Cleudson Garcia Montali foi preso durante a Operação Raio X, deflagrada em setembro do ano passado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Polícia Civil. Além da pena de 104 anos em regime fechado, Cleudson terá de pagar R$ 947 mil aos cofres da Prefeitura de Penápolis (SP). Ó processo corre sob segredo de Justiça e a decisão, de primeira instância – ou seja, cabe recurso – é do juiz da 1ª Vara Criminal, Marcelo Yukio Misaka. O réu já está na cadeia, de onde deve ajuizar recurso.
Na decisão, o juiz citou que a culpabilidade de Cleudson merece juízo de reprovação severo, porque na qualidade de médico, ele desgarrou-se de todos os princípios fundamentais do código de ética da categoria profissional. “Em especial a de que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”, diz o magistrado.
O juiz segue citando que em todas as condutas o réu ignorou o juramento médico, “agarrou-se ao egoísmo e à tentação do lucro vil e ilegal, reduzindo as pessoas como meio para atingir suas cobiças e não como fim de sua atividade médica”.
Ele acrescentou: “Com isso não só prejudicou a si, mas sobretudo a sociedade, seus familiares – em especial filhos- que se viram envolvidos nessa teia odiosa, e de certa maneira também maculou a imagem de todos os profissionais médicos, os quais em sua infinita maioria não comungam do mesmos valores, já que se dedicam e vêm a nobreza de suas profissões não na angariação de bens materiais e sim na concretização do bem comum, do próximo, postando-se no outro extremo do exercício altero dessa nobre profissão que é a medicina”.
Crimes lá, crimes no Pará
O processo de Penápolis, julgado no último dia 27, foi desmembrado e faziam parte dessa ação os réus Aline Barbosa de Oliveira, Cláudio Castelão Lopes, Cleudson Garcia Montali, Márcio Takashi Alexandre, Márcio Toshiharu Tizura, Nicolas André Tsontakis Morais, Olavo Silva de Freitas e Raphael Valle Coca Moralis. Além de Cleudson, Nicolas Tsontakis e Raphael Coca Moralis estão enrolados no monumental esquema de corrupção na saúde do Pará – leia-se governo de Helder Barbalho -, onde segundo a PF foram desviados R$ 455 milhões de um total de R$ 1,2 bilhão ainda sob investigação.
Aqui, ele agia por meio da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu, que administrava o hospital Abelardo Santos, de Icoaraci, distrito da capital. O modus operandi que provocou a condenação a 104 anos em regime fechado, era praticamente o mesmo desenvolvido pela organização criminosa que tinha como um dos principais cabeças, Nicolas Tsontakis, hoje sob prisão domiciliar por ordem do ministro do STF, Dias Toffoli.
O médico anestesista Cleudson Garcia Montal é apontado como líder da organização criminosa acusada de desviar dinheiro público da Saúde de Penápolis. De acordo com o Ministério Público, ele foi condenado por corrupção e peculato. Porém, acabou sendo absolvido do crime de fraude em licitação. Outras sete pessoas presas durante a operação também foram condenadas a penas que variam de 75 a 19 anos de prisão no regime fechado.
O anestesista, que foi diretor em várias unidades de saúde, chegou a ser homenageado com o título de cidadão Emérito nos municípios de Birigui e Agudos.
Irmandade do assalto
Por meio da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Birigui e Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu, Cleudson Montali celebrou contratos de gestão mediante licitações fraudulentas com o poder público para administrar a saúde de diversos municípios e desviando parte do dinheiro repassado por força do contrato de gestão às referidas Organizações Sociais.
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e a Polícia Civil descortinaram um esquema de desvio de dinheiro público extremamente orquestrado e sofisticado por meio de contratos de gestão não apenas no município de Birigui, mas em diversos municípios do estado de São Paulo e também em outros estados.
Segundo o G1 apurou, as investigações mostraram que a organização criminosa, mediante acordos previamente firmados com as prestadoras de serviços contratadas, desviou grande parte das quantias repassadas às Organizações Sociais, ora por meio de superfaturamentos, ora por meio de serviços não executados, sempre mediante emissão de notas frias.
