O ministro quer 14 anos de cadeia em regime fechado para Débora, que usou frase do colega dele, Luís Roberto Barroso, presidente do STF, em Nova Iorque. Veja a íntegra do voto no final da matéria
Em um capítulo sombrio da história jurídica brasileira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), protagonizou mais uma decisão que escancara o colapso do devido processo legal no país. Nesta sexta-feira (21), Moraes votou pela condenação de Débora Rodrigues dos Santos a 14 anos de prisão em regime fechado, sob a acusação de participação nos atos de 8 de janeiro de 2023.
O caso, que tramita na Primeira Turma do STF em julgamento virtual até o dia 28, é um exemplo gritante de como a democracia e o Estado Democrático de Direito no Brasil estão sendo sufocados por critérios enviesados de um único homem que acumula os papéis de delegado, promotor, vítima e juiz – tudo ao mesmo tempo, sem deixar margem para que as vítimas de suas sentenças possam recorrer.
Débora, que segue presa, foi acusada de crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada. O estopim para tamanha severidade? A suposta autoria de uma pichação com a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça, em frente ao STF, durante os protestos.
A ironia é que a expressão foi originalmente cunhada pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, em um momento de provocação a apoiadores de Jair Bolsonaro em 2022, em Nova Iorque, mas agora serve como pretexto para uma condenação draconiana.
Em seu voto, Moraes escreveu: “A ré Débora Rodrigues dos Santos confessadamente adentrou à Praça dos Três Poderes e vandalizou a escultura ‘A Justiça’, de Alfredo Ceschiatti, mesmo com todo cenário de depredação que se encontrava o espaço público”. O que o ministro omite, porém, é qualquer prova concreta de que Débora tenha liderado ou participado ativamente de uma conspiração armada ou de atos violentos.
“Marco vergonhoso do judiciário”
A defesa da ré, representada pelos advogados Hélio Júnior e Tanieli Telles, reagiu com indignação, classificando o voto como um “marco vergonhoso na história do Judiciário brasileiro”. Em nota, afirmaram que “condenar Débora por associação armada apenas por ter passado batom em uma estátua não é apenas um erro jurídico – é pura perversidade”.
E como não seria? A pena de 14 anos, aplicada sem distinção ou proporcionalidade, é uma aberração que transforma o STF, a última instância do sistema judiciário, em um tribunal de exceção. Não há a quem apelar quando o julgador se coloca acima da lei, da razão e da justiça.
Alexandre de Moraes, como relator do caso, parece encarnar um poder absoluto que julga e condena a rodo, sem se preocupar com as garantias fundamentais dos acusados. Inocentes – ou, no mínimo, pessoas sem histórico criminal e sem provas robustas contra si – estão sendo tragados por uma máquina punitiva que opera sob a lógica do arbítrio.
A defesa de Débora foi enfática ao apontar o caráter político do julgamento: “Em nenhum momento ficou demonstrado que Débora tenha praticado atos violentos, participado de uma organização criminosa ou cometido qualquer conduta que pudesse justificar uma pena tão severa”. O que se vê, na verdade, é uma perseguição implacável disfarçada de defesa da democracia – uma democracia que, ironicamente, definha sob as mãos de quem deveria protegê-la.
Caneta implacável
O STF, sob a batuta de Moraes, tornou-se um palco onde o devido processo legal é substituído por sentenças prontas, e o direito de defesa é reduzido a um eco vazio.
Enquanto o julgamento segue, com os votos de Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia ainda pendentes, o Brasil assiste a um espetáculo que compromete sua própria identidade como nação democrática. Alexandre de Moraes, com sua caneta implacável, não apenas condena indivíduos como Débora, mas enterra os princípios básicos de justiça e equidade.
Resta a pergunta: quem julgará o juiz que se julga acima de todos? No atual cenário, a resposta é desoladora: ninguém.
LEIA AQUI AS 91 PÁGINAS DO VOTO DE MORAES
A FRASE DE LUÍS ROBERTO