Paulo Jordão – repórter
O juiz Marcus Alan de Melo Gomes, da 9ª Vara Criminal de Belém, absolveu sumariamente, extinguiu a punibilidade e mandou arquivar ontem,18, o processo movido pelo Ministério Público do Estado (MPPA) contra o advogado Ismael Moraes, por ele ter denunciado “a existência de um acordo entre a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a empresa Hydro Alunorte, com o fim de obter enriquecimento dos procuradores e apoio financeiro para campanha eleitoral”.
Ismael Moraes referiu-se diretamente aos procuradores Ophir Cavalcante Junior e Tátilla Passos Brito. De acordo com o processo, no dia 22 de abril de 2018, o advogado, em entrevista concedida ao jornal O Liberal, imputou aos dois procuradores a prática dos crimes de prevaricação e advocacia administrativa.
A 9ª Promotoria de Justiça Criminal ofereceu denúncia contra o advogado imputando a Moraes o cometimento de crime contra a honra dos procuradores, definido no artigo 138 do Código Penal, nas circunstâncias do artigo 141, II e III, do mesmo diploma legal.
Na sentença, o juiz destaca que o pedido de explicações em juízo nos crimes contra a honra e a representação para efeito de ação penal pública condicionada são institutos de natureza jurídica diversa. “Aquele constitui medida preparatória e facultativa pela qual o ofendido tão somente requer explicações sobre referências, alusões ou frases, das quais se infere calúnia, difamação ou injúria. Não deduz pretensão voltada à movimentação da persecução penal”.
O que o ofendido busca, diz o magistrado, são esclarecimentos sobre alegações cujos contornos ofensivos sequer estão bem definidos – se estivessem, o pedido de explicações não seria necessário – e que podem mesmo, ao fim do procedimento correspondente, ser tomados pelo ofendido como satisfatórios.
“Aliás, prossegue o juiz, esse paradoxo entre o pedido de explicações e a representação pode ser identificado nos termos da manifestação do parquet, quando afirma que por meio da referida interpelação criminal, as vítimas manifestaram a vontade de esclarecer os fatos, deixando evidente que, em caso de não convencimento, prosseguiriam com o devido processo judicial”.
O pedido de explicações, completa o magistrado, “não pode ser equiparado à representação unicamente em virtude desta não demandar maiores rigores formais. Aqui, a maleabilidade da forma não dispensa a clareza da vontade manifestada pelo ofendido, que deve caminhar irrefutavelmente na senda da persecução penal. Inquestionável, portanto, a decadência do direito de representação dos ofendidos”.
“Diante do exposto, e com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal, e art. 397, IV, do Código de Processo Penal, julgo extinta a punibilidade e absolvo sumariamente Ismael Antônio Coelho de Moraes, qualificado na exordial, pelo que determino o arquivamento dos autos, após o trânsito em julgado desta decisão, a baixa nos registros informatizados de secretaria e as comunicações de estilo. Sem custas”, finaliza o juiz.
Leia, abaixo, a íntegra da decisão judicial:
Sentença Vistos, etc.
O Ministério Público do Estado, representando pela 9ª Promotoria de Justiça do Juízo Criminal, ofereceu denúncia em que imputa a Ismael Antonio Coelho de Moraes, qualificado na exordial, o cometimento do crime definido no art. 138 do Código Penal, nas circunstâncias do art. 141, II e III, do mesmo diploma legal. Consta da prefacial acusatória que no dia 22 de abril de 2018, o denunciado afirmou, em entrevista concedida ao jornal O Liberal, a existência de um acordo entre a Procuradoria Geral do Estado e a empresa Hydro Alunorte, com o fim de obter enriquecimento dos procuradores e apoio financeiro para campanha eleitoral, referindo-se diretamente aos procuradores Ophir Cavalcante Junior e Tátilla Passos Brito.