Os atos criminosos ocorreram de maneira reiterada, sendo que parte do dinheiro desviado foi objeto de lavagem de dinheiro. Além dos crimes citados, as investigações apontaram também que os alvos da operação teriam praticado crimes de corrupção ativa e passiva, além de falsidades ideológicas.
As investigações também demonstraram que a organização, que viu o atual cenário da pandemia como uma oportunidade única para desviar dinheiro, contava com uma vasta rede de contatos criminosos em diversas localidades.
No caso de Cleudson, por exemplo, ele conseguia efetuar o crime por meio de pessoas interpostas, dirigindo as Organizações Sociais nas quais efetuava desvios milionários. Embora Cleudson já estivesse sendo investigado e alegado que iria se afastar das Organizações Sociais, o mesmo não ocorreu.
O G1 apurou também que as investigações ainda apontaram que Cleudson adquiriu outras duas novas Organizações Sociais justamente como forma de ampliar seus horizontes.
Até então, ele agia por meio das Organizações sociais de Birigui e Pacaembu. Contudo, nos últimos tempos o médico também vinha agindo em outros estados, desviando milhões em plena época de pandemia gerada pelo coronavírus, conforme o Ministério Público.
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e a Polícia Civil descobriram que alguns denunciados ocultaram, destruíram e até mesmo queimaram provas, enquanto outros falsificaram documentos para obstruir e dificultar a investigação envolvendo as Organizações Sociais.
Vida de crimes e de luxo
O programa Fantástico, da Rede Globo, apurou que alguns dos acusados de participar da quadrilha levavam uma vida de milionário, comprando mansões, carros importados, aviões e helicópteros.
De acordo com as investigações, Lauro Henrique Fusco Marinho bancou uma viagem para o México e muitas outras com o dinheiro da Saúde. Ele é médico e dono de duas empresas que deveriam atender as Organizações Sociais de Cleudson. Muitos dos serviços não eram realizados, mas mesmo assim, Lauro emitia notas fiscais só para desviar verbas.
A investigação, que durou dois anos e culminou com a prisão de mais de 50 pessoas durante a operação Raio X apontou que as organizações sociais de Cleudson cresceram rapidamente e fecharam contratos em 27 cidades de quatro estados: Pará, Paraíba, Paraná e São Paulo.
A quadrilha, que tinha a participação de políticos, desviou mais de R$ 500 milhões, que deveriam ter sido investidos em hospitais e no tratamento da Covid-19.
Em muitas das vezes, os políticos estavam envolvidos para ajudar na primeira fase do esquema, o fechamento de contratos com o poder público. Em Agudos, um vereador foi preso suspeito de envolvimento no esquema.
Glauco Luiz Costa (MDB), conhecido como “Batata”, teria recebido R$ 50 mil para votar pela cassação do prefeito, Altair Francisco Silva (PRB), e influenciar os colegas na votação. A tentativa de afastar o prefeito é por ele ter rompido com o contrato de uma das Organizações Sociais de Cleudson.
O prefeito Altair foi afastado duas vezes do cargo, mas conseguiu voltar após decisão da Justiça. Outros quatro vereadores da cidade também são investigados.
Segundo as investigações, no complô contra o prefeito, Cleudson conseguiu também que a Câmara de Agudos o homenageasse com o título de “Cidadão Agudense”, em 2019. Na ocasião, Batata discursou e disse que “era uma honra” receber o médico na Casa.
A defesa de “Batata não recebeu qualquer valor em espécie, sempre votou de acordo com suas convicções e lamenta que estejam sendo veiculadas informações desconformes com a realidade”.
Após a reportagem do Fantástico, a Câmara de Agudos votou um pedido de instauração de processo de cassação contra o vereador preso, mas o pedido foi negado por 8 votos a 3.
Outros políticos presos em São Paulo foram o Secretário de Saúde de Penápolis (SP), Wilson Carlos Braz, e o vereador de Birigui José Roberto Merino Garcia, conhecido como Paquinha. (Do Ver-o-Fato, com informações do G1 e Hoje Mais)