Quem tem mais de 50 anos certamente já te contou a aterrorizante história do “Fura Dedo”. O quase folclórico personagem de outras gerações fazia a criançada sumir de casa, principalmente quando o esconderijo em baixo da cama já estava manjado. Tirando o lado místico dessa história dos nossos pais, o furador provavelmente era apenas um agente de saúde responsável por um teste para averiguar algum tipo de doença. De qualquer modo, o medo se perpetuou, mas ganhou novas formas na geração seguinte.
Nós que nascemos nos anos 90, não nos deparamos com um terror tão grande, mas tivemos nossos momentos de angústia. A vacinação era uma das primeiras experiências de enfrentamento e coragem. Mas acontece que o furador obtinha novas tecnologias de convencimento, geralmente um pirulito ou a promessa de que a dor seria equiparada a de uma simples formiguinha.
A vacinação era bem mais simples quando era no hospital, pois via de regra não havia tanta pressão para não demonstrar dor ou choro, já que as outras crianças eram desconhecidas. Mas não deixava de ser aterrorizante estar na fila de espera e notar que todas as crianças saíam da sala gritando escandalosamente de dor. Por sorte, minha mãe – que provavelmente aprendeu muito ao ser vítima do fura dedo – me ensinou a técnica de não olhar para agulha e pensar que era apenas um carapanã. Junto disso, ocorria a persistência por não chorar na frente dela, o que me treinou para experiências que poderiam ser vexatórias.
Não sei se era normal, mas de repente as vacinações passaram a ocorrer nos centros comunitários, o que fazia a gente encontrar os amigos da mesma rua. Mas nada, absolutamente nada, foi pior quando passou a ser realizada – de surpresa – nas escolas. Esse talvez seja o real motivo de eu nunca ter votado no Jatene: rancor.
Era uma manhã como outra qualquer na escola pública, quando de repente umas senhoras de branco começaram a passear pelo corredor da escola. Desconfiamos, mas a professora acalmou os ânimos com uma fake news ao dizer que era apenas gotinha. Até tinha gotinha, mas só depois da agulhada.
As profissionais entraram na sala e um silêncio, nunca demonstrado durante as aulas, se instalou. Era uma mistura de medo, morte e horror. Por dentro eu chorava e gritava por minha mãe. Por fora eu fazia uma cara de corajoso e entrava na zoação contra outros com medo de virar alvo.
Sempre gostei de sentar na cadeira mais próximo da professora e, por ironia do destino, esse foi o parâmetro da fila para vacina. Pela minha cabeça só passava que as meninas que eu gostava e os moleques mais zoadores estavam todos me olhando. Eu estava com tanto medo de chorar e dar vexame que nem percebi quando fui furado.
Atrás de mim, em segundo na fila, estava meu amigo Enilson. Bem na vez dele, quando eu já estava aliviado, ele começa a tremer, gaguejar e fazer cara de quem tá segurando o choro. A agulha entrou e ele deu um grito que assustou até alunos de outras salas. Se jogou no chão e disse que ia desmaiar, enquanto mandava chamar a mãe dele. Um verdadeiro vexame.
Os dias posteriores foram de muita zoação com o coitado que até se afastou do nosso grupo de amigos, tudo por influência da vergonha. Ao se afastar, foi convidado para entrar no grupo de dança da escola, onde certa vez se apresentou, junto de meninas, dançando axé. Tal apresentação lhe rendeu o apelido de Jacaré, dançarino do É o tchan.
Outro dia eu vi o Jacaré, hoje já tem um filho e sua esposa aguarda outro. Está bem de saúde, tem uma vida boa e continua um cara maneiro. O que prova que virar Jacaré no pós vacinação não deve ser encarado como algo negativo.
Vacina já!
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