Uma menina jovem, batom vermelho, calça azul, camisa social, um cabelo bonito de mechas loiras. Magra, com olhar de chegada ao mundo adulto, um sapato preto, um andar lento e observador. Na mão, um envelope amarelo, possivelmente com um currículo, concluo. De loja em loja ela ia entrando, sendo que na transição de uma para outra preparava o sorriso como se fosse um amuleto da sorte. Tão jovem, mas já na batalha.
O desespero nos faz fazer muitas coisas. É porque ela eu vi da janela do ônibus, mas ele vi dentro, vi de mais perto. Ele é um homem com aparente meia idade, cujo meu olhar induz a pensar num pai de família. Olhar fustigado pela vida, roupa que tenta expressar postura, pele negra, sapatos riscados de tanto andar, concluo.
Na mão, um envelope amarelo, possivelmente com um currículo. Ele espera a porta traseira do ônibus abrir para poder embarcar, talvez porque nem dinheiro da passagem tenha. Sobe, se acomoda rapidamente, demonstrando constrangimento e coragem ao mesmo passo. Tão vivido, mas ainda na batalha.
O desespero nos faz fazer muitas coisas. Ouço no ônibus um homem jovem comentar com sua esposa sobre uma entrevista de emprego. Dizia que a primeira vez que foi fazer, acabou ficando muito constrangido, pois desde a escola não gostava de falar em público, principalmente quando tinha trabalho. Na entrevista, a entrevistadora era uma “doutora” e ele tinha muita vergonha porque sabia que falava errado.
A pergunta era sobre o porquê dele ter que ser admitido na empresa. Disse que foi ruim e chorou no caminho de volta para casa, mas não desistiu. Treinou no chuveiro e na frente do espelho durante semanas, ficando um pouco melhor para voltar a ter coragem de ir para os próximos desafios. Naquele dia tinha acabado de ser admitido e falava com orgulho, e também nostalgia, do feito conquistado, inclusive fazendo planos de comprar brinquedo para o filho, isto é, se sobrasse das compras do mês.
Aqui próximo ao equador, com todo esse calor, o belemense é quente e intenso como o sol. É forte e inspirador. Logo que percebi que iria terminar o ensino médio, também fiz um currículo e até cheguei a passar em uma dessas seleções. Aluno de escola pública geralmente tem uma autoestima baixa que não lhe permite ver tão além desse caminho. Passei no vestibular logo após, e como sempre digo aos amigos e amigas, me tornei privilegiado por ter só que estudar e ponto.
Olhe ao redor! Você se sente pra baixo pelos problemas, mas os outros também estão com os seus, talvez até piores, mas nem por isso deixam de correr, principalmente essa gente pobre, corajosa e criativa da periferia. As demissões brotam a todo instante. É um momento complicado. Cada ser humano é um universo em crise, como diz um rap.
Essa crônica é sobre um momento da vida em que temos que ser fortes.
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