A escalada de exageros e arbitrariedades no julgamento de Débora Rodrigues dos Santos, a cabeleireira de 39 anos que escreveu “perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), começa a ser exposta. A Procuradoria-Geral da República (PGR) agora sugere que Débora seja transferida para prisão domiciliar, evidenciando o que já parecia óbvio para qualquer análise minimamente razoável: a punição imposta à mulher beira o absurdo e revela um duvidoso critério de proporcionalidade.
“Os requisitos estabelecidos no art. 318-A do CPP estão atendidos, uma vez que os crimes não foram praticados contra filhos ou dependentes da requerente e não há provas da participação da ré em crimes contra a vida”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
O caso de Débora ilustra como a Justiça pode se transformar em instrumento de retaliação política. Durante o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes defendeu uma pena de 14 anos de prisão, em uma demonstração de rigor desproporcional para um ato que, no máximo, poderia ser enquadrado como dano ao patrimônio.
A postura de Paulo Gonet, também contribuiu para o endurecimento da pena, reforçando um viés radicalizado na acusação. Agora, ao reconhecer que Débora pode cumprir a pena em regime domiciliar, a PGR expõe sua própria contradição e a falta de coerência no tratamento dispensado ao caso desde o início.
A mudança de postura da PGR ocorreu após a defesa da cabeleireira apresentar um pedido de substituição da pena, argumentando que ela é mãe de duas crianças menores de 12 anos. Em seu parecer, Gonet reconhece que Débora atende aos critérios para a prisão domiciliar, mas insiste em manter a condenação, sem admitir a possibilidade de revogação da pena.
Ou seja, o mesmo sistema judicial que inicialmente viu nela uma suposta ameaça ao Estado agora reconhece, ainda que tardiamente, que sua prisão é excessiva e pode ser substituída.
A disparidade de tratamento no caso de Débora salta aos olhos quando comparada a outros processos recentes. Enquanto ela enfrentou um pedido de 14 anos de reclusão por um ato simbólico, criminosos de colarinho branco, políticos corruptos e agentes públicos envolvidos em escândalos bilionários seguem livres, sem punição equivalente. A seletividade da Justiça brasileira se manifesta de maneira evidente nesse episódio, demonstrando que, mais do que a letra da lei, o que define o destino de um réu é o contexto político no qual ele se insere.
A reviravolta no caso de Débora, com a PGR tentando atenuar os excessos cometidos, não apaga o histórico de arbitrariedades de um julgamento que extrapolou todos os limites da razoabilidade. A esperança é que esse caso sirva de alerta sobre os perigos de um Judiciário que se afasta de sua função original para se tornar um instrumento de repressão política, aplicando penas que mais parecem vinganças do que justiça.
O sigilo da carta foi retirado por Moraes
Na carta que enviou ao ministro do STF, Débora diz se arrepender amargamente do ato, que a causa “vergonha” e “consequências irreparáveis”. A cabeleireira afirma ainda que jamais compactuou com atitudes violentas ou ilícitas.
“Fui a Brasília pois acreditava que aconteceria uma manifestação pacífica e sem transtornos, porém, aos poucos, fui percebendo que o movimento foi ficando acalorado”, prosseguiu.
Débora diz ainda que, quando estava próxima à estátua, um homem começou a escrever a frase e pediu para que ela continuasse. De acordo com a carta, ela não sabia o valor simbólico daquela estátua e o que ela representava.
“Sinceramente, fiquei muito chateada com o quebra-quebra nas instituições. Repudio o vandalismo, contudo, eu estava ali porque eu queria ser ouvida, queria maiores explicações sobre o resultado das eleições tão conturbadas de 2022”, explicou.