No início do século XXI, um dos principais pontos de encontros dos jovens era a locadora de videogame. Você pagava 50 centavos e tinha direito a 1 hora. Mas as coisas ali não se explicavam somente pelos jogos, pois era como um feed do facebook, porque estavam postos os debates e fofocas mais urgentes da cidade.
Na manhã de quinta-feira de 24 de abril de 2003, o principal debate girava em torno de quanto o Paysandu perderia e se haveria ao menos chance de conseguir levar para os pênaltis no jogo de volta em Belém, contra o Boca Junior pela Libertadores.
A dona da local era Paysandu doente e o assunto estava sempre em evidência por lá. Diziam até que ela te deixava jogar um pouco mais se você fosse com a camisa bicolor. Mas naquele dia, pela primeira vez, vi ela aceitando que o papão perderia por 2 a 0.
O clima era esse. Não chegava a ser um pessimismo, era apenas um realismo que se impunha mesmo que o time estivesse muito bem.
Nesse tempo era muito raro, até para uma pessoa de classe média, ter Tv por assinatura por aí. Essa era a única maneira de ver a partida ao vivo. Ver, porque o rádio narrava os acontecimentos em campo para os ouvidos atentos que se interligavam a corações inquietos de torcedores. Se bem que as narrações eram (são) tão boas que é possível dizer que os lances eram vistos.
Meu pai sabia da minha animação por ver a partida, mas ao mesmo tempo, ele não conhecia ninguém que tivesse tv por assinatura. Fomos obrigados a sair para procurar, o que também não era tão simples porque, ao contrário de hoje, poucos eram os bares que tinham tv a cabo e, pra nós, haveria de ser um sem muita movimentação e que não exigisse degustação. Mas estava tudo lotado.
Quase que por sorte, achamos um rapaz que fazia a boa ação de colocar uma televisão, do lado de dentro das grades de um condomínio, virada para avenida e assim os passantes poderem assistir. Por dificuldades técnicas ou emoção, botaram a televisão no mudo e a narração era acompanhada por uma imensa caixa de som que estava sintonizada na Rádio Clube. Mas por algum motivo que eu não tenho conhecimentos para explicar, o tempo da rádio estava a frente das imagens. Ou seja, a narração estava no minuto 41, enquanto as imagens passavam o 40.
Quem narrava o jogo era o grande , o 40 graus da Clube. Não sei se é verdade, mas pouco antes do jogo comentavam que ele torcia para o rival, entretanto, não deixava a desejar na emoção que transmitia.
O jogo era nervoso. O Boca fazia uma pressão absurda, ainda mais com o time bicolor com dois expulsos. A esperança era conseguir aguentar o empate. De repente o Ronaldão narra um bom e raro lance de ataque do Paysandu. Rodrigo para o Vélber, deste para o Sandro, deste para o Iarley. Ronaldo Porto de maneira feroz disparou: gol, gol, gol, gol. Pra gente parecia engano ou dilírio, pois na TV a bola ainda estava no meio de campo.
Então veio a vinheta “gol gol gol, a galera grita gol” e por alguns segundos ainda pairava a dúvida se realmente era do Paysandu, ainda que o entusiasmo do 40 graus já fosse o suficiente para sacramentar que sim, mas é daquelas coisas que se duvida quando se presencia um milagre. Já não se conseguia ouvir nada da narração quando a bola entrou, a euforia da comemoração foi generalizada, parecia um sonho.
Ronaldo Porto estará imortalizado nesse e em outros lances de perfeita felicidade na vida de muitos torcedores do Pará.
Discussion about this post