O convite do governador Helder Barbalho, enviado aos desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará para participarem de um camarote exclusivo no show do DJ Alok, no próximo sábado (23), no estacionamento do estádio Mangueirão, levanta um alerta importante: até que ponto as balizas constitucionais que garantem a independência entre os poderes estão sendo respeitadas?
Sob a justificativa de ser um “evento que marca o início da contagem regressiva de um ano para a COP 30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorrerá em novembro de 2025 em nossa capital”, o convite a todos os 30 desembargadores do TJ, transcende a celebração cultural e toca em questões sensíveis sobre a harmonia e separação dos três poderes da República.
Embora a convivência respeitosa e colaborativa entre Executivo, Legislativo e Judiciário seja desejável, é imperativo que cada um mantenha sua independência para que nenhum poder seja submisso ou influenciado pelo outro. É como diz o povão: cada qual no seu quadrado.
No texto do convite, ao qual o Ver-o-Fato teve acesso, Alok é apontado por seu “engajamento em causas sociais e ambientais”. Além disso, o artista foi convidado para ser “embaixador da COP 30, reforçando a importância da conscientização climática global.”. A apresentação contará com artistas locais de renome, como Gaby Amarantos e Pinduca, “destacando a cultura regional, além de reforçar o compromisso social e ambiental do evento.”
Os desembargadores são informados no convite do governador que o acesso ao camarote oficial será “mediante lista nominal, intransferível, com direito a um acompanhante, cujo nome deverá ser previamente informado”. “”Aguardamos a confirmação da presença de todos para uma noite que unirá arte, conscientização ambiental e protagonismo amazônico”, finaliza o texto.
Autônomos e vigilantes
De acordo com a Constituição Federal, os três poderes são autônomos e harmônicos, mas devem permanecer vigilantes para evitar situações que comprometam essa relação. Quando integrantes de um desses poderes aceitam convites que poderiam ser interpretados como uma tentativa de aproximação indevida, a linha tênue entre convivência institucional e perda de autonomia pode ser rompida.
O Judiciário, em particular, tem como um de seus pilares a imparcialidade. Qualquer ação que sugira proximidade excessiva com o Executivo pode gerar suspeitas de parcialidade, especialmente em momentos decisivos para a sociedade.
A presença de desembargadores ao lado do governador em um camarote reservado para autoridades, em um evento de forte apelo midiático e político, é um gesto que pode ser visto como simbólico, mas carrega implicações profundas. Trata-se de um teste à independência do Tribunal de Justiça, que deve atuar como um guardião imparcial da Constituição, e não como um parceiro em eventos patrocinados pelo governo estadual.
Ainda que o objetivo do evento seja nobre — marcar a contagem regressiva para a COP 30 e promover a conscientização ambiental —, o gesto não deixa de ser inusitado. O governador, anfitrião e articulador político, parece buscar, com tal iniciativa, não apenas celebrar a Amazônia, mas consolidar sua imagem como líder influente no cenário global às vésperas de um evento internacional de grande porte.
Quando as fronteiras entre os poderes são ignoradas, o maior prejudicado é o equilíbrio democrático. Um Executivo que tenta, ainda que de forma sutil, capturar o Judiciário, arrisca transformar a autonomia constitucional em mera formalidade. Isso enfraquece a confiança da população nas instituições e abre precedentes perigosos para a política local e nacional.
Os desembargadores, ao aceitarem o convite, devem estar cientes do simbolismo que suas presenças carregam. Em um estado onde o Executivo frequentemente exerce influência significativa sobre outros setores da sociedade, às vezes de forma nefasta e autoritária, é fundamental que o Judiciário se posicione de forma inequívoca como independente e imparcial.
Constituição ou camarote?
A harmonia entre os poderes não significa subserviência. O Executivo deve respeitar o Judiciário em suas decisões, assim como o Judiciário deve permanecer vigilante diante de eventuais excessos ou abusos do Executivo. Eventos sociais como este, embora aparentemente inofensivos, são oportunidades para reafirmar ou questionar essa independência.
Os desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará, ao considerarem sua participação, enfrentam uma decisão que transcende o convite em si. Estarão eles reafirmando a autonomia do Judiciário ou se permitindo ser parte de uma narrativa que pode enfraquecer os fundamentos constitucionais?
A resposta não será apenas para os organizadores do evento, mas para toda a sociedade paraense, que espera de seus magistrados uma postura íntegra e independente. Que a Constituição, e não o camarote, seja o norte dessa reflexão.