Quase todos os indígenas apresentam níveis alarmantes de elementos químicos em seus organismos, alertam pesquisas
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação na Justiça Federal contra a mineradora Vale, a União e o Estado do Pará, denunciando a contaminação dos indígenas Xikrin do Cateté por metais pesados. A poluição, atribuída às atividades da Vale, foi confirmada por estudos técnicos e representa uma ameaça severa à saúde da comunidade indígena.
A ação exige que a Vale custeie imediatamente tratamentos médicos completos para os indígenas afetados, incluindo exames, consultas e medicamentos para a descontaminação. Além disso, o MPF solicita a criação de um programa de monitoramento contínuo da saúde dos Xikrin, com a apresentação de relatórios semestrais. O processo também responsabiliza a União e o Estado do Pará, cobrando suporte técnico e fiscalização rigorosa das condicionantes ambientais do empreendimento Onça-Puma, da Vale.
O procurador da República Rafael Martins da Silva destacou a gravidade da situação, comparando-a com a crise sanitária enfrentada pelos Yanomami, que levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a intervir em 2023. Segundo ele, a legislação ambiental brasileira atribui à Vale responsabilidade objetiva pelo dano ambiental e humano causado.
Contaminação confirmada e impactos devastadores
A Terra Indígena Xikrin do Cateté, localizada no sudeste do Pará, abriga 1,7 mil indígenas e é banhada pelos rios Cateté e Itacaiúnas. No entanto, a região está cercada por empreendimentos minerários da Vale, especialmente a mina Onça-Puma, responsável pela exploração de níquel.
Pesquisas científicas apontam que os indígenas estão sendo diretamente intoxicados por metais pesados disseminados nos rios, incluindo chumbo, mercúrio, bário, lítio e manganês. A denúncia do MPF se baseia em estudos técnicos que revelam uma contaminação alarmante: 99,7% dos 720 indígenas analisados apresentam níveis perigosos desses elementos químicos no organismo, sendo que 98,5% possuem índices considerados críticos.
Dados levantados em maio de 2024 pelo professor Reginaldo Saboia de Paiva, da Universidade Federal do Pará (UFPA), trazem exemplos preocupantes, como uma jovem de 19 anos com níveis de níquel 2.326% acima do seguro e uma criança de um ano contaminada por altas concentrações de alumínio, bário e chumbo.
“Os índices de contaminação são calamitosos e exigem intervenção médica especializada para evitar um colapso sanitário na comunidade indígena Xikrin”, alerta o pesquisador Reginaldo Saboia.
O impacto da contaminação vai além da saúde. A pesca e o uso da água, fundamentais para a subsistência dos Xikrin, estão comprometidos, perpetuando um ciclo de doenças e degradação ambiental. O MPF considera que o descaso das autoridades e da mineradora representa uma grave violação dos direitos indígenas e ambientais.
A íntegra da ação judicial do MPF pode ser acessada aqui:
Vale se manifesta
A empresa Vale enviou ao Ver-o-Fato a seguinte nota:
“A Vale esclarece que laudos judiciais elaborados por peritos nomeados pela Vara Federal de Redenção (PA), concluíram que as operações da companhia não são fonte de contaminação do rio Cateté, não tendo relação com a situação alegada pelo MPF.
A empresa segue realizando monitoramento da qualidade de água em torno dos seus empreendimentos e os reporta anualmente para os órgãos ambientais.
A Vale informa ainda, que em razão de acordo celebrado judicialmente com a Comunidade Indígena Xikrin, aprovado pelo MPF e homologado pelo Poder Judiciário, repassa recursos para aplicação em ações de saúde, bem como fornece à Comunidade Indígena Xikrin do Cateté serviços complementares de saúde ao que já é prestado pelo Poder Público.
A empresa reforça que mantém diálogo constante com Povos Indígenas e que atua alinhada às principais referências internacionais relacionadas ao tema, como a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
A Vale informa que não foi intimada oficialmente da referida ação e que analisará o processo assim que tiver acesso”.