– Eu sou de um país chamado Pará!
Declarou, orgulhoso, o poeta Ruy Barata, na letra de uma música muito conhecida.
O poeta tinha razão.
O Pará – ou melhor, o Grão-Pará –, de fato,existiu como se fosse um país.
E, não por pouco tempo.
Por dois séculos.
Desde 13 de junho de 1621.
Quando, naquele dia, com o nome de Estado do Grão-Pará/Maranhão, ele foi criado por Felipe II de Portugal, como unidade administrativa autônoma em relação ao Brasil, na América do Sul lusitana.
Até 15 de agosto de 1823, quando, àquela altura, ainda uma província de Portugal, o Grão-Pará finalmente se juntou ao Brasil que, no ano anterior, havia se separado do Reino Lusitano.
A razão pela qual isto aconteceu a historiadora Patrícia Melo Sampaio,pós-doutora em História, lembrou num ensaio intitulado “Administração Colonial e Legislação Indigenista na Amazônia Portuguesa”.
Naquele período, os deslocamentos pelos oceanos eram difíceis, complicados e inseguros.
Ir do Grão-Pará a Portugal era mais fácil do que ir do Grão-Pará ao Brasil.
Portugal, então, decidiu manter governos distintos nos dois Estados.
Não foi uma particularidade efêmera esta do Grão-Pará, a de estar separado do Brasil, escreveu Patrícia.
Na verdade, ele se manteve ligado diretamente a Lisboa, desde quando foi instituído, em 1621. E assim permaneceu por 200 anos, escreveu a historiadora, repetindo algo conhecido por quem pesquisou o passado da Amazônia.
Tratava-se de um Estado imenso.
Que chegou a abarcar metade do Brasil atual.
Seu território se estendia pelo Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Ceará e Piauí.
E, ao contrário do que aconteceu com a Atlântida, o chamado Continente Desaparecido,do qual não há nenhum vestígio, a existência do Grão-Pará é comprovadíssima.
Em mais de 500 mil documentos escritos e mapas, guardados no Arquivo Público do Pará.
Nos seus documentos arquitetônicos.
Pois, continuam de pé os exuberantes conjuntos monumentais religiosos, construídos na primeira fase de sua História, no final dos anos de 1600 e início dos anos de 1700.
Quando o monopólio da exploração da mão-de-obra indígena, mantido pelas ordens religiosas, enriqueceu jesuítas, mercedários, carmelitas e franciscanos, com a exportação de produtos extraídos da floresta amazônica.
Assim, como ainda pode ser vista e visitada boa parte da riquíssima produção arquitetônica deixada em Belém por Giuseppe Landi (palácio, igrejas e casarões), a partir dos meados dos anos de 1700.
Quando a metrópole portuguesa expulsou as ordens religiosas do Grão-Pará, e, retomou as rédeas de sua economia. Tornando o Grão-Pará produtor e exportador de cacau.
Se todas estas comprovações não bastassem, a existência do Grão-Pará é demonstrada todos os anos, mundialmente, através da procissão do Círio de Nazaré.
Afinal, a gigantesca manifestação cultural-religiosa,que os paraenses mantêm com amor e emoção, eles herdaram do Grão-Pará.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation
For 200 years, Pará was separated from Brazil
- I am from a country called Pará!
So declared, with pride, the poet Ruy Barata in the lyrics of a well-known song.
And the poet was right.
Pará—or rather, Grão-Pará—did, in fact, exist as if it were a country.
And not for a short time.
For two centuries.
Since June 13, 1621.
On that day, under the name of the State of Grão-Pará/Maranhão, it was established by Philip II of Portugal as an autonomous administrative unit, separate from Brazil, within Portuguese South America.
Until August 15, 1823, when, still a province of Portugal at that point, Grão-Pará finally joined Brazil, which had declared its independence from the Lusitanian Kingdom the previous year.
The reason for this separation was explained by historian Patrícia Melo Sampaio, a post-doctorate in History, in an essay titled “Colonial Administration and Indigenous Legislation in Portuguese Amazonia.”
During that period, ocean travel was difficult, complicated, and unsafe.
Going from Grão-Pará to Portugal was easier than traveling from Grão-Pará to Brazil.
Portugal, therefore, decided to maintain distinct governments in the two states.
This separation of Grão-Pará from Brazil was no fleeting quirk, wrote Patrícia.
In fact, it remained directly tied to Lisbon from its establishment in 1621. And so it stayed for 200 years, the historian noted, echoing a fact well-known to those who have studied the Amazon’s past.
It was an immense state.
At its peak, it encompassed half of present-day Brazil.
Its territory stretched across Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Ceará, and Piauí.
And unlike the lost continent of Atlantis, of which no trace remains, the existence of Grão-Pará is thoroughly documented.
In over 500,000 written records and maps, preserved in the Public Archive of Pará.
In its architectural documents.
For the exuberant monumental religious complexes, built in the first phase of its history in the late 1600s and early 1700s, still stand.
Back then, the monopoly over the exploitation of indigenous labor, controlled by religious orders, enriched Jesuits, Mercedarians, Carmelites, and Franciscans through the export of products extracted from the Amazon rainforest.
Likewise, much of the rich architectural legacy left in Belém by Giuseppe Landi (palaces, churches, and mansions) from the mid-1700s onward can still be seen and visited.
That was when the Portuguese metropolis expelled the religious orders from Grão-Pará and took back control of its economy, turning Grão-Pará into a producer and exporter of cocoa.
If all this evidence weren’t enough, the existence of Grão-Pará is proven every year, on a global stage, through the Círio de Nazaré procession.
After all, this massive cultural-religious event, which the people of Pará maintain with love and emotion, was inherited from Grão-Pará.
- Oswaldo Coimbra is a writer and journalist