se é genético. É algo por aí.
Às vezes me surpreendo fazendo um tipo de humor que tem muito a ver com meu pai. É aquele humor que não é a piada, é mais aquele humor do absurdo, de rir de coisas sérias. Com sentido de irreverência.
Com ele não existia essa história de pátrio poder. Era uma relação horizontal, na medida em que ele saindo do escritório e conversando com a gente, ficava tudo no mesmo nível, com brincadeiras e tal.
Ele ficava lá com o trabalho dele. Mas quando saiadali, ele era outra coisa. Não ficava falando do que estava fazendo.
Gostava muito de cantar: tinha um vozeirão e tanto, uma voz quase empostada.
Quando cantava em alemão, então…
Tocava um piano meio quadrado, só que o piano lá de casa também não ajudava.
E gostava de dançar, assim de farra, com o Luiz Coelho, amigo dele.
Os dois faziam um minueto muito engraçado.
Papai também dava uns passos de charleston, e se orgulhava muito desses passos, trocando as mãos anos joelhos.
Na época do twist ele se animou; achava o twist parecido com o Charleston.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista