O advogado paraense Paulo Fernando Nery Lamarão – falecido ontem, aos 68 anos de idade, em Fortaleza (CE), onde vivia há décadas – foi quem primeiro, fora da arena política, fustigou e denunciou as ações nada republicanas do ex- governador e atual senador, Jader Barbalho ao longo das duas vezes em que este ocupou a chefia do executivo estadual. Três denúncias contra Jader, ainda no primeiro mandato dele (1983-1987) como governador, tornaram o líder emedebista e Lamarão inimigos irreconciliáveis.
As brigas jurídicas que agitaram o Tribunal de Justiça do Pará por toda a década de 80 até o início dos anos 90 extrapolaram para a imprensa. Lamarão buscou nos jornais “O Liberal” e “A Província do Pará” um refúgio de respostas e ataques contra o bombardeio que ele passou a sofrer do “Diário do Pará” por ter mexido com o dono do império de comunicação da família Barbalho.
Ainda em 1983, no primeiro ano de seu governo, Jader teve de enfrentar a denúncia de Lamarão sobre a desapropriação de um terreno que pertencia ao Educandário Eunice Weaver, uma sociedade localizada no bairro Val-de Cans empenhada em ajudar vítimas de hanseníase no estado. Lamarão disparou contra Jader: “ele pediu 50% do valor do negócio (desapropriação) para um fundo partidário do MDB”.
Jader rebateu judicialmente a acusação, enquanto o “Diário do Pará” revidou o ataque contra o governador, chamando o advogado de “louco e viciado em drogas”. Mais tarde, o caso acabou arquivado na Justiça, mas Lamarão acusou o Judiciário e o Ministério Público de estarem ” a serviço de Jader”. A rota de colisão entre o advogado e o governador estava irremediavelmente traçada.
Meses depois, surgiu o famoso Caso Aurá, como ficou conhecido o segundo escândalo no governo estadual. De novo, a questão envolvia a desapropriação de terras. Jader mandou pagar indenização de CR$ 8 bilhões – de cruzeiros, moeda vigente à época, sobre uma área de 2.178 hectares conhecida por Conceição do Aurá, em Ananindeua. Lamarão apareceu novamente, atacando e denunciando fraude nessa desapropriação. Ele afirmou que a área desapropriada não tinha o tamanho que o governo dizia ter no decreto. E pediu perícia judicial.
De fato, a perícia constatou que o terreno tinha apenas 356 hectares e não 2.178 declarados no decreto desapropriatório. Lamarão festejou e foi para a imprensa detonar Jader. Até escreveu o livro: ” O Escândalo do Aurá, a Nova República e a Justiça”, volumes I e II, em parceria com o também advogado e ex-presidente da OAB no Pará, Sérgio Couto, que faleceu de covid-19 neste ano de 2021. Por conta disso, Jader foi condenado pelo juiz Pedro Paulo Martins, a quem acusou de corrupção e de estar aliado a Lamarão. O processo, depois, com recurso do então governador, teve a condenação extinta.
Em 1985, Paulo Lamarão seria novamente a “mosca na sopa” de Jader, ao ingressar judicialmente com uma ação popular contra o governador por desvios de 10 milhões de dólares dos cofres do Banco do Estado do Pará (Banpará), mais um caso de repercussão nacional. Em 2001, após marchas e contra-marchas e o processo inclusive ter desaparecido do Fórum de Belém, a então juíza Rosileide Cunha, hoje desembargadora do TJ do Pará, foi substituída no cargo quando se preparava para reconstituir a ação popular de Lamarão que havia sumido.
O advogado pedia na ação que Jader fizesse o ressarcimento aos cofres públicos dos U$$ 10 milhões supostamente desviados do Banpará e que teriam como um dos beneficiários o próprio Jader, segundo apontava relatório da fiscalização do Banco Central. O processo, por fim, caiu no esquecimento e na prescrição, quando foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Jader pulou essa fogueira, mais uma vez. Lamarão, por seu turno, continuou a ser tratado como inimigo número 1 de Barbalho.
O jornal do então governador soltou fogos já nos anos 90 quando Lamarão, então já residindo em Fortaleza, foi preso pela Polícia Federal sob a acusação de tráfico de cocaína em uma barraca de venda de água de coco na praia do Futuro, naquela cidade. Em um vídeo gravado por ele e divulgado nas redes sociais, o advogado respondeu à acusação de tráfico: ” “Eu nunca me envolvi com tráfico de cocaína e nada disso”.
Segundo Lamarão, o problema é que um amigo dele, de Belém, este sim, acusado de traficar cocaína juntamente com uma cabeleireira famosa de Fortaleza, indicou à polícia Paulo Lamarão como pessoa de suas relações, levando a PF a fazer vinculações entre o advogado e o esquema de tráfico”. Ele foi inocentado da acusação.
Uma das últimas investidas do advogado contra Jader foi a denúncia de fraude na compra de terras na área onde hoje se localizam várias fazendas do senador conhecidas Chão de Estrelas e Chão Preto, às margens da rodovia Belém-Brasília, no município de Aurora do Pará. Ele afirmou que as fazendas Rio Branco, Rio Branco 2, Chão de Estrelas e Chão Preto eram “griladas”. A origem das quatro fazendas, que somam cerca de 16 mil hectares e compõem a Agropecuária Rio Branco, seria falsa.
Ao todo, durante a maior parte de sua vida como advogado, Lamarão moveu cerca de 21 ações contra Jader. Quase todas foram prescritas, ou arquivadas. E o advogado, nesse tempo, passou a se declarar “vítima de perseguições” por parte do hoje senador.
Em Fortaleza desde 1989, ele morava em uma casa que definiu como “único bem” que lhe restou, após as perseguições que alegava ter passado a sofrer desde o momento em que tornou públicas as denúncias contra Jader. “Eu perdi tudo. Só tenho essa casa. O resto eu tive que vender, dada a perseguição. É uma luta contra a corrupção meio inglória”, desabafou no vídeo.
O Ver-O-Fato não conseguiu falar com o senador Jader Barbalho para ele comentar sobre a morte do antigo desafeto. O espaço está aberto à manifestação do parlamentar