Assim, em tese – segundo o órgão ministerial – o acusado imputou aos procuradores a prática dos crimes de prevaricação e advocacia administrativa. A denúncia veio instruída com os autos referentes à notificação judicial para explicações (processo nº 0012558-71.2018.8.14.0401) e foi recebida por despacho de fl. 05. Frustrada a suspensão condicional do processo em virtude do não comparecimento do acusado à audiência, a defesa, em resposta à acusação (fls. 33/36), requereu a extinção de punibilidade pela decadência do direito de representação e o reconhecimento da inépcia da denúncia. Às fls. 39/40, o Ministério Público opôs-se aos argumentos delineados pela defesa.
É o relatório. Fundamento e decido.
Dispõe o art. 38 do Código de Processo Penal que, salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá do direito de queixa ou de representação, se não o exercer no prazo de seis meses, contados do dia em que vier a saber quem é o autor do crime. Depreende-se dos autos que a ofensa à honra das vítimas teria sido veiculada em entrevista concedida pelo denunciado a periódico jornalístico impresso distribuído no dia 22 de abril de 2018.
Esta é a data, portanto, em que se pode presumir tenham os ofendidos tomado conhecimento da autoria do fato. Ressalte-se, inicialmente, que a notificação judicial para explicações em juízo foi interposta pelos ofendidos no dia 05 de junho de 2018 – conforme se infere do carimbo de recebimento da Central de Distribuição e Protocolo dos JECrim lançado na folha de rosto da peça – e não no dia 29 de maio de 2018 (data da petição), ao contrário do que consta da manifestação do parquet (fls. 39/40).
Houve, naquela oportunidade, mero pedido de explicações em juízo, e não representação, para os efeitos do art. 24 do Código de Processo Penal. No curso do referido procedimento, em petição apresentada no dia 29 de novembro de 2018, os ofendidos requereram que o pedido de explicações fosse tomado como representação para fins de ação penal pública condicionada, tal como consignado em audiência anterior. Esta se deu no dia 19 de novembro de 2018, porém, no termo de fl. 47 daqueles autos não há qualquer registro de representação oferecida pelos ofendidos.
Considerando que os ofendidos souberam da autoria das alegadas ofensas em 22 de abril de 2018, o prazo para representação teve curso até 21 de outubro do mesmo ano, data anterior à da audiência realizada na 2ª Vara do Juizado Especial Criminal de Belém e a do protocolo de distribuição da petição de fls. 48/54 dos autos do pedido de explicações. Antes de expirado o prazo para representação, houve, contudo, o próprio pedido de explicações ajuizado pelos ofendidos, que, entretanto, não equivale à representação para efeito de ação penal pública, como reiteradamente afirmado em sede jurisprudencial. À guisa de exemplo, trago à baila os seguintes julgados:
APELAÇÃO CRIME. INTERPELAÇÃO JUDICIAL.PROCEDIMENTO DE NATUREZA CAUTELAR.MEDIDA PREPARATÓRIA DE PROCESSO-CRIME REFERENTE A DELITOS CONTRA A HONRA (ART.144 DO CP). EXTINÇÃO DO FEITO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU, AO ENTENDIMENTO DE QUE O PEDIDO CONFIGURA NÍTIDO ABUSO DE DIREITO.IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL ACERCA DO CABIMENTO OU NÃO DA MEDIDA, OU SEJA, DA LEGITIMAÇÃO OU DO INTERESSE JURÍDICO DO REQUERENTE. RECURSO PROVIDO.
2 A interpelação judicial, como procedimento preparatório e facultativo de instauração de processo-crime para a apuração de crime contra a honra deve ser conhecida tão somente para fins homologatórios, sendo inadmissível ao julgador o indeferimento in limine do pedido de explicações (que só ocorrerá na incidência da decadência ou de outra causa extintiva da punibilidade), bem como qualquer aferição ou valoração das explicações prestadas pela parte interpelada. 3 I. (TJPR – 2ª C.Criminal – AC – 1547470-3 – Pérola – Rel.: Desembargador José Maurício Pinto de Almeida – Unânime – J. 29.09.2016) PEDIDO DE EXPLICAÇÕES Crimes contra a honra – Decisão que declarou extinta a medida preparatória pela perda do objeto por decadência, com condenação do recorrente em custas e honorários advocatícios Impetração visando afastar a condenação em custas e honorários advocatícios.
POSSIBILIDADE Prazo para propositura da ação penal privada atingido pela decadência Não há mais interesse no andamento do pedido de explicações que não interrompe ou suspende o transcurso do prazo decadencial para impetração da ação principal Condenação do recorrente em custas, despesas processuais e honorários advocatícios, indevida – Recurso provido. (TJSP; Recurso em Sentido Estrito 0057963-43.2012.8.26.0002; Relator (a): Ruy Alberto Leme Cavalheiro; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Criminal; Foro Regional II – Santo Amaro – 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 10/11/2014; Data de Registro: 13/11/2014).
No mesmo sentido já decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça: PENAL. CRIME CONTRA A HONRA. DECADÊNCIA. INTERRUPÇÃO. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES. INOCORRÊNCIA. 1. O prazo para propositura de ação penal privada, ante seu caráter decadencial, não se suspende ou interrompe pela formulação de pedido de explicações, nos moldes do art. 144 do Código Penal, em face da ausência de previsão legal a respeito. 2. No caso, ainda que se admitisse em tese a existência de crime contra a honra, não há interesse no processamento do pedido de explicações, diante da extinção da punibilidade pela decadência (art. 107, IV, CP). 3. Recurso especial prejudicado. (STJ – REsp 204.291/PR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, Pub. no DJ de 04/09/2000, p. 202).
O pedido de explicações em juízo nos crimes contra a honra e a representação para efeito de ação penal pública condicionada são institutos de natureza jurídica diversa. Aquele constitui medida preparatória e facultativa pela qual o ofendido tão somente requer explicações sobre referências, alusões ou frases, das quais se infere calúnia, difamação ou injúria. Não deduz pretensão voltada à movimentação da persecução penal. O que o ofendido busca são esclarecimentos sobre alegações cujos contornos ofensivos sequer estão bem definidos – se estivessem, o pedido de explicações não seria necessário – e que podem mesmo, ao fim do procedimento correspondente, ser tomados pelo ofendido como satisfatórios.
Em outras palavras, as explicações prestadas podem comprometer a persecução penal e, com ela, a própria representação, que, por sua vez, constitui condição para o exercício da ação penal, proveniente de manifestação clara e induvidosa de vontade do ofendido no sentido de que deseja a persecução penal. Aliás, esse paradoxo entre o pedido de explicações e a representação pode ser identificado nos termos da manifestação do parquet às fls. 39/40, quando se afirma que por meio da referida interpelação criminal, as vítimas manifestaram a vontade de esclarecer os fatos, deixando evidente que, em caso de não convencimento, prosseguiriam com o devido processo judicial.
Efetivamente, o pedido de explicações implica mera vontade de esclarecer fatos (não de que seja iniciada a persecução penal). Tanto é assim que, não satisfeito com os esclarecimentos, caberá ao ofendido oferecer a representação, que constituirá, esta sim, a manifestação de vontade no sentido de que haja movimentação do aparato repressivo penal.
Note-se que o pedido de explicações não pode ser equiparado à representação unicamente em virtude desta não demandar maiores rigores formais. Aqui, a maleabilidade da forma não dispensa a clareza da vontade manifestada pelo ofendido, que deve caminhar irrefutavelmente na senda da persecução penal. Inquestionável, portanto, a decadência do direito de representação dos ofendidos.
Diante do exposto, e com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal, e art. 397, IV, do Código de Processo Penal, julgo extinta a punibilidade e absolvo sumariamente Ismael Antônio Coelho de Moraes, qualificado na exordial, pelo que determino o arquivamento dos autos, após o trânsito em julgado desta decisão, a baixa nos registros informatizados de secretaria e as comunicações de estilo. Sem custas. P.R.I.C. Belém (PA), 18 de novembro de 2019. Marcus Alan de Melo Gomes
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