Para Jacques Brel, Chico Buarque disse que ouvia as canções dele, desde quando tinha 11 anos de idade.
– Todas gravadas num disquinho azul, acrescentou Chico.
Brel, reflexivo, comentou;
– É. Faz muito tempo.
A conversa entre estes artistas – dois dos maiores intérpretes da alma feminina em canções populares – ocorreu há cinquenta e sete anos, no estúdio de gravadora RGE, do Rio de Janeiro.
E, permaneceu desconhecida.
Na verdade, sequer há registro oficial da passagem pelo Rio de Janeiro, do compositor e intérprete de “Ne me quitte pas”, considerada uma das cinco mais belas obras da História da Música Popular.
Sabe-se que Brel esteve na antiga capital federal somente porque o escritor e jornalista Paulo de Faria Pinho contou que o entrevistou em 1967, numa crônica publicada pelo extinto Jornal do Brasil, após a passagem dos 10 anos da morte de Brel,há 36 anos.
E, também porque, em 1999, o próprio Chico Buarque contou numa entrevista concedida aos jornalistas Daniel Cariello e Thiago Araújo, da Revista Brazuca, uma publicação dos brasileiros residentes nas cidades de Paris e Bruxelas:
– Eu estava gravando ‘Carolina’ e ele apareceu no estúdio. Fiquei meio besta. Não acreditei que era ele. Aí fui falar p´ra ele essa história, de que o conhecia desde aquele disco.
Chico disse ainda:
– Eu ouvia aquilo adoidado. As letras dele ficaram marcadas para mim.
No encontro com Chico, o “muito tempo” a que Brel se referiu, transcorrido desde o início da sua carreira, correspondia a exatos 22 anos.
Pois, foi em 1955 que a carreira dele deslanchou em Paris, levando suas músicas até o adolescente Chico.
Havia dois anos, que Brel, com 24 anos de idade, conseguira gravar suas duas primeiras canções mas, até então, vinha sobrevivendo com apresentações em bares de Bruxelas.
Em compensação, na década seguinte, ele iria atuar como cantor, compositor, poeta, ator, diretor e roteirista.
Como personagem saliente da Europa, dos mitológicos anos de 1960, em efervescência, nos campos político e cultural.
Seus textos, melodias e interpretações dramáticas conquistaram o respeito de críticos eruditos, graças ao rigor e a inclemência com os quais avaliava sua própria produção.
Exigências que –como contou Paulo Pinho na sua crônica -, levou-o, por exemplo, a jogar no lixo metade das mais de 400 canções que havia composto.
Numa tensão criativa que lhe traria o vício do consumo diário de 4 maços de cigarros, responsável pelo câncer que o mataria aos 49 anos de idade.
Chico, de fato, ao se perceber tão de perto deste grande artista, por quem sempre propalara sua admiração, teria mesmo de ficar “meio besta”.
Anos depois,ele iria verter para a língua portuguesa a música “La Quête”, extraída do “L’Homme de La Mancha”, espetáculo que Brel produziu, dirigiu e atuou como Don Quixote, em Paris, a partir da criação original de Mitch Leigh e Joe Darion.
Maria Bethânia gravou a versão de Chico, magistralmente, com o título de “Sonho Impossível”.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista