O Ver-o-Fato vai tratar de um caso que, certamente, vai gerar muita polêmica dentro e fora do Pará.
Trata-se de uma decisão judicial, assinada pelo juiz da comarca de Igarapé-Miri, na região do nordeste paraense, Arnaldo José Pedrosa Gomes, determinando que uma adolescente de 17 anos seja submetida a “aborto humanitário ou sentimental”.
Ela sofre de doença mental, foi estuprada e engravidou do próprio pai, que está com prisão preventiva decretada. Além disso, a jovem também teria sido abusada sexualmente por vizinhos. O transtorno psíquico da adolescente foi agravado em decorrência dos estupros e o feto que ela carrega no ventre teria síndrome de down.
“Dessa forma, o Estado deve garantir ao indivíduo um nível de vida adequado à condição humana, respeitando-se os princípios fundamentais de cidadania e dignidade da pessoa humana. Nessa perspectiva de respeito à dignidade humana, o Código Penal Brasileiro, em seu art. 128, estabelece duas hipóteses em que o aborto é permitido: no caso de aborto terapêutico ou necessário, quando a gestante há sério e grave perigo de vida para a gestante, e a hipótese do aborto humanitário, quando a gravidez resulta de estupro, sendo esta última a hipótese dos autos. Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”, diz o relatório do MP do Pará.
Ele continua: “da leitura textual do dispositivo supramencionado, têm-se como requisitos ao aborto humanitário o consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal, e a decisão do médico de que a medida é a melhor a ser adotada, prescindindo inclusive de autorização judicial. Ocorre que, no caso em questão, a adolescente gestante se encontra acolhida em instituição de acolhimento deste município em face da ausência de sua genitora, única representante legal, bem como de outros familiares que possam assumir o encargo, sendo necessário que este juízo supra o consentimento da representante legal para a prática do aborto humanitário, medida requerida pelo representante do Ministério Público”
Diz ainda o fiscal da lei que restou demonstrado nos autos que a adolescente M.S.L. possui enfermidade mental, que gerou a ausência de capacidade de discernimento e de exprimir sua vontade, nos termos do laudo médico psiquiátrico e se encontra grávida, em estágio avançado de gravidez, conforme exame de ultrassonografia obstétrica. Ora, a prática de conjunção carnal e/ou ato de conteúdo sexual com quem, por doença mental, não possui discernimento para o ato, configura-se crime de estupro de vulnerável, nos termos do art. 217-A, §1º, do CP..”
Aduz ainda que a adolescente devido a sua enfermidade mental não possui capacidade de entender seu estado gravídico, tampouco as consequências de levar a termo a gravidez, haja vista ter comportamento e compreensão condizentes com faixa etária infantil, comprometendo sua autonomia ou capacidade para decidir a respeito da interrupção ou não da gravidez.
Relata também que a adolescente, devido a sua condição, apresenta forte resistência a realização dos exames necessários ao acompanhamento do pré-natal, chegando a ser internada, para que os procedimentos fossem efetuados, o que demonstraria que a adolescente não teria condições psicológicas e emocionais de dar continuidade à gravidez, sem a ocorrência de maiores traumas.
“Diante disso, consubstanciando todas as razões ao norte declinadas, lastreado na falta de capacidade de discernimento atestada pelo laudo médico, e na ausência de condições psicológicas e emocionais de a menor dar continuidade à gravidez, sem a ocorrência de maiores traumas, e ainda com espeque no entendimento favorável do Ministério Público, entendo patente a autorização judicial de aborto humanitário em favor da adolescente M.L, a fim de garantir o seu melhor interesse na preservação de sua saúde física e psicológica”, afirma o juiz na decisão..
“Diante do exposto, com fulcro no art. 98, inciso II, c/c art. 101, incisos II e V, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, c/c com art. 128, inciso II, do Código Penal Brasileiro DECIDO da seguinte forma: a) AUTORIZO a prática do aborto sentimental ou humanitário em favor da criança, EM CARÁTER DE URGÊNCIA, visto o estágio avançado de gravidez da criança”
b) APLICO, em favor da adolescente, a medida requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, caso necessário, a ser efetivado pela Secretaria de Saúde do Município de Igarapé-Miri, a fim de abarcar todas as necessidades terapêuticas reclamadas no caso, em especial os decorrentes do aborto a ser praticado, devendo remeter a este Juízo relatório do plano de atendimento da infante no prazo de 15 (quinze) dias após a efetivação do aborto;
c) DETERMINO que seja recolhido material biológico do feto para posterior confronto em exame de DNA, para comprovação do crime de estupro de vulnerável; d) DETERMINO também a regularização do acolhimento instituição da adolescente no espaço de
acolhimento deste município, devendo ser expedida a competente guia de acolhimento; e) APLICO em favor da adolescente a medida protetiva de acompanhamento temporário do caso pela Equipe Multidisciplinar vinculada a este Juízo, determinando que o referido órgão proceda ao estudo competente, remetendo o respectivo relatório no prazo de até 30 (trinta) dias, sugerindo, se for o caso, a execução de outras medidas que entender pertinentes;
f) DETERMINO à Secretaria de Assistência Social deste Município de Igarapé-Miri/PA, por meio de seus equipamentos, proceda o encaminhamento da adolescente M. dos S. L., para fins de acesso ao BPC –Pessoa com Deficiência, junto ao INSS.
g) Outrossim, DETERMINO o acompanhamento do Conselho Tutelar de Igarapé-Miri/PA, para que no exercício de suas funções instituições, auxilie no cumprimento da presente decisão, em todos os seus termos”. resume o magistrado.
Abandonada
A apuração registra ainda que a vítima sofre maus tratos por parte de familiares, os quais a abandonaram, recusando-se a comparecer às instituições para assumir responsabilidades, fatos que estão ensejando investigações para as providências na
seara criminal. Os fatos ao conhecimento da rede por meio de informe da Escola Acatauassu Nunes, diante do que a vítima foi abrigada cautelarmente.
Segundo a decisão do juiz, a vítima não possui condições psicológicas e emocionais para continuar a gravidez em decorrência de maiores traumas, eis que está bastante sequelada pela sucessão de violências sofridas, bem como sua família a negligencia.
Destaque-se que medida excepcional se justifica com medida humanitária, com o objeto de impedir situação maior violência e sofrimento, com reforço de traumas decorrentes de sucessivas violências e abandono.
SUS, Pro Paz e Santa Casa não querem cumprir
A decisão judicial, do último dia 9, porém, está sofrendo resistências para ser cumprida dentro de órgãos do governo do estado, principalmente no Propaz. Um ofício foi enviado à Santa Casa, mas o hospital alega não possuir tecnologia para fazer o aborto, ou encaminhar a mãe para Recife (PE), onde existe um centro especializado nesse tipo de procedimento cirúrgico. Além disso, o ProPaz argumenta que o tempo gestacional de 27 semanas impediria realização do aborto.
“Conversei com especialistas em medicina fetal e eles afirmam que o debate que o Propaz e Santa Casa querem levantar para não cumprir a decisão da Justiça não cabe e é equivocado e decorre de formação equivocada da maioria dos profissionais”, afirmou ao Ver-o-Fato o promotor de justiça Emério Mendes, autor do pedido.
O SUS, a Santa Casa e o ProPaz do governo se recusam a cumprir a decisão judicial. E agora?
MPF recomenda que Estado garanta abortamento urgente
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou nesta quarta-feira (15) ao governador e ao secretário de Saúde do Pará que garantam que uma pessoa com deficiência e menor de idade vítima de estupro seja atendida com urgência para fazer o abortamento humanitário legal.
Segundo informações que o Hospital Santa Casa de Misericórdia, de Belém, forneceu ao MPF, o procedimento necessário para o caso da paciente não é realizado pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS) no Pará, e sim em outros estados brasileiros.
Por isso, o MPF recomenda que o Estado do Pará, como gestor regional da rede SUS, adote imediatamente todas as providências necessárias para a transferência da paciente ao centro de saúde mais indicado, em caráter de extrema urgência.
Além de o direito ao abortamento humanitário em casos como esse ser garantido na legislação nacional e internacional, a paciente tem decisão favorável da Justiça Estadual do Pará à realização do procedimento.
Sobre recomendações – Recomendações são instrumentos do Ministério Público que servem para alertar agentes públicos sobre a necessidade de providências para resolver uma situação irregular ou que possa levar a alguma irregularidade.
O não acatamento infundado de uma recomendação, ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-la total ou parcialmente pode levar o Ministério Público a adotar medidas judiciais cabíveis.