Em decisão prolatada ontem, 3, a juíza da 6ª Vara Criminal de Belém, Andréa Ferreira Bispo, rejeitou a ação penal impetrada pela controladora geral-adjunta de Controle Interno da Controladoria Geral do Estado (CGE), Alegria Leite Borges Leal contra o portal Ver-o-Fato, seu editor, jornalista Carlos Mendes, e também contra a auditora da própria CGE, Vanda Neves. De acordo com a decisão judicial, não houve crime de calúnia e difamação contra Alegria.
Alegria diz na ação que tanto o Ver-o-Fato quanto a auditora Vanda Neves cometeram os crimes de calúnia, difamação e injúria contra ela, pedindo condenação e pagamento de R$ 40 mil a título de indenização por supostos danos morais.
O processo teve origem, em abril passado, em denúncia feita por Vanda contra Alegria, apontando assédio moral e perseguição na CGE. Em uma série de três reportagens, o Ver-o-Fato reportou a situação de Vanda e de outros auditores do órgão público que estariam sofrendo assédio.
Além da ação penal, Alegria ingressou com pedido no Juizado Cível para que a justiça determine a imediata retirada das reportagens publicadas pelo Ver-o-Fato, pretendendo notória censura à imprensa, assim como não escrever mais sobre o que ocorre na CGE e sequer citar o nome de Alegria Borges Leal em novas publicações. Essa ação tramita no Juizado Cível e ainda não teve decisão..
A decisão judicial
“Analisando com a acuidade a inicial acusatória, é possível perceber que o querelante em nenhum momento atribui aos querelados a prática de fatos certos e
determinados no tempo e no espaço para o fim de justificar a configuração dos delitos de calunia e difamação”, diz a juíza Andréa Bispo na decisão.
Segundo a magistrada, há o entendimento pacífico do STJ de que “para configuração do crime de calúnia, urge a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Ou seja, deve ser imputado um fato determinado, devidamente situado no tempo e no espaço, bem como tal fato deve ser definido como crime pela lei penal, além de a imputação ser falsa. Portanto, não configura calúnia, em sentido oposto, a alegação genérica de uma conduta eventualmente delitiva”, salienta a juíza, citando decisão na ação penal n. 990/DF, cujo relator foi o ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/9/2022, DJe de 7/10/2022.)
“Logo, resta evidente que a narrativa acusatória, da forma em que formulada, não é capaz de atrair a tipificação do delito de calúnia, dada a ausência de especificação das circunstâncias em que o delito teria ocorrido. Pela mesma razão, ou seja, pela falta de indicação de fato determinado, não se vislumbra a configuração do delito de difamação tipificado pelo art. 139 do CP, na esteira do entendimento também sedimentado pelo STJ”, observa Andréa Bispo.
Mais adiante, ela explica: “dessa forma, excluída a tipificação dos delitos de calúnia e difamação, resta apenas o delito de injúria, cuja pena máxima não ultrapassa seis meses de detenção. Diante do cenário apresentado, rejeito a inicial acusatória quanto aos delitos dos arts. 138 e 139 do CP (calúnia e difamação). Em consequência da redução objetiva da ação, resta evidente que o processamento do feito não mais pode ser realizado perante este Juízo, dada a pena diminuta cominada ao crime de injúria, circunstância que atrai a competência do Juizado Especial Criminal. Por essa razão, declaro a incompetência deste Juízo para a causa, determinando a sua redistribuição a um dos Juizados Especiais Criminais competentes da capital. Intime-se. Cumpra.se”.
VEJA, ABAIXO, A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Gabinete da 6ª Vara Criminal da Capital
D E C I S Ã O
Processo n. 0808048-69.2024.814.0401
Vistos.
Cuida-se de QUEIXA-CRIME ofertada por ALEGRIA LEITE BORGES LEAL
em face de VANDA ARAÚJO NEVES e CARLOS AUGUSTO SERRA MENDES,
partes qualificadas.
Narra a inicial acusatória, em síntese, que Alegria e Vanda são servidoras
públicas estaduais e que Vanda teria divulgado, através do blog Ver-o-Fato, de
propriedade de Carlos, que estaria sendo assediada moralmente por Alegria,
impedindo-a de exercer direitos funcionais, como acessar o sistema eletrônico do
órgão de trabalho.
Em uma segunda matéria divulgada por Carlos, Alegria teria sido acusada
de dar ordens para que supostos dados falsos fossem inseridos no sistema com a
finalidade de inflar o número de auditorias realizadas, a fim de passar a imagem de
que sua gestão como Controladora Geral Adjunta de Controle Interno da
Controladoria Geral do Estado seria competente.
Por conta, em síntese, dessas alegações, entende a querelante que os
querelados praticaram os delitos de injúria, difamação e calúnia.
É o relatório. Decido.
Analisando com a acuidade a inicial acusatória, é possível perceber que o
querelante em nenhum momento atribui aos querelados a prática de fatos certos e
determinados no tempo e no espaço para o fim de justificar a configuração dos
delitos de calunia e difamação.
Ora, consoante entendimento pacífico do STJ, “para configuração do crime
de calúnia, urge a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Ou seja,
deve ser imputado um fato determinado, devidamente situado no tempo e no
espaço, bem como tal fato deve ser definido como crime pela lei penal, além de a
imputação ser falsa. Portanto, não configura calúnia, em sentido oposto, a alegação
genérica de uma conduta eventualmente delitiva.” (APn n. 990/DF, relator Ministro
Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/9/2022, DJe de 7/10/2022.)
Logo, resta evidente que a narrativa acusatória, da forma em que formulada,
não é capaz de atrair a tipificação do delito de calúnia, dada a ausência de
especificação das circunstâncias em que o delito teria ocorrido.
Pela mesma razão, ou seja, pela falta de indicação de fato determinado, não
se vislumbra a configuração do delito de difamação tipificado pelo art. 139 do CP,
na esteira do entendimento também sedimentado pelo STJ (AgRg no AREsp
1422649 / DF).
Dessa forma, excluída a tipificação dos delitos de calúnia e difamação, resta
apenas o delito de injúria, cuja pena máxima não ultrapassa seis meses de
detenção.
Diante do cenário apresentado, rejeito a inicial acusatória quanto aos delitos
dos arts. 138 e 139 do CP.
Em consequência da redução objetiva da ação, resta evidente que o
processamento do feito não mais pode ser realizado perante este Juízo, dada a
pena diminuta cominada ao crime de injúria, circunstância que atrai a competência
do Juizado Especial Criminal.
Por essa razão, declaro a incompetência deste Juízo para a causa,
determinando a sua redistribuição a um dos Juizados Especiais Criminais
competentes da capital.
Intime-se. Cumpra.se
Belém/PA, data registrada no sistema.
ANDREA FERREIRA BISPO
Juíza de Direito