Começa no próximo dia 15 deste mês a fase de instrução do processo e o interrogatório, na Justiça Militar, das testemunhas e dos quatro policiais militares acusados de sequestro, tortura e morte do jovem Mateus Gabriel da Silva Costa, de 18 anos, desaparecido há 5 meses após uma abordagem policial, em Xinguara, na Região do Araguaia, sudeste paraense. Os acusados são os cabos da PM André Pinto da Silva, Dionatan João Neves Pantoja, Wagner Braga Almeida e Ismael Noia Vieira, que estão presos preventivamente desde o dia 31 de março deste ano, por determinação do juiz Lucas do Carmo de Jesus, da Vara Única da Justiça Militar do Pará.
Mais de 30 testemunhas estão arroladas no processo. Os quatro policiais são acusados pelos crimes de sequestro, tortura e morte do rapaz, fato ocorrido no dia 3 de fevereiro deste ano, em uma rua daquele município, onde a vítima foi presa, à noite, levada do local e nunca mais foi vista. Na manhã de 5 de fevereiro deste ano, depois de 36 horas sem ver o filho, a mãe, Zely Aparecida Ribeiro da Silva registrou na Delegacia de Polícia de Xinguara o desaparecimento dele. O jovem está desaparecido desde aquela data.
O juiz na época atendeu a denúncia apresentada pelo promotor de justiça militar, Armando Brasil. Também a pedido de Armando Brasil, o juiz autorizou a busca e apreensão dos celulares pertencentes aos denunciados, com acesso imediato aos dados relacionados aos seus conteúdos, incluindo acesso a conversas de aplicativos de comunicação, fotografias, áudios, inclusive o que estiver em “nuvem”, do que for de interesse da investigação.
O inquérito policial foi instaurado pelo delegado José Orimaldo Farias, da Polícia Civil de Xinguara. O delegado iniciou as investigações e descobriu que no dia do seu desaparecimento, por volta de 23h30, o jovem foi preso por policiais militares no beco da Baiana, que liga a rua Gorotire com a rua Duque de Caxias, na sede do município. Em depoimento à polícia, os moradores Maria Helena da Silva Lopes, Lucas da Silva Lima e os irmãos Franciel e Francilei da Silva Caixeta e Wdson Francisco Abreu dos Santos, além de um menor de idade, falaram que o jovem foi visto saindo de um jogo de futebol, com um amigo na garupa da moto, e sendo perseguido, interrogado e agredido pelos policiais militares.
Imagens mostram viatura da PM
Câmeras de segurança de prédios comerciais e de residências localizadas pela Polícia Civil mostram Matheus Gabriel Costa, por volta de 00:20 da madrugada de 4 de fevereiro, deixando o carona da moto na casa dele (amigo), tendo em seguida partido pela rua Gorotire. As imagens também mostram ele sendo seguido por uma viatura da PM até o beco. Em outra imagem é possível ver, segundo a denúncia, a mesma viatura passando novamente pela rua Gorotire, por volta de 00h36 daquela madrugada, desta vez com o jovem dentro, sendo agredido.
Constam ainda do processo imagens de uma câmera instalada na casa de um morador da rua Gorotire, que revelam que, por volta de 00:41h, uma viatura da PM passa pelo local, acompanhada de duas motocicletas. Diante de dificuldades enfrentadas pelo delegado de Xinguara, houve pedido de auxílio à Delegacia de Homicídios de Marabá, cujo delegado, Toni Rinaldo Vargas, obteve novos elementos comprobatórios do envolvimento dos quatro militares nos crimes.
No local de crime foi possível ter a percepção do ambiente dos acontecimentos narrados pelas testemunhas, assim como notória a possibilidade da captação de gritos e pedidos de socorro, o que foi de forma unânime apresentado pelas pessoas inquiridas.
Violência para extração de informações
“Da análise dos elementos, concluiu a autoridade policial, conclusão esta compartilhada por este órgão ministerial, na presente peça exordial acusatória, que, de fato, na data de 03/02/2021, a vítima cruzou com a viatura policial e, tendo sido vista, a GU começou acompanhamento para abordagem devido à utilização de cano de escapamento de motocicleta aberto, popularmente conhecido como “cadron”, que produzia excessivo ruído”, diz a denúncia de Armando Brasil.
O promotor percebeu que “tais rotas foram consubstancias em degravação das imagens captadas pelas câmeras de vigilância colhidas pela equipe policial local, as quais demonstram claramente o acompanhamento da viatura policial à motocicleta pilotada por Mateus Gabriel da Silva Costa, o qual, ao entrar no beco, com a finalidade de fuga, acabou por ser capturado pela GU em questão”.
Há também áudios da dinâmica dos fatos, gravados por pessoa não identificada, que foram compartilhados em diversos grupos de WhatsApp de moradores da região, que foram colhidos e degravados pela equipe da Delegacia de Homicídios de Marabá. “Por sua escuta percebe-se violência para extração de informações, ao que parece, acerca de drogas, o que teria perdurado por cerca de vinte minutos, conforme testemunhas, demonstrando, assim, atos de verdadeira tortura para com a vítima em questão”, aponta a denúncia.
Testemunhas anônimas, que mantiveram as identidades preservadas, afirmaram que a abordagem policial realizada em Mateus Gabriel Costa teria sido por excessivo ruído da moto e suspeita de roubo, além dos policiais militares perguntarem onde o jovem teria se “desfeito de drogas”. Estas testemunhas, num depoimento mais esclarecedor, afirmam que escutaram muitas agressões, gritos, gemidos, pedidos para parar, inclusive com barulho da utilização de instrumento que foi chamado de estaca (pedaço de madeira) por cerca de 20 minutos.
Por fim, segundo as testemunhas, o rapaz foi colocado no camburão, a motocicleta saiu na frente, pilotada por um policial militar e a viatura seguiu atrás, saindo do beco da Baiana com destino à rua Raul Bop, em direção à BR 155.
Nunca mais o jovem foi visto. Também a moto sumiu